Reivindicada há muitos pelos profissionais da cultura, a meta de dedicar 1 % do Orçamento do Estado a esse setor volta a não encontrar reflexo na proposta que foi entregue pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, no Parlamento para 2023. Ainda assim, a despesa consolidada prevista para a cultura, excluindo a dotação para a RTP, subirá mais de 38 %. Isso num ano em que se estima que também a receita deverá ter um crescimento considerável. E, entre as várias medidas pensadas pelo Governo para este setor, estão apoios sustentados da Direção-Geral de Artes, o reforço das ajudas ao cinema, a criação de um novo museu e até a reorganização da Direção-Geral do Património Cultural.
Mas vamos por partes. Começando pelos números, o programa orçamental da cultura preparado para 2023 conta com uma dotação de despesa total consolidada de 760,3 milhões de euros, o que fica acima em 58,2 % da estimativa prevista para o ano de 2022, indica o executivo de António Costa, no relatório que foi apresentado a 10 de outubro na Assembleia da República.
Já se excluirmos a dotação da RTP, a despesa total consolidada deste setor ronda os 504 milhões de euros. Ora, na proposta de Orçamento do Estado para este ano, o Governo tinha apontado para uma despesa de 365,4 milhões de euros, o que significa que, no próximo ano, haverá um salto de 38 % desse valor.
Do lado das receitas, o próximo ano também será sinónimo de uma evolução positiva: mais 33,7 % face à estimativa de 2022, atingindo os 760,3 milhões de euros. “A dotação de receitas de impostos atribuída ao orçamento do Programa Cultura evidencia, em 2023, um crescimento de 9,8 % comparativamente ao Orçamento para 2022, excluindo a RTP”, salienta o Governo.
Mesmo neste cenário, continua, contudo, por cumprir a meta reivindicada pelos profissionais de dar 1% do Orçamento do Estado à cultura. No próximo ano, esse setor deverá ficar com somente 0,28% da despesa total consolidada da Administração Central. Mais, da dotação prevista, a maioria das verbas (cerca de 75 %) será dirigida para os gastos correntes, como as despesas com pessoal, aquisição de serviços ou juros. As críticas das associações já se fazem ouvir, mas, antes, é preciso perceber, afinal, o que preparou o Governo, em concreto, para o setor cultural.
Um novo museu, mais apoios e a DGPC reorganizada
No relatório entregue por Fernando Medina no Parlamento, estão em destaque quase 20 medidas para a cultura, estando entre estas a criação de um novo museu, a partir do Centro Cultural de Belém. Em causa está um espaço que servirá para o “estudo e apresentação de coleções de arte contemporânea de matriz internacional, em diálogo com outros museus de arte contemporânea, coleções e artistas nacionais”. Desta forma, o Governo espera contribuir para a projeção nacional e internacional dos artistas portugueses e para o “conhecimento e fruição públicos de grandes coleções de arte contemporânea e moderna”.
Por outro lado, o executivo de António Costa compromete-se com um reforço do Instituto do Cinema e Audiovisual, o que “permitirá aumentar os apoios à criação, produção, distribuição e exibição na área do cinema e audiovisual, bem como reforçar a educação fílmica”. E por falar em apoios, o próximo ano deverá ser o primeiro de um novo ciclo de apoio sustentado da Direção-Geral das Artes. “O programa de apoio sustentado dirige-se a estruturas profissionais com atividade continuada, visando a sua estabilidade e consolidação”, é detalhado na proposta de Orçamento do Estado.
O ano de 2023 será ainda sinónimo de uma reorganização da Direção-Geral do Património Cultural, com vista a “melhorar as condições de fruição pública das coleções e do património cultural”. Tal implicará nomeadamente uma revisão dos modelos de gestão. E terá lugar a consolidação da rede portuguesa de museus, com a “promoção transversal dos padrões de qualidade que esta preconiza”.
Por outro lado, com vista a modernizar a cultura, o Governo quer rever o estatuto do mecenato – de modo a promover a participação do tecido social e empresarial no apoio à criação artística e na concretização dos programas dos museus –, mas também avançar com a digitalização do património fílmico português.
OE2023 não agrada associações do setor cultural
Desde que deu entrada no Parlamento, a proposta de Orçamento do Estado para 2023 já deu azo a várias críticas por parte das associações que representam o setor da cultura.
É o caso da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), cujo presidente já disse ter ficado preocupado com a ausência de qualquer menção ao livro ou à promoção da leitura no documento apresentado por Fernando Medina. “Não há uma menção a medidas que possam promover e ajudar os índices de leitura, e isso deixa-nos muito preocupados”, sublinhou Pedro Sobral, em declarações à Lusa.
Na dança, as associações mostram-se expectantes, mas cautelosas, com a Associação de Artistas Visuais em Portugal (AAVP) a notar que aumentam os apoios, mas também subiram os custos para os artistas desenvolverem o seu trabalho, fruto da escalada dos preços, que foi agravada pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
Já Amarílis Felizes, da associação Plateia, deixou uma aviso diferente: o Governo tem sido incapaz de executar os orçamentos, referindo-se à diferença entre o montante previsto para 2022 e a estimativa que o Governo tem agora para este ano.
A proposta de Orçamento do Estado para 2023 foi aprovada, na generalidade, na semana passada, passando agora à especialidade, fase na qual os vários partidos vão poder apresentar propostas de alteração. Seguir-se-á depois a discussão e votação dessas medidas, culminando com a votação final do plano orçamental, no final de novembro.