É impossível ignorar os sinais destes tempos. Algo de profundo está a mudar na paisagem emocional do mundo ocidental: espasmos que julgávamos ultrapassados, de intolerância, de autoritarismo, de negação do conhecimento, voltam a ganhar eco e adeptos, galvanizando movimentos que chegam aos parlamentos e governos. A extrema-direita e populista transformou-se numa realidade palpável em vários países, seduzindo eleitores com promessas simplistas e retóricas inflamadas. Assistimos a um crescimento global de líderes e partidos dispostos a reverter conquistas democráticas básicas em nome de um pretenso regresso a uma ordem do passado.
Muitos desses projetos políticos trazem consigo ataques diretos à cultura, à educação e à informação e à ciência, precisamente os pilares de uma sociedade livre e crítica. Quando chegam ao poder não tardam em reinventar bibliotecas, escolas, jornais, museus e academias. A cultura é desprezada como luxo dispensável ou acusada de disseminar “ideologias perigosas”; a educação é apontada como uma fábrica de “doutrinação” em vez de um instrumento de cidadania; a informação independente é difamada como “inimiga do povo”. A ciência passa a ser uma “ameaça à liberdade individual”. Distorcer o passado e moldar a verdade ao sabor do momento tornou-se, igualmente, uma arma política. Instrumentaliza-se a memória coletiva, promovendo narrativas distorcidas que alimentam o ódio e a polarização.
Os exemplos multiplicam-se. Houve governos que extinguiram ministérios da Cultura sob o pretexto da austeridade, como na Argentina. Nos Estados Unidos, em pleno século XXI, milhares de livros já foram banidos de escolas por razões ideológicas, numa vaga de censura que julgávamos enterrada no passado.
Soa paradoxal, mas os avanços do extremismo alimentam-se também de vazios e fragilidades que nós próprios permitimos crescer. Durante décadas exaltámos o individualismo e deixámos esmorecer muitos laços comunitários. Organizações coletivas outrora influentes, como sindicatos, associações ou colectividades, perderam força e espaço, enquanto a sociedade passou a venerar o “cada um por si”. Acredita-se na falácia de que a soma das ambições pessoais de cada um basta para termos sociedades felizes.
Enquanto isso, as redes sociais trouxeram ao debate público uma horizontalidade agressiva que coloca a opinião de um leigo ao nível da de um especialista, e dá igual palco a perfis anónimos e a fontes credíveis. Assim, boatos e teorias da conspiração espalham-se com a mesma facilidade que os factos, numa inundação de desinformação que tem sido terreno fértil para os demagogos. Não admira que, neste cenário, as campanhas populistas de manipulação e medo encontrem campo aberto. Pouco a pouco vão conquistando espaço nos media, influência no mundo empresarial e até contaminando setores políticos antes moderados. Criam-se as condições para que muitos acreditem em “verdades alternativas”, alimentadas por insatisfações legítimas mas também por medos inventados, prontos a abalar os alicerces do sistema.
Perante este panorama, organizações como o Gerador enfrentam uma encruzilhada. A nossa missão original de promover a cultura, a informação e a educação mantém-se, mas já não basta. Essa mudança de postura implica adaptarmos a nossa forma de atuar. Se até aqui o Gerador podia cumprir a sua missão principalmente como plataforma de criação e reflexão, agora precisamos de o fazer também como espaço de mobilização e união.
Precisamos envolver os mais jovens, dar mais palco a perspetivas diversas, procurar novos parceiros para além das nossas fronteiras, trazer o pensamento crítico para o centro do que fazemos, fazer um jornalismo mais próximo, mas capaz de abordar os desafios transnacionais. Só assim conseguiremos revitalizar os laços coletivos e contrapor uma narrativa de esperança à narrativa de medo.
Em breve trazemos novidades.