Mafalda e Ricardo escolheram a ilha de São Miguel, nos Açores, para mudarem de vida. Corria o ano de 2014, quando decidiram trocar o continente por esse destino, onde haveriam de construir a sua tiny house sobre rodas, uma “pequena grande casa”, nas palavras dos próprios, feita com madeira e completamente desligada da rede de eletricidade e de abastecimento de água. Mas o conceito de tiny house nem nasceu com esta produtora cultural e com este carpinteiro, nem nessa ilha açoriana: antes, tem raízes profundas, mas tornou-se mais popular nos anos recentes, como movimento arquitetónico e social a favor do minimalismo e de uma vida mais simples, além de ser uma forma mais económica de encontrar uma habitação condigna, numa altura em que os preços dos imóveis têm atingido máximos. Em Portugal, já há vários reflexos desse movimento, como a casa de Mafalda e Ricardo, e as construtoras CASAGAEA e Tiny House Portugal.
No caso deste casal que hoje passa os seus dias por terras açorianas, o terreno que compraram não permitia a construção de uma habitação, pelo que a tiny house sobre rodas acabou por ser a solução escolhida. Aliás, dois anos após chegarem a São Miguel, Mafalda e Ricardo tinham conhecido, contam, um casal de suecos, que tinha construído em madeira uma dessas pequenas casas numa carrinha de caixa aberta. “Como já trabalhava com madeira, fiquei surpreendido”, confessa Ricardo. Poucos meses depois desse encontro, começariam, então, a construção da sua própria tiny house, para a qual se mudaram em 2018. “É uma pequena grande casa. Temos em 45 metros quadrados dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho”, descreve o carpinteiro.
A tiny house deste casal tem, além disso, revelam os mesmos, a particularidade de não estar ligada nem à rede de eletricidade, nem à rede de abastecimento de água, nem às fossas, o que lhes facilitou também os processos burocráticos, já que, deste modo, não precisam de uma série de licenças, indicam. Esta casa é, portanto, alimentada a energia solar e com recurso à captação de chuva, sendo, assim, uma tiny house off the grid, à semelhança do exemplo que Ricardo e Mafalda encontraram no Arizona, nos Estados Unidos.
Importa notar que esta pequena casa foi construída pelas mãos dos próprios donos, “com vários amigos a ajudar”, mas já há em Portugal também construtoras que fabricam estas habitações.
É o caso da CASAGAEA. Depois de ter ficado hospedado numa tiny house nos Estados Unidos, Tiago Cavalcanti ficou interessado em “realizar sonhos de pessoas que queriam aproximar-se da natureza e ter um estilo de vida mais saudável, simples, sem abrir mão do conforto”. E, assim, surgiu esta empresa sedeada em Braga. “Tive a oportunidade de apresentar o projeto a pessoas locais, o arquiteto Victor Schneider e o construtor Antonino Araujo logo viram o potencial do projeto e juntos formamos a CASAGAEA”, explica Tiago.


De acordo com o responsável, os projeto iniciam-se com o preenchimento de um questionário pelo cliente e, em seguida, o arquiteto Victor Schneider desenvolve um estudo preliminar que dá origem à proposta inicial de como poderá ser construída a tiny house: “o design, as plantas, o material utilizado, o orçamento”. Após a aprovação desse estudo, segue-se o projeto de execução e arranca a construção da casa. “Esse processo leva, em média, dez a 12 semanas até entregarmos as chaves ao cliente”, avança Tiago Cavalcanti, que salienta que estas casas custam entre 35 mil euros e 45 mil euros. “Os valores dependem das opções escolhidas”, nomeadamente em termos de tamanho e acabamentos, diz.
“Existe uma escassez de moradias tradicionais, resultando numa tendência de aumento nos preços dos imóveis. O sonho de ter um imóvel tem ficado mais difícil de realizar e a procura por tiny houses como uma opção mais económica tem crescido”, garante o responsável, que aponta ainda como vantagens desta solução habitacional o facto de poderem ser rebocadas livremente em vias públicas para diferentes sítios. “Portugal é um país com um espaço territorial pequeno, mas com uma riqueza espetacular na diversidade geográfica e cultural. As tiny houses atraem pela oportunidade mais económica e sustentável de termos um cantinho especial no interior do país”, acrescenta Tiago Cavalcanti.
Outra empresa que constrói hoje casas nestes moldes é a Tiny House Portugal. Segundo o que descreve uma fonte oficial, primeiro, renovaram algumas habitações rurais no centro do país, mas tiveram dificuldade em vendê-las, pelo que decidiram construir casas pequenas sobre rodas, que podem ser transportadas (e vendidas) a clientes em qualquer ponto de Portugal. “Percebemos que podemos construir as casas numa área mais remota e vendê-las a clientes em qualquer ponto do país. Além disso, construímos as casas numa oficina e, portanto, já não estamos dependentes das condições meteorológicas”, conta a mesma fonte.


No caso desta empresa, o custo de uma tiny house ronda os 40 mil euros, ainda que varie em função dos materiais escolhidos. “Não são caras. Os jovens têm acesso a estas pequenas casas. Podem ser independentes e viver de forma sustentável, ecológica e acolhedora.” Para esta empresa, o maior entrave ao movimento das tiny houses em Portugal é, contudo, a legislação, posição de que partilham os responsáveis da CASAGAEA. “Ainda não existe uma legislação bem definida sobre o enquadramento das tiny houses. Isso acontece não só em Portugal como em toda a Europa. Essa falta de definição dificulta o acesso a opções de financiamento habitacional”, realça Tiago Cavalcanti, que detalha que, neste momento, essas casas são vistas como autocaravanas, mas seria importante ajustar o enquadramento jurídico.
“É preciso tornar a legislação mais simples e clara. Mas há sempre o mesmo problema em Portugal: a resposta de que é complicado”, defende, por sua vez, fonte oficial da Tiny House Portugal, que entende que ter habitações “saudáveis, confortáveis e com um preço razoável deveria ser uma prioridade”.
Carolina Marques, arquiteta e gestora da Lusitiny, que nasceu em 2016 com a construção da “primeira tiny house portuguesa”, também defende que é preciso, sobretudo, adaptar a legislação, para que este movimento possa crescer por cá. “O interesse está lá. Mas as pessoas, por vezes, receiam investir num problema”, declara. “A tiny house entra na categoria de alojamento alternativo. É uma expressão recente e a lei ainda não teve tempo de se adaptar. Quanto mais tiny houses forem construídas e instaladas, mais pressão haverá para criar um enquadramento legal para estas formas alternativas. A experiência mostra-nos que se existe procura, a lei terá que acompanhar”, antecipa.
De acordo com esta arquiteta, as pessoas que hoje escolhem viver numa tiny house “identificam-se com um estilo de vida simples e sóbrio”, sacrificando “o materialismo em prol da experiência”. “Acreditam que os bens materiais em excesso são travões para uma vida verdadeiramente realizada”, conta.
Foi com estas vantagens em mente que Susana (nome fictício a pedido da própria) decidiu encomendar uma tiny house à qual quer chamar de casa num futuro próximo. Aos 40 anos, esta cuidadora tinha já visto um documentário sobre o movimento nos Estados Unidos e ficou fascinada. “Sempre vivi em apartamentos em zonas urbanas, mas desde criança que sentia o desejo de viver no campo. Quando, no início deste ano, um projeto pessoal falhou, ganhei a coragem de que precisava. Vendi o meu apartamento e comecei a contactar empresas que fabricam tiny houses em Portugal. A par disso, comecei também a procurar locais para estacionar a tiny houses”, recorda.
Diligências feitas, Susana conta viver em breve com o seu cão numa zona “claramente de campo”, em Sintra, a poucos quilómetros do mar. Vai estacionar num terreno da sua família e aproveitar para ter uma experiência "completamente diferente” daquela a que está habituada.