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No centenário do Carnaval de Torres Vedras, os foliões voltaram a governar a cidade

Foram contabilizadas cerca de 52 mil pessoas apenas no último corso da centésima edição do Carnaval de Torres Vedras, que, de 17 a 22 de fevereiro, marcou o retorno da folia após a pandemia. O Gerador acompanhou a produção da festa, reuniu informações sobre a longa programação especial dos 100 anos e ouviu, dos foliões, a fórmula para um século de tradição.

Texto de Analú Bailosa

Fotografia de Guilherme Costa

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Uma queixa apresentada contra um grupo de jovens que, no século XVI, “corriam o galo” no dia do feriado está nas origens do Carnaval de Torres Vedras, segundo consta no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, do qual o festejo faz parte desde 2022. Foi apenas em 1923, no entanto, que teve origem o seu formato atual, conhecido pelos reis, matrafonas e carros alegóricos que desfilam pelas ruas.

A festa, inicialmente promovida por uma comissão popular, foi organizada pela autarquia durante 15 anos e, em 2000, passou a ser uma responsabilidade da empresa municipal Promotorres. Em colaboração com as seis associações carnavalescas existentes na comunidade – Ministros e Matrafonas; Real Confraria do Carnaval de Torres; Lúmbias Grupo Carnavalesco; As Marias Cachuchas; Fidalgos do Carnaval de Torres Vedras; e SacÁdegas –, mantém-se, por 100 anos, a tradição de uma comemoração que conjuga traços rurais, como o enterro do Entrudo, e urbanos, como as figuras centrais da realeza, importadas de modelos franceses e italianos.

Rui Penetra, presidente da Promotorres, explica que a preparação para uma nova edição leva entre dez e onze meses e começa com a avaliação do evento que acabou de terminar. Elemento presente desde o final da década de 1980, o tema anual é selecionado através de uma consulta “altamente democrática e participativa”, diz-nos o representante da entidade, a partir das sugestões dos foliões nas redes sociais. O Mundo da Televisão (2014), Reciclagem (2013) e Banda Desenhada (2008) já foram algumas das temáticas abordadas.

Os cabeçudos (ao fundo) integram a festa desde a década de 1930. Trinta anos depois, passaram a ser acompanhados pelos zés-pereiras, grupos tradicionais de bombos. Fotografia de Guilherme Costa.

Este ano, o centenário foi o mote do concurso público que define as construções dos seis carros alegóricos que integram os corsos. Além do tema central, as obras referem-se à política local, nacional, internacional, ao desporto e a um assunto livre, cujo vencedor mais recente foi Money-Alterações Climáticas.

A criação do monumento, tradição iniciada em 1999 e designada como o “lançamento da primeira pedra” para o Carnaval, também parte de um concurso centrado na temática anual. Em entrevista publicada anteriormente no Gerador, a presidente da Câmara Municipal, Laura Rodrigues, definiu a composição de 2023 como grandiosa e cheia e ressaltou a evocação às personagens envolvidas na produção dos festejos durante o último século.

O valor dos rituais e da liberdade
Fotografia de Guilherme Costa

A sátira política é igualmente uma característica marcante da celebração do Entrudo torriense e, de acordo com a autarca, configura a base para a sua realização. O Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial regista que, antes mesmo de haver um grupo informal que as organizassem, as festividades de rua tiveram grande expressividade nos anos de 1908 e 1912, estando documentadas paródias aos franquistas e às tropas de Paiva Couceiro, líder da contrarrevolução monárquica que sucedeu à proclamação da República.

A ideia de monarquia segue até hoje como inspiração para a ironia, dada a relevância da figura dos reis, interpretados por dois homens da comunidade. Ainda como príncipes, as personagens chegam à cidade na sexta-feira de Carnaval para a sua entronização e, depois de uma leitura cénica em que se confere a sua legitimidade real, recebem a chave da cidade para governar a folia até a Quarta-Feira de Cinzas.

Presidente da direção da Real Confraria do Carnaval de Torres, coorganizadora deste momento de abertura, Alfredo Reis garante-nos a parceria com as restantes associações carnavalescas no desenho das encenações e na seleção dos reis, realizadas por meio de uma votação sempre que é preciso um novo reinado.

“Mima”, alcunha do chanceler da Confraria, também cumpriu o papel de rainha entre 1987 e 2006. Apesar de afirmar que desempenhar a personagem “parece mais fácil do que é” dada a grande exigência em termos de horários e de disponibilidade na preparação para as comemorações, o representante sublinha, orgulhoso em fazer parte da tradição, que “o cansaço desaparece quando se gosta das coisas”. Devido à ocasião dos 100 anos, os antigos reis da história do Carnaval de Torres Vedras juntaram-se ao atual rei, Fernando Martins, e rainha, Ricardo Rodrigues, no carro alegórico do tema anual.

Alfredo Reis, o "Mima", chanceler da Real Confraria do Carnaval de Torres, representou a rainha entre 1987 e 2006. Fotografia de Guilherme Costa.

A matrafona, um homem que usa trajes e acessórios femininos – sem, necessariamente, a intenção de parecer uma mulher – , é talvez o mais forte traço identitário do festejo torriense. A sua origem está, conforme o Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, relacionada com as dificuldades económicas dos homens do campo, que, sem condições de comprar uma máscara, vestiam-se com as roupas das suas esposas ou mães. Refere-se inclusive que a figura era uma forma de ridicularizar o facto de as mulheres não poderem brincar ao Carnaval no início do século XX.

Se esta era uma realidade nos primeiros anos da celebração do Entrudo local e existem associações exclusivamente masculinas por esta razão, a história mais recente da festividade já inclui, desde 2011, um grupo fundado por mulheres – As Marias Cachuchas. Paula Pires, uma das três fundadoras, reconhece, ao Gerador, que o surgimento do coletivo pode ter dado alguma voz ao género feminino no contexto carnavalesco, mas recusa qualquer problemática ligada ao papel da matrafona, defendendo que a personagem representa o valor da liberdade.

Da mesma forma, Alfredo Reis conta-nos que o principal compromisso da Confraria é com a defesa dos tradicionalismos locais. “Não sabemos quem é que ganha as eleições. Se algum iluminado, de repente, chegar aqui e sugerir que [os reis] sejam um homem e uma mulher, a Confraria está cá para não deixar que isso aconteça”, assegura.

Fotografia de Guilherme Costa
Um ponto de encontro de gerações e culturas

Para Torres Vedras, manter a tradição não é uma ideia oposta à inovação e inclusão. Enquanto as novas gerações de foliões vão, desde cedo, ganhando o gosto pelos diversos rituais através do Corso Escolar – que, este ano, envolveu sete mil crianças e mil professores e auxiliares de educação, segundo dados da Promotorres –, a organização mostra-se a par das tendências atuais, como no âmbito da sustentabilidade ambiental.

Reconhecendo o alto número de resíduos gerado durante os seis dias de festejos, o Carnaval de Torres está inserido, desde 2017, na Eco Evento Valorsul, uma iniciativa que “proporciona formação e apoio para a gestão adequada de resíduos, disponibilizando uma contrapartida financeira calculada em função do desempenho ambiental do evento”, lê-se no site do programa. De acordo com Rui Penetra, a edição de 2023 ficou marcada, nesse sentido, pela implementação massificada do copo reutilizável, com a produção e circulação de noventa mil unidades. “Isso é uma aposta ganha, porque os resíduos que vemos no chão ao final da noite e no início da manhã, apesar de continuar a serem muitos, reduziram consideravelmente”, afirma o presidente da empresa municipal.

Relativamente à programação, em 1995 foi introduzido o Carnaval de Verão em Santa Cruz, que, desde então, reúne os diversos Carnavais de Portugal e os seus respetivos costumes. Cinco anos depois, surge o Tó’Candar, carro de grande dimensão que leva músicos no seu topo para percorrer as ruas com o público – um símbolo da influência cultural brasileira.

Fotografia de Guilherme Costa

A comemoração do centenário foi igualmente uma razão para implementar novidades. Até ao dia 14 de fevereiro de 2024, dia de encerramento da próxima edição do evento, serão promovidas, pela Câmara Municipal, atividades que incluem propostas sugeridas e votadas pela comunidade local. “Vamos ter experiências que emanam do Carnaval, quer sejam projetos ligados à dança, quer sejam ao teatro, às próprias escolas, à rádio, etc. Há uma variabilidade grande, que cruza a inovação e a modernidade com a tradição, para ir fazendo esta progressão e atualização”, explicou-nos a autarca Laura Rodrigues na sua entrevista. Também como forma de celebrar a efeméride, os CTT lançaram uma carteira de quatro selos personalizados alusivos à festa.

A boa disposição dos torrienses não deixa espaço para dúvidas: a essência do seu Carnaval está na sua gente, desejosa por mais 100 anos de história.

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