Participar na vida democrática e cívica parece fora de moda. Os números assim o mostram: menos de 60% votam nas legislativas, caindo para 30-40% nas europeias; a filiação partidária não chega a 2%; apenas 5-8 participaram em manifestações; 25-30% assinaram petições; e só 15-20% fazem voluntariado associativo. Estes indicadores traçam um panorama preocupante de abstenção cívica, que ainda é mais evidente nas camadas mais jovens. Embora desligadas da política formal, as pessoas encontraram outras formas de exercer a sua liberdade no quotidiano.
Na verdade, muitos acreditam piamente que expressam a sua liberdade através de duas esferas omnipresentes: o consumo comercial e as redes sociais. São terrenos onde cada indivíduo sente que manda, que escolhe sem amarras externas. Ir às compras, seja o novo smartphone, os chinelos para a praia ou as laranjas no supermercado, é encarado como um ato de vontade própria. Da mesma forma que navegar no Facebook, Instagram ou TikTok, opinar num tweet ou fazer like num post, é visto como expressão autêntica de voz e vontade. Afinal, somos nós a decidir o que comprar e a forma como intervimos nas redes, não é? Ninguém nos obriga. Logo, sou livre. É uma lógica sedutora: a opção de escolha significa liberdade.
No consumo, a sensação de autonomia é cuidadosamente alimentada. Há sempre mil versões de um produto para “escolhermos livremente”. No entanto, por detrás dessa fartura de ofertas está um sofisticado sistema de influência. Publicidade e marketing operam silenciosamente nos bastidores do desejo, tudo afinado para guiar as nossas preferências. O consumidor vangloria-se da sua liberdade de escolha, mas raramente questiona quão livre foi a escolha do que iria gostar.
Já nas redes sociais, a ilusão de liberdade manifesta-se na ideia de que ter voz online é igual a ter impacto na sociedade. Cada post inflamado no Facebook, cada hashtag no X, cada foto no Instagram, dá-nos a impressão de participação na sociedade. De certo modo, as redes tornaram-se a “praça pública” moderna, levando muitos a crer que comentar é equivalente a agir, ou que se informar pelo feed substitui o conhecimento jornalístico mais profundo. Mas também aqui há algemas que condicionam a liberdade. Os feeds são regulados por algoritmos opacos que decidem o que vemos, servindo doses viciantes de conteúdo que nos agrada ou indigna para nos manter presos infinitamente. Notícias falsas e clickbait proliferam e moldam opiniões antes que o pensamento crítico consiga intervir. Sentimo-nos livres ao expressar-nos nas redes, mas não percebemos plenamente como estamos a jogar num tabuleiro cujo desenho não controlamos, desenhado para maximizar o nosso vício, não a nossa emancipação.
Essas formas modernas de “liberdade”, comprar e participar nas redes sociais, dão-nos satisfação imediata e a sensação de dever cumprido. Consumindo, sentimos que escolhemos o nosso estilo de vida; publicando e interagindo, sentimos que fizemos ouvir a nossa opinião. Ambas as coisas nos fazem acreditar que estamos a participar na sociedade à nossa maneira, cumprindo o nosso papel. E, até certo ponto, é compreensível: são atividades acessíveis a quase todos, sem a complexidade dos processos políticos. É muito mais fácil ver uma dança no Tik Tok do que entender um Orçamento de Estado, é mais divertido fazer uma aposta online do que acompanhar assembleias municipais. A liberdade tornou-se conveniência e entretenimento.
No entanto, há um preço alto a pagar por estas liberdades superficiais. Demagogos e desinformadores manipulam o ecossistema das redes. Empresários sem alma abusam das pessoas, tornadas consumidoras incautas. Forças populistas e extremistas aproveitam-se do desinteresse cívico para normalizarem propostas absurdas que são discutidas com leveza, a mesma que é exigida no consumo ou nas plataformas digitais.
Mas a liberdade real não é leve, não é confortável. Exige esforço, consciência e, muitas vezes, contrariedade. Supõe questionar por que queremos o que queremos, quem influencia as nossas escolhas e como podemos ter voz para lá do marketing ou dos algoritmos. Significa relembrar que ser cidadão vai além de ser consumidor ou utilizador: implica participar, votar, associar-se, dialogar com outros, especialmente aqueles com quem discordamos.