Dezembro é, para mim, um mês de reflexão: é o mês do meu aniversário, do natal e do ano novo. Com tantos marcos especiais, é inevitável refletir no que durante o último ano se passou. E o que se passou? Vivi em três países diferentes. Não é pouco sítio nem é pouca coisa. Nestes meses, tornei-me especialista em empacotar a minha vida em duas malas, em encontrar quartos onde viver, em conhecer pessoas novas, em descobrir lojas onde ir fazer as compras semanais, em adaptar-me — qual camaleão — aos novos ambientes e novas línguas, e em carregar — qual caracol — a minha casa às costas. Em Janeiro, mudar-me-ei para um novo país. Em Abril, mudar-me-ei para outro. Em Setembro, assentarei em Lisboa.
Que estranha que é a ideia de assentar. Muito mais estranha do que a ideia de me mudar de novo. Ao fim e ao cabo, durante os últimos três anos, vivi em seis cidades diferentes: entre Lisboa, Veneza, Génova, Glasgow, Barcelona, Nijmegen. Estou agora a fazer as malas para Nova Iorque. Depois de tanto tempo a saltar de um lado para o outro, como se assenta? E qual é o critério para podermos dizer que alguém assentou num lugar? Tenho pensado nisto. Será que assentamos quando — objetivamente — desfazemos as malas, compramos mobília nova, nos tornamos locais? Ou será que só assentamos quando — subjetivamente — nos livramos da sensação de que a nossa estadia é temporária?
Sinto que as minhas estadias são — sempre — temporárias. Em parte, porque efetivamente o são: têm sempre uma data limite pré-definida. Em parte, também, porque acho que hoje em dia, na era da globalização, continuamos a medir as nossas vidas segundo parâmetros de outros tempos que já não funcionam para descrever a nossa realidade.
Afinal, o significado que hoje damos à palavra “temporário” é, ou deveria ser, diferente do significado que lhe era dado há cinquenta anos atrás. Isto porque o significado da palavra “permanente” também não é o mesmo. E isto porque o estilo de vida também não é o mesmo; nós já não arrendamos ou compramos casas a pensar que lá viveremos toda a vida, já não aceitamos empregos a pensar que lá trabalharemos toda a vida, já não fazemos planos ou compromissos a pensar que durarão a vida toda.
Ao escrever isto sinto um certo conforto. Há algo de prazeroso na mudança constante. E que bom que é ter o privilégio de poder mudar e recomeçar, inclusive recomeçar nos sítios onde já vivemos. Costuma-se dizer que não devemos voltar ao lugar onde fomos felizes, mas eu já não sei se a pessoa que foi feliz neste lugar (Lisboa) sou eu. Mentiria se dissesse que tantas mudanças não me mudaram a mim também. Talvez a solução seja voltar para Lisboa mas ir viver para outro bairro que não aquele onde vivi. Um recomeço familiar.
Assentar é um medo que tenho, não o escondo, e que sei que partilho com muitos outros jovens. De certa forma, parece o início da vida adulta. Ou, melhor, o início da vida que nos foi apresentada como “vida adulta”: uma vida centrada no trabalho, na família, na estabilidade, longe dos nossos desejos de aventura e viagem. Anima-me, porém, saber que vou poder juntar todos os meus livros na mesma estante. “Assentar” é outra palavra cujo significado temos de reescrever, e que vamos reescrevendo para que descreva melhor a realidade de hoje. Realidade movediça.
Assentar não tem de significar perdermos a liberdade para explorar ou inventar novas histórias. Assentar não tem de ser “para sempre”. Em suma, não tem de ter todas as condições que lhe impomos. Penso: não são as palavras que nos amarram, somos nós que nos amarramos aos significados que foram dados às palavras; estamos presos na nossa própria criação.