À semelhança do que vem sendo prática em anos anteriores, em setembro de 2022, durante o seu discurso do Estado da União, a Presidente da Comissão Europeia anunciou que 2023 seria o Ano Europeu das Competências. Este anúncio, que ocorre sem qualquer aviso prévio ou sem qualquer negociação interinstitucional, precipita o início de um processo legislativo que tem como base uma proposta da Comissão Europeia, seguindo-se depois a apreciação do Parlamento e termina com as negociações interinstitucionais entre Parlamento, Comissão e Conselho.
Mesmo que o processo seja um pouco menos complexo do que aparenta, é certamente moroso. Na verdade, uma das principais consequências dos anúncios inusitados dos «Anos Europeus» passados, precisamente por acontecerem sem aviso prévio ou sem qualquer concertação interinstitucional, é a incapacidade que os respetivos organismos têm em dar resposta às necessidades e expectativas criadas por cada um destes anúncios. Veja-se o que sucedeu com o Ano Europeu da Juventude, em 2022, com várias associações nacionais e europeias do setor da juventude a lamentarem a forma como não foram envolvidas no processo de auscultação, ou na oportunidade de participarem mais ativamente nas iniciativas desenvolvidas ao longo do Ano. O mesmo se verifica relativamente ao conhecimento que a maior parte dos cidadãos europeus tem sobre o Ano Europeu da Juventude e a forma como podem contribuir para o seu aprofundamento ou para poderem ser parte das suas atividades ou programas.
Assim, perante o referido anúncio de setembro passado, o Parlamento Europeu decidiu adotar a posição de que os Anos Europeus deveriam ter início apenas a 9 de maio, dia da Europa. Mais do que um ato simbólico, esta medida permitiria a todas as instituições, incluindo a Comissão Europeia, realizar uma planificação e um processo de audição de parceiros relevantes atempados, garantindo maior inclusão nos atores envolvidos, mas também uma mais ampla difusão das iniciativas planeadas.
Vejamos o caso do Ano Europeu de 2023, dedicado às competências e à proposta preliminar apresentada pela Comissão Europeia. O que ressalta da leitura desta primeira proposta é que a visão da Comissão sobre as competências está totalmente orientada para as necessidades do mercado. Há um forte enfoque na necessidade de adaptar as competências e capacidades dos trabalhadores àquilo que são as necessidades económicas do mercado, de modo a suprir as lacunas existentes em alguns setores profissionais num determinado momento, bem como a necessidade de atrair trabalhadores especializados de países terceiros para o mesmo efeito. Esta visão de tratar, ainda mais, os trabalhadores como bens transacionáveis, maleáveis e adaptáveis às necessidades ditadas a cada momento pela oferta e procura, é uma visão que não está adaptada à ideia que se tem vindo a construir sobre o que é o mundo do trabalho no século XXI, ignorando por completo ideias como o decrescimento económico ou o pós-trabalho.
Acresce a tudo isto o facto de que, em nenhuma circunstância, as competências individuais em que cada um decide investir devem ser ditadas exclusivamente pelas necessidades do mercado. Nem tão pouco deve ser o mercado a ditar o valor individual que cada pessoa tem para a sociedade.
Nesse sentido, enquanto relator sombra no Parlamento Europeu para o Ano Europeu das Competências, as propostas de alteração que procurei introduzir foram no sentido de alargar o âmbito da proposta da Comissão e garantir que são promovidas e financiadas iniciativas que incidam sobre a educação e formação ao longo da vida, que se incluam iniciativas de ensino informal e não formal, e que se dê destaque a competências relacionadas com a cidadania e a participação cívica. Estas não são propostas de alteração meramente cosméticas, nem tão pouco creio que se possam considerar utópicas. São alterações que promovem, a meu ver, uma mudança de paradigma sobre o mundo do trabalho. Não se trata de ignorar o facto de que há áreas em que há uma maior necessidade de trabalhadores ou impedir que se criem estratégias para suprir essas necessidades. Ao invés disso, trata-se de garantir que não investimos apenas na formação de trabalhadores adaptados às necessidades do mercado, mas que investimos na formação das cidadãs e dos cidadãos de amanhã. Suprirmos as necessidades do mercado e dar oferta à procura, sem darmos instrumentos de participação cívica, significaria salvar a economia e perdermos a democracia. Que assim não seja, a bem de ambas.
- Sobre o João Duarte Albuquerque -
Barreirense de crescimento, 35 anos, teve um daqueles episódios que mudam uma vida há pouco mais de um ano, de seu nome Manuel. Formado na área da Ciência Política, História e das Relações Internacionais, ao longo dos últimos quinze anos, teve o privilégio de viver, estudar e trabalhar por Florença, Helsínquia e Bruxelas. Foi presidente dos Jovens Socialistas Europeus e é, atualmente, deputado ao Parlamento Europeu.