fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de João Teixeira Lopes

O estafeta no asfalto

Nas Gargantas Soltas de hoje, João Teixeira Lopes fala-nos sobre o capitalismo de plataforma.

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Ao regressar a casa deparo-me com um grande borborinho na rua. Carros parados, vozearia, aflição. Um estafeta da Uber jazia no chão, a mota tombada a uma curta distância de um automóvel. O homem quedava-se imóvel, com o capacete ainda na cabeça. Junto a mim ouço quem critique o sucedido pela falta de cuidados de condução dos estafetas: «São uns loucos, não respeitam nenhum sinal, andam a mil!».  Lembrei-me logo do que em tempos se dizia, apressadamente, dos trabalhadores da construção civil, tão “propícios” a acidentes de trabalho.

O que então o senso comum não referia é que esses trabalhadores tinham horários de trabalho de Sol a Sol, dados os picos de procura no setor da construção, com apertadas exigências de prazo. Ou a proliferação de trabalho informal e clandestino, através de uma cadeia de subcontratações. Ou a ausência da inspeção de trabalho. Ou, ainda, uma cultura de masculinidade que negligenciava a precaução por a considerar sinal de falta de força e coragem. Nesse contexto, os acidentes naturalizavam-se como normais ou até inevitáveis.

Os estafetas também trabalham em horários diabólicos. De tão mal pagos veem-se obrigados a acelerar a sua prestação. Não têm seguros ou qualquer outro tipo de proteção, dada a ficção de serem considerados trabalhadores por conta própria, supostamente autónomos na gestão flexível do seu modo de trabalhar. Na verdade, são escravizados por um algoritmo que os obriga a carregar no acelerador de maneira que recebam mais trabalho do que os colegas. Imigrantes, na sua esmagadora maioria, sonham em acumular um pequeno pecúlio que possam transferir para a família na origem. E vivem no sonho de, após uns anos de exploração brutal, voltarem aos seus países para um recomeço com algum suporte. 

O capitalismo de plataforma é o capitalismo numa das suas mais rudes metamorfoses. Ninguém representa estes trabalhadores: não têm cooperativas, comissões de trabalhadores ou sindicatos. Contudo, os mais politizados têm organizado pequenas manifestações contra as suas degradantes condições de trabalho.

No asfalto, o estafeta não se levantava. Mas logo pararam três, quatro, cinco motocicletas. Os colegas dele se abeiraram, transmitindo-lhe confiança. E ele sorriu, apesar da dor.

-Sobre João Teixeira Lopes-

Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997). É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto, Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a  29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

Texto de João Teixeira Lopes
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

7 Maio 2025

Chimamanda p’ra branco ver…mas não ler! 

23 Abril 2025

É por isto que dançamos

16 Abril 2025

Quem define o que é terrorismo?

9 Abril 2025

Defesa, Europa e Autonomia

2 Abril 2025

As coisas que temos de voltar a fazer

19 Março 2025

A preguiça de sermos “todos iguais”

12 Março 2025

Fantasmas, violências e ruínas coloniais

19 Fevereiro 2025

No meu carro encostada à parede

12 Fevereiro 2025

Sara Bichão

5 Fevereiro 2025

O inimigo que vem de dentro

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

3 MARÇO 2025

Onde a mina rasga a montanha

Há sete anos, ao mesmo tempo que se tornava Património Agrícola Mundial, pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), o Barroso viu-se no epicentro da corrida europeia pelo lítio, considerado um metal precioso no movimento de descarbonização das sociedades contemporâneas. “Onde a mina rasga a montanha” é uma investigação em 3 partes dedicada à problemática da exploração de lítio em Covas do Barroso.

20 JANEIRO 2025

A letra L da comunidade LGBTQIAP+: os desafios da visibilidade lésbica em Portugal

Para as lésbicas em Portugal, a sua visibilidade é um ato de resistência e de normalização das suas identidades. Contudo, o significado da palavra “lésbica” mudou nos últimos anos e continua a transformar-se.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0