fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Manuel Luar

Na Primavera com pratos frios

Nas Gargantas Soltas de hoje, Manuel Luar fala-nos sobre as receitas para a Primavera.

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

No dia 30 de março de 1853, há 170 anos, nasceu Vincent Van Gogh nos Países Baixos. Foi um dos maiores pintores pós-impressionistas. A cor marcante e as pinceladas poderosas influenciaram muito a corrente do expressionismo na arte moderna. Este pintor atormentado (a quem diagnosticaram modernamente que teria sofrido de doença bipolar) tornou-se incrivelmente popular após sua morte, especialmente no final do século XX, quando seu trabalho foi vendido por somas recordes em leilões em todo o mundo apresentado em exposições itinerantes de grande sucesso.

Em homenagem ao divino Van Gogh refiro a mais desbundada refeição de pratos frios que fiz em Dordrecht (perto da terra dele) e sigo em frente para alguns pratos que já apetecem na Primavera que inicia.

Em Dordrecht era rei o “grande” Sr. Visser (em todos os sentidos). Grande comerciante, grande amigo, e grande , grande mesmo (sobretudo em quilinhos).

Estando todos em sua casa, entendeu dar a conhecer aos portugas o que era peixe daquela costa fria do Mar do Norte. Isto depois de ter sido abundantemente doutrinado sobre a excelência dos robalos, sargos e linguados da nossa costa.

A vingança foi terrível. 

Contratou algumas mulheres habituadas a filetar o peixe cru nas fábricas e pô-las a tratar daquela ocorrência. Desde as 11:30h da manhã até às 16:00h da tarde foi uma desbunda de peixe cru e fumado que apareceu naquela mesa,  sem fim à vista…

Ainda não eram bem 14:00h e já estávamos todos amarelos… Nunca mais me esqueci.

Mas voltando ao pátrio solo e à Primavera:

Salada de atum será talvez o prato frio mais conhecido e utilizado pelos portugueses atualmente.

No passado não. 

O escabeche para a conservação de peixe que não se consumia todo na mesma ocasião é mais antigo na mesa lusa. E feito com carapaus, sardinha, fanecas, etc. veio a tornar-se apetecível para o Verão, comido a frio.

No Alentejo os gaspachos eram há séculos comida de estio. Com ou sem carapauzinhos fritos e figos a acompanhar.

E na Beira Alta os endinheirados, ou os remediados que caçavam, também costumavam conservar (para comer no Verão) as perdizes, enfiadas em frascos de boca larga previamente esterilizados. As perdizes eram primeiro estufadas lentamente em azeite, vinho branco e vinagre, a que se juntava a gosto cebola e uns grãos de cravinho, pimenta e sal.

Saladas frias – como as que se servem hoje como acepipes e entradas nos restaurantes de genética mais ou menos alentejana – são mais ou menos novidades com um cheirinho de marketing. Honra seja feita aos precursores (Irmãos Fialho a destacar) que de um conjunto de pratos mais ou menos  completos fizeram uma "tábua de entradas" que serve dois propósitos ao mesmo tempo: aconchega a caixa registadora e dá satisfação ao cliente.

São imensas: de pimentos, de polvo, de ovas, de fígado frito ou grelhado, etc...

Destaca-se para mim a de coelho S. Cristóvão (localidade de Montemor-o-Novo) que é assado na brasa primeiro (temperado com alho e sal) e depois cortado aos pedaços e marinado em molho de azeite, alho, vinagre e coentros.

Do Algarve chega-nos a velhinha receita dos "carapaus alimados". São bem limpos e depois de salgados em camadas, cozem-se. A seguir deixam-se esfriar e passam-se bem por água fria para enrijar. Só depois são filetados os lombos, tira-se a pele e temperam-se com rodelas de alho, de cebola e salsa picada.

Em praticamente todo o país se utiliza (há quantos anos?) a famosa receita de "bacalhau onanista " (Mestre Quitério dixit). O fiel amigo desfiado em cru e bem temperado de azeite, alho, cebola e vinagre. O meu sogro usava bacalhau sem ser demolhado. Desfiava a posta em tiras finas, passava-as depois por água bem fria apertando bem cada tira. E só depois temperava. Imaginamos que puxaria bem ao vinho...

Um ponto comum a quase todos estes pratos frios é a utilização do azeite e do vinagre. Ou não estivéssemos num país de tradição mediterrânea.

O tradicional molho desta época é a maionese. Dizem que foi criada para homenagear o Duque de Richelieu após a conquista da cidade de Mahon (1756). É praticamente um molho universal que, se for bem feito, na sua simplicidade realça os pratos de peixe, marisco e até de carnes frias em que se coloca.

Em Portugal  usa-se a "vinagreta" (azeite, vinagre, sal, pimenta, mostarda e ervas finas, alcaparras e salsa picada) que foi talvez  importada em tempos das Invasões Francesas, e que serve para realçar a frio  algum peixe cozido ou para o “pós-modernista "peixe ao sal".

Mas para mim o verdadeiro molho "Tuga" é o molho de vilão, abundantemente utilizado na Madeira e nos Açores (molho cru, molho das vindimas, são sinónimos) para condimentar peixe. 

Mas também aqui no continente. 

Como em muitas receitas do nosso tesouro nacional, as interpretações do molho de vilão são inúmeras. Faz-se com caça ou com peixe, aplica-se ao bacalhau, tem variações desde Trás-os-Montes até às Ilhas de Bruma. Pode ser utilizado frio ou quente.

Dou dois exemplos:

 No Algarve (para o atum fresco e frito, receita antiga de Vila Real de Santo António): 

2 Malaguetas

200ml Vinho branco
Vinagre de vinho branco a gosto

2 colheres de sopa de azeite

2 a 3 folhas de louro

Orégãos ou tomilho a gosto

E em S. Miguel (para os chicharros ou para as cavalinhas):

  - Azeite
– 5/6 dentes de alho esmagados
– Duas colheres de sopa de pimenta da terra, moída
– Um copo com metade de vinho de cheiro, metade água
– Um fio de vinagre branco
– Uma mão cheia de salsa picada
– Colorau Doce
– Pimenta branca.

- Sobre Manuel Luar -

Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.

Texto de Manuel Luar
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

7 Maio 2025

Chimamanda p’ra branco ver…mas não ler! 

23 Abril 2025

É por isto que dançamos

16 Abril 2025

Quem define o que é terrorismo?

9 Abril 2025

Defesa, Europa e Autonomia

2 Abril 2025

As coisas que temos de voltar a fazer

19 Março 2025

A preguiça de sermos “todos iguais”

12 Março 2025

Fantasmas, violências e ruínas coloniais

19 Fevereiro 2025

No meu carro encostada à parede

12 Fevereiro 2025

Sara Bichão

5 Fevereiro 2025

O inimigo que vem de dentro

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

3 MARÇO 2025

Onde a mina rasga a montanha

Há sete anos, ao mesmo tempo que se tornava Património Agrícola Mundial, pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), o Barroso viu-se no epicentro da corrida europeia pelo lítio, considerado um metal precioso no movimento de descarbonização das sociedades contemporâneas. “Onde a mina rasga a montanha” é uma investigação em 3 partes dedicada à problemática da exploração de lítio em Covas do Barroso.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0