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Mário João Alves: “Sou somente avesso ao óbvio, ao predefenido e ao previsível”

Durante quinze anos conseguiu viver apenas do canto lírico em Portugal. O Teatro Nacional São…

Texto de Mafalda Lalanda

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Durante quinze anos conseguiu viver apenas do canto lírico em Portugal. O Teatro Nacional São João começou por acolher a sua estreia como Sempronio na ópera bufa Lo Speziale, de Joseph Handy. Foi aí que se abriu a cortina para o início de um percurso meritório. Desde então tornou-se convidado regular das temporadas do Teatro Nacional São Carlos, dando voz e movimento a inúmeras personagens: Nemorino, Ferrando, Conte di Almaviva, Tamino, Rinuccio, Fadinard (Il Cappello di Paglias di Firenze), Alfred (Die Fledermaus), Pedrillo, Joe (Blue Monday). Pisou vários palcos internacionais, sem deixar de manter o contacto com as instituições portuguesas, e trabalhou com maestros e encenadores como Plácido Domingo, Bob Wilson, Franco Zeffirelli e João Paulo Santos.

Mário João Alves não é apenas um tenor, mas sim um criador a tempo inteiro. A música tornou-se desde cedo um dos principais pretextos para criar outras coisas. É, também por isso, autor de seis livros destinados à infância ou a adultos imaginativos. José, Será Mago? (Booklândia), Histórias da Música em Portugal (Planeta Tangerina) e A Orquestra na Baleia (Orquestra Clássica do Centro) são os últimos títulos lançados. É, ainda, cofundador das Vozes da Rádio (1991). Através deste grupo, composto por cinco elementos a cantar a cappela os seus originais, viu a oportunidade de escrever e compor mais. No total, foram lançados doze álbuns até 2019.

Atualmente, partilha as suas experiências e os seus conhecimentos com os alunos do Conservatório de Música de Coimbra e da Escola Superior de Artes Aplicados do Instituto Politécnico de Castelo Branco. É um homem que se desdobra em várias valências artísticas, procurando levar muito daquilo em que acredita para aquilo que projeta, produz e apresenta. Nos últimos anos, dedica-se à companhia Ópera Isto, criada em conjunto com José Lourenço, com o intuito de promover espetáculos de teatro e música para todos os públicos, com especial incidência no repertório operário e no público infantojuvenil. O Olho Esquerdo de Júlio Verne é precisamente uma das performances que vai estar em circulação nos próximos tempos. Não percam fio à meada, porque além de música há um novo livro a caminho.

Gerador (G.) – És um artista de variadíssimas variedades. Além da tua ligação direta com a área musical, também és autor, encenador, professor e, muitas vezes, o que for necessário para concretizares os teus projetos artísticos. Atualmente, qual o espaço que dedicas a cada uma destas áreas na tua vida? 

Mário João Alves (M.J.A.) – A vida é uma coisa tão orgânica que surfá-la exige atenção às marés. Por outro lado, gastar a vida numa só coisa não me atrai. Assim como acho que não atrai os outros levar comigo a vida toda a fazer o mesmo. Assim, tenho-me dedicado a muitas coisas de entre as muitas de que gosto. E são umas que vão trazendo as outras. Nesta altura, atrai-me a criação. Criação de textos, de espetáculos, de ideias e de me divertir a tentar torná-las reais. Dedico cada menos tempo ao canto e mais tempo a descobrir coisas, a procurar coisas a escutar coisas. Isso inclui o ensino, a companhia Ópera Isto, a escrita e alguma encenação.

(G.) – Desde criança que te sentes repartido entre vários domínios artísticos ou era clara a tua inclinação para a música?

(M.J.A.) – Apesar de sempre (mesmo sempre) ter adorado escrever coisas, dediquei grande parte do meu tempo à música, sim. Especialmente como intérprete, primeiro nas Vozes da Rádio e depois na ópera.

(G.) – Consideras que a música clássica ainda se apresenta como um ecossistema fechado em Portugal? Porquê?

(M.J.A.) – Creio que as coisas tendem a interligar-se cada vez mais, porque cada vez mais os músicos fazem coisas diferentes, seja por opção, seja por necessidade. Por outro lado, surgem projetos muito criativos a misturar géneros. Se bem que nem sempre os resultados sejam bons, é um mundo cheio de possibilidades. Ao nível escolar, cada vez mais as escolas contemplam o ensino de outros géneros, nomeadamente do jazz, na sua oferta letiva.

(G.) – Há vários anos que acompanhas o panorama da música clássica em Portugal. Quais as conquistas que foram sendo feitas e quais os desafios do futuro?

(M.J.A.) – Há muita oferta de músicos, atualmente. Maior do que a procura, acho. Isso tem o condão de obrigar os músicos a inovar, criar projetos e inventar o seu próprio mercado. O nível médio está mais alto do que nunca e o nível do ensino tem um pouco de tudo, mas com muito boas opções.

(G.) – É possível viver especificamente do canto lírico em Portugal?

(M.J.A.) – Eu creio que o mercado está muito globalizado e em todos os países se pensam as carreiras a nível internacional e não estritamente nacional. No nosso caso particular, a oferta é, de facto, reduzida, pelo que, neste momento, serão muito raros os casos de viver exclusivamente do canto. Eu fi-lo durante 15 anos e outros fá-lo-ão mas, repito, não serão muitos...

 (G.) – Quem são as tuas maiores referências a nível musical? Porquê?

(M.J.A.) – É difícil dizer. Eu passei a juventude a ouvir heavy metal, depois estudei jazz e clássico, e adoro muitas coisas de world music. Acho que há mesmo muita coisa boa. Os nomes que ouço com mais regularidade? Talvez Metallica, Blur, Mário Laginha, Ornatos Violeta. Na área da ópera, talvez o Gedda, o Wunderlich e o Baremboim. E nos compositores talvez Stravinsky, Ravel, Debussy e Britten.

(G.) – Os espetáculos e os projetos que crias são, muitas vezes, produções fora da caixa – ou seja, não assentam necessariamente naquilo que pode ser expectável. Por norma, como funciona o teu processo criativo? Sentes a necessidade de acrescentar algo diferente e de renovar aquilo que se tem feito?

(M.J.A.) – Na verdade, quando penso nisso, acho que sou somente avesso ao óbvio, ao predefinido e ao previsível, até no ensino. Não gosto daquilo que me sugira hegemonia, homogenia ou uniformização. Sou pela não repetição. Por isso, o processo criativo é também variável. E tenho, nos últimos tempos, saboreado o gosto de partilhar o ato criativo, nomeadamente na Ópera Isto. E isso é uma revelação. Diria que, sobretudo, há que ser criativo logo na maneira de iniciar a criação.

(G.) – O humor é algo muito inerente à tua pessoa. Também o consegues incluir na tua vida artística? De que forma?

(M.J.A.) – Não sei. Não me consigo livrar disto. É mesmo algo que nada tenho de fazer para vir ao de cima. O trabalho, às vezes, é tapar um bocadinho para não ser tão óbvio (sempre o medo do óbvio).

(G.) – Em relação aos livros que já publicaste, consegues identificar um denominador comum que traduza a forma como escreves e pensas em histórias?

(M.J.A.) – Diria que gosto que eles tenham algo de poesia, de humor e de magia. O resto não sei bem...

(G.) – O contacto com os teus alunos permite-te compreender como diferentes gerações se relacionam com a música. Que aprendizagens tens feito deste contacto entre professor e aluno?

(M.J.A.) – Diria que desde que comecei a dar aulas, aprendi tempos, espaços de observação e de escuta, aprendi a ler-me melhor, acho. E acho que aprendi que afinal sou mesmo mais velho do que os alunos e que eles estão numa idade incrível para experimentar coisas. Aprendi a maravilha que é ser espontâneo, ingénuo e naïf. O quanto isso é luminoso, irrepetível e insubstituível. Vou aprendendo a aprender, também.

(G.) – Será que nos podes adiantar projetos futuros em que estejas envolvido? Há espetáculos e novos desafios pensados para 2020?

(M.J.A.) – Sim, algumas coisas. Estou a criar um libreto para um projeto formativo da Casa da Música chamado A Minha Companhia de Ópera, um projeto sobre Beethoven para os Dias da Música e um ciclo de canções sobre o último livro. E estamos em digressão com a Ópera Isto com possíveis idas a sítios muito bonitos com o nosso último espetáculo, O Olho Esquerdo de Júlio Verne, e alguns dos anteriores em reposição. E... a preparar livro novo, claro, a ver se a mão mantém o faro.

No próximo sábado, 14 de março, não percam a oportunidade de marcar presença no lançamento do novo título de Mário João Alves. As Viagens Extraordinários do Júlio Inverno conta com ilustrações de Dina Sachse, que também estará presente no evento a realizar-se pelas 17h30 na livraria Salta Folhinhas, no Porto.

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