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Opinião de Catarina Maia

Não foi isto que me venderam

Um dia pensei: quando for grande vou ter muitos filhos e quando estiver grávida nunca…

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Um dia pensei: quando for grande vou ter muitos filhos e quando estiver grávida nunca vou estar triste, porque bastar-me-á pensar que tenho um bebé na barriga para me sentir eternamente feliz. Esse dia desdobrou-se em vários, que se distribuíram em meses e anos pela minha adolescência fora.

A idade adulta ameaçava algum realismo ao meu preconceito justamente na altura em que soube que, por diferentes razões de saúde, engravidar um dia poderia ser difícil, ou até mesmo impossível. O receio de não poder engravidar fez-me colocar a gravidez numa campânula de vidro incorruptível, no cimo de um altar que eu ia observando ao longe, com alguma tristeza.

Quis o destino que afinal os meus medos não se concretizassem e eis-me de esperanças, em todo o meu esplendor, repetindo para mim mesma constantemente: não foi isto que me venderam.

Eu amo estar grávida em termos conceptuais; já em termos práticos, não sei bem qual é a minha opinião. Para começar, não estava preparada para passar quase três meses numa ressaca contínua de vinho carrascão. Só vomitei uma vez, mas isso não quer dizer nada porque a vontade esteve sempre lá. Enquanto o meu estômago se entretinha a pensar se me punha de joelhos abraçada à sanita, o meu intestino nunca a quis mais longe: mês e meio de gravidez e mais parecia que levava quatro. Antes sequer de ter um médico que me pudesse aconselhar, precisei de intervir urgentemente nesta inacção intestinal e fui a uma farmácia comprar um laxante que já conhecia.

- Este laxante é adequado para grávidas?

- Não podemos dizer, tem de perguntar ao seu médico.

- Tem algum laxante adequado para grávidas?

- Não, tem mesmo de falar com o seu médico.

Noutra farmácia, e noutra altura, lembrei-me de comprar um gel para as pernas cansadas. Outra vez a mesma história.

- É adequado para grávidas?

- Não.

E não havia na porra da farmácia nenhum gel para pernas de grávida, que são as mais cansadas que existem à face da Terra e que, como o intestino, parecem estar sempre em risco de explosão.

É só até aos três meses, já passa, aguenta mais um bocadinho, diziam-me, e eu estava desertinha de transpor essa linha. Felizmente transpus, sinto-me privilegiada por isso, mas apenas uma semana depois tivemos de ir até ao hospital descobrir que o sangue que perdi se deveu a um descolamento da placenta e que tinha de estar em repouso absoluto até à próxima consulta que tivesse, para não perder o bebé.

Ficar deitada o dia inteiro por tempo indeterminado, quão mau pode ser? Depende da perspectiva. Não é certamente das minhas coisas preferidas em estar grávida. No outro dia acordei com o meu nariz a fazer de torneira de sangue, também não foi simpático. São as hormonas, ao que parece. As mesmas que me fazem chorar por isto e aquilo, as mesmas que paralisaram o meu intestino e que insuflaram as minhas pernas.

Um dia vou ter o meu bebé nos braços e, assim como agora, vou conseguir rir-me de episódios inesperados que este estado de graça me trouxe. Não podia estar mais agradecida por ter a honra de estar a criar uma vida dentro de mim, a sério que não. Mas não consigo parar de pensar que, vá lá, é só aguentar mais cinco meses, porque não foi mesmo nada disto que me venderam.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Catarina Maia-

Catarina Maia estudou Comunicação. Em 2017, descobriu que as dores menstruais que sempre tinha sentido se deviam a uma doença crónica chamada endometriose, que afecta 1 em cada 10 pessoas que nascem com vulva. Criou O Meu Útero e desenvolve desde então um trabalho de activismo e feminismo nas redes sociais para prestar apoio a quem, como ela, sofre de sintomas da doença. “Dores menstruais não são normais” é o seu mote e continua a consciencializar a população portuguesa para este problema de saúde pública.

Texto de Catarina Maia
Fotografia de Pedro Lopes

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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