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Pergunta da Sorte com João Barradas

João Barradas, acordeonista, é um dos músicos com maior destaque no acordeão jazz. Navegando entre…

Texto de Andreia Monteiro

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João Barradas, acordeonista, é um dos músicos com maior destaque no acordeão jazz. Navegando entre a música clássica, o jazz e a música improvisada já venceu alguns dos mais prestigiados concursos internacionais. Começa a estudar acordeão com 6 anos e aos 9 anos entra no Conservatório Nacional, de onde sai formado com a nota máxima de 20 valores. Por aí anda já o seu primeiro álbum, Directions, e um projeto muito especial, que é provável que já tenham ouvido falar, os Home.


Encontro-me com o João Barradas à entrada dos jardins da Gulbenkian, onde este me recebe com um sorriso e com a satisfação de ter conseguido chegar à hora marcada. Decidimos que o melhor é irmos à procura de um banco onde nos possamos sentar para começarmos o jogo. Pelo caminho vamos falando e eis que somos surpreendidos por dois ursos coloridos criados pela mão de Bordalo II. Um pouco mais à frente vemos um largo dentro do jardim com uns bancos que nos pareceram ser os indicados para esta Pergunta da Sorte. Por entre gargalhadas explico as regras do jogo. Depois de estar tudo percebido e de o João me confessar que está um pouco nervoso e a desejar não calhar nas casas verdes, lança o dado, que nos manda avançar 4 casas indo parar precisamente à casa do Sê Criativo, a casa que lança um desafio que o convidado tem de resolver de forma criativa. Começamos em beleza com o João a virar a carta que revela a primeira pergunta, numa das casas mais temidas e desafiantes deste jogo.

João Barradas (JB): Opah, incrível! Isto está viciado, claramente (risos).

Sê Criativo: Muahahahah Hora do desafio!!!

Andreia Monteiro (AM): É verdade! Parece que é a minha altura de escolher o teu desafio.

JB: Tens de ser simpática, que é a primeira!

AM: Tenho aqui uma coisa preparada para ti. Tens ouvido absoluto, não é?

JB: Pois, dizem que sim!

AM: Posso testar?

JB: Certo.

AM: Eu tenho aqui um teclado no telemóvel para testarmos isso. O teu ouvido absoluto permite-te distinguir oitavas também?

JB: Sim, sim. O que é o ouvido absoluto? O ouvido absoluto é memória. Não tem nada extra-humano. Ou seja, o que acontece é, eu não sei precisar qual dos hemisférios do cérebro, mas uma pessoa dita normal, ou sem ouvido absoluto, funciona com a sua linguagem a partir do lado direito do cérebro. Quem tem ouvido absoluto trabalha com o esquerdo e é só isso. Se eu disser para pensares numa árvore tu sabes a forma de uma árvore, mesmo com milhares de exemplos possíveis, mas sabes mais ou menos o que é. A mesma coisa acontece com a memória para os sons. Na nossa memória não temos essa possibilidade, quem tem ouvido absoluto trabalha com o outro lado do hemisfério. É basicamente esse tipo de memória que acontece quando como nós fixamos esta cor verde. Às vezes há cores que uma pessoa não sabe bem se é amarelo ou verde, não é? É só memória.

AM: Então vamos experimentar!

Fui buscar o meu telemóvel, onde tinha uma aplicação com um teclado de piano, e testei o João por três vezes! Ora ouve o áudio para veres como ele se saiu.

Pois é, caro leitor, é real e existe. O João nem demora muito tempo a analisar a coisa.

JB: Aliás, segundo o Olivier Sacks, que é um neurocientista, todas as pessoas nascem com ouvido absoluto, ou seja, com a habilidade de ter a memória no hemisfério esquerdo ou direito. Só depois, quando chegamos aos dois ou três anos, é que o nosso cérebro muda para o outro lado. Pessoas com ouvido absoluto normalmente têm dificuldades, como eu tenho, por exemplo a falar. Escrevo bastante bem, mas a falar não sou a melhor das pessoas. E depois tens coisas como a sinestesia em que, por exemplo, eu quero dizer fá e digo azul. Agora estou muito melhor desta condição, porque ao longo dos anos tu tens uma espécie de gatilho que diz, atenção! Mas quando era miúdo, na escola, trocava o fá pelo azul. Outro exemplo é com acordeão e computador. Tocar acordeão, tocar computador. Dizia montes de vezes à minha mãe que ia jogar acordeão ou tocar computador e a minha mãe já sabia e só dizia, sim, sim, claro. Pronto, curiosidade apenas.

AM: Pois… pessoas como tu irritam-me. Desculpa. Mas é que assim eu sinto que sou mouca. Se tocares uma nota não te consigo dizer qual é e se me falares num fá eu não consigo imaginar o seu som.

JB: Mas consegues ouvir uma nota e a partir dessa nota cantar outra? Eu dou-te um dó e tu cantas o fá?

AM: Provavelmente não.

Convencidíssimo de que eu conseguiria essa proeza, o João volta a lançar o dado com o pedido de sair um número grande. Mas não está com sorte, porque avançamos apenas 3 casas indo parar à casa da Carreira, onde as cartas revelam perguntas sobre a vida profissional do artista.

Carreira: Qual foi a maior peripécia que te aconteceu num dia de trabalho?

JB: Várias! Por exemplo, chegar ao concerto e o acordeão avariar em cima do palco, no momento. Ou seja, fazer um ensaio de 2h, estava tudo bem, vamos jantar, chegamos ao cineteatro e no momento em que toco a primeira nota, puf. O acordeão foi-se. E a peripécia torna-se melhor, porque estávamos em Braga, um dos pouquíssimos concertos que fizemos fora das grandes cidades. Passei o concerto todo a ligar para acordeonistas e amigos de acordeonistas que eu conhecia a dizer, ‘Olá, sou o João, preciso de um acordeão. Estás perto de Braga?’. Epah, ninguém tinha um acordeão. Essa foi uma das peripécias. Outras peripécias… olha uma vez perdi-me em Nova Iorque. O produtor disse-me que era muito fácil de encontrar um cineteatro, que era muito conhecido e que só tinha de perguntar às pessoas. Tinha de ir para o metro e eu nem neste (em Portugal) consigo perceber. Então perdi-me durante uma ou duas horas até conseguir chegar ao hotel, para ai à uma da manhã, e quando vou ao Google Maps ver o trajeto era mesmo ali.   Outra peripécia de que me lembro bem é de quando fomos à Argélia, que era um país em que eles sofrem de uma condição que se chama terrorismo, e foi a única vez em que eu fui escoltado de dentro do avião até ao hotel. Nós tocámos num festival feito no Zenith, que é a maior sala de concertos do mundo árabe, em África, e leva três mil pessoas sentadas. Então, há uma parafernália de instrumentos de segurança e uma mão cheia de questões relacionadas com segurança com as quais tens de estar de acordo. Uma dessas condições era termos sempre alguém da polícia connosco. Tive sempre esse senhor comigo, não fiz nada sem ele ao meu lado, o que foi estranho. E nunca falámos uma palavra!

AM: Ainda mais estranho!

JB: Muito estranho, muito fora. Foi há dois anos isto.

Fora de peripécias, o João volta a lançar o dado. Desta vez avançamos 6 casas indo parar à casa do Pessoal, onde as cartas fazem perguntas sobre a vida pessoal do artista.

Pessoal: O que mais repudias numa pessoa e o que mais gostas?

JB: Algo que me chateia é a questão da transparência. Alguém que diz uma coisa e que depois no momento da verdade volta com a palavra atrás. E nós todos fazemos isso, mas até mesmo no mundo das artes há muitas bandeiras e as pessoas em vez de estarem pela música, pela seriedade, ou o seu trabalho, permitem ter uma bandeira que lhes diga o que fazer. E isso leva a que o seu discurso seja não coerente e isso chateia-me. Principalmente no meu meio, tira-me do sério. O que mais gosto numa pessoa… gosto muito de pessoas calmas. Uma coisa que eu sinto que me dá uma enorme qualidade de vida é que tenho poucos amigos, no sentido em que não consigo fazer uma festa com cem pessoas e dizer que são todos meus amigos, mas tenho dez pessoas que claramente sei com o que contar e que estão próximas e que partilhamos dessa calma. Não sei como explicar isto. Gosto de pessoas calmas, não gosto de pessoas muito, como dizemos no jazz, over the bar, que é passar a forma. Adoro fazer isso musicalmente, mas na vida isso perturba-me um bocadinho.

É novamente altura de lançar o dado. O João partilha que se fizéssemos isto de 6 em 6 casas passaria rápido. Mas cá entre nós que ninguém nos ouve, espero que ele não tenha essa sorte! Avançamos 5 casas indo parar ao número 18, onde nada acontece. O João volta a lançar o dado e avança 4 casas que nos levam ao número 22. Isto não é justo para nós, mas para o João foi incrível. Vá, vamos lá falar a sério, senhor dado. Agora sim, andamos 1 casa e vamos parar a outra casa do Pessoal.

JB: Outra pessoal? Vamos a isso, vim cá só para isso (risos). Queres saber quanto é que eu ganho, não é?

AM: Sem dúvida (risos)!

Pessoal: Qual foi a coisa que te disseram que mais te marcou até hoje?

JB: Várias! Uma má foi um dos meus ídolos me dizer que eu não conseguia tocar. Zero. Foi numa masterclass, que eu estava radiante de ter com ele. Aliás estive com ele porque fomos jurados há coisa de um mês e hoje já nos conhecemos bem e já trabalhamos há vários anos juntos. Mas ele tem um feitio difícil, ele próprio admite isso, e lembro-me que nesse dia em que toquei para ele numa masterclass pública ele disse que não valia a pena sequer eu ser músico.

AM: Estava enganado!

JB: Não sei, ele hoje diz que não era bem assim. Presumo que não seja o meu maior fã (risos). Mas marcou-me. Acho que é preciso ter um grande fair play, porque existem várias opiniões e ele tem as suas razões, mas eu faço isto não para ter reconhecimento, mas porque melhora a minha vida. É um bocadinho egoísta, mas foi por isso que eu continuei. Outra que me marcou até hoje foi há dias atrás, estava a tocar com o Fabrizio Cassol na Bélgica, e ele disse uma coisa que me tocou que foi, ‘Epah João, gosto muito da tua música, mas gosto mais de estar aqui contigo. És um tipo calmo’. E eu achei que aquilo era o melhor elogio que ele me podia dar. Também tinha uma história por detrás, porque aquilo estava numa confusão total com as produções e eu não sou muito de stressar ou apontar os dedos. Ele disse-me aquilo e marcou-me. As pessoas lá em casa que lerem isto vão pensar - olha que interessante (risos).

AM: É muito interessante, pelo menos para mim! Agora os outros… isso é lá com eles!

Embrenhados neste jogo repleto de interesse, o dado manda-nos avançar duas casas indo, finalmente, parar a uma Pergunta da Sorte, em que posso fazer a pergunta que escolher na altura.

Pergunta da Sorte: Se o acordeão fosse uma pessoa e, mais que isso, um amigo teu, como mo apresentavas? Quem é o acordeão?

JB: É difícil para mim pôr um instrumento, que não passa de um instrumento, como uma pessoa. Mas apresentava como apresento todos os meus amigos, com descontração, explicar-te-ia porque é que é meu amigo. Para já porque é calmo e porque não é de intrigas, também. Parece um bocadinho naive eu dizer-te isto, mas eu faço música porque melhora a minha vida. E o acordeão é o meio pelo qual eu consigo ter a minha vida um pouquinho melhor. Há aquela teoria, que cá em Portugal já foi muito utilizada pelo Ricardo Araújo Pereira, sobre a questão da comédia. Porque é que a pessoa se ri? Se a pessoa tem aquela situação chata, como ele diz, de saber que vai morrer, o riso tem essa forma de ser quase um mau perder em relação à morte. Há quem tenha essa explicação para a música. Se calhar ter essa ideia de que vamos morrer chateia-nos e então tentamos arranjar um escape. Mas mesmo com essa relação de finitude a música tem um peso grandioso. É a única arte em que eu sinto que não me estão a enganar, no sentido em que é verídico a 100%. Por exemplo, eu posso ter um livro, ou até mesmo um ensaio filosófico que eu gosto de ler. Aquilo, de certa forma, está muito ligado à vida mundana. Consigo perceber ou falar sobre os ensaios filosóficos que eu estou a ler, se estou a ler uma história ela quase sempre tem uma relação com aquilo que conhecemos ou leva-nos a imaginar. A música não é nada disso. A música é, não vou dar uma definição de música até porque não consigo, mas não consegues fingir alguma coisa na música, mesmo que seja feita para fingir. Consegues fazer isso com uma letra, mas não na questão musical. O som que está lá parece que não faz parte deste mundo e faz parte dele. Ou seja, é a única matéria que me fascina a esse ponto. Esqueci-me da pergunta entretanto (risos).

AM: Era quem é o acordeão.

JB: O acordeão é quem me permite fazer isso, portanto seria um amigo muito próximo e que eu teria todo o gosto de apresentar.

Puxa! Fiquei cá com uma vontade de conhecer este amigalhaço! Mas pronto, o jogo tem de avançar. Desta demanda o dado dita que avancemos 4 casas e vamos parar à casa da Pergunta Rápida, onde temos cartas com perguntas de sim ou não que têm de ser respondidas sem pensar muito.

Pergunta Rápida: Fá ou Dó?

JB: Fá.

AM: Toda a gente escolhe o fá!

JB: Ai é?

AM: Eu também escolheria Fá, mas o Júlio Resende escolheu fá, o André Rosinha também e agora tu.

JB: Fá! Eu escolhi-o por causa da questão da sinestesia. É a única nota com que tenho a relação com o azul, em que relaciono a cor com o som.

De decisão tomada, é altura de seguir com o jogo! O dado já rola e, cinco casas à frente, temos o azar de calhar na casa 34, onde nada acontece. Logo de seguida o dado redime-se ao fazer-nos avançar uma casa que nos leva à Carreira.

Carreira: Qual o trabalho que mais gostaste de fazer até hoje?

JB: Não tenho um que gostasse mais de fazer. Assim de uma forma genérica os trabalhos em nome próprio, e nisso tanto posso estar a fazer os meus recitais de música clássica como os meus grupos de jazz, dão-me imenso gozo, porque como artista independente, não só tenho de fazer a música como também tenho a parte da produção. Há uns anos não me dava gozo, mas nos últimos tempos tem-me dado muito gozo, até porque nas condições em que tenho estado tenho conhecido pessoas que estão numa fase em que as pessoas estão pela música e estão numa de conhecer jovens músicos. Portanto, todo o trabalho em nome próprio tem-me permitido, não só mostrar a minha música e estar em sítios incríveis, como é o caso da Gulbenkian, mas por exemplo um dos trabalhos que mais gostei de fazer foi gravar um DVD ao vivo, aqui, na sala principal desta Fundação. Aproveito para dizer que tenho uma relação próxima com esta Fundação, que já vem de há alguns anos e que vai começar, a partir do próximo ano, de uma forma ainda maior. Iremos revelar daqui a uns tempos. Eu claramente vejo-me a fazer outra coisa da vida e espero vir a fazer outra coisa senão música de forma profissional, ou senão um hobby bastante sério. Mas se tivesse de resumir, os trabalhos em nome próprio são os que mais gosto de fazer.

AM: Já sabes que outra coisa é essa?

JB: Já sei! Mas ainda não posso dizer, senão despedem-me (risos).

AM: Isso é que não!

Vamos lá a andar rápido para a próxima casa, porque se há coisa que não queremos aqui é que aconteçam despedimentos! Com alguma calma o dado manda-nos avançar 1 só casa, que me dá direito a uma Pergunta da Sorte.

Pergunta da Sorte: Agora tens estado com vários concertos dos Home. O que é que as pessoas precisam de saber sobre este projeto?

JB: As pessoas precisam apenas, se quiserem, de conhecer a música. Depois, se acharem graça a outros detalhes… os detalhes mais interessantes são que começámos como uma banda de jazz mainstream, ganhámos o prémio de jovens músicos, onde a Gulbenkian está como parceiro oficial, sendo o prémio com maior prestígio em Portugal, podemos fazer bastantes concertos, conseguimos ficar com o dobro dos concertos no ano de 2016. Depois, mudámos o som para um grupo fusão. Apesar de ter o meu nome, João Barradas Home, vejo aquilo como um side project, que até nem tem muito a ver com aquilo que musicalmente oiço ou quero fazer. Não tem muito a ver, mas divirto-me imenso! E isso, às vezes, tem uma espécie de validade entre aquilo que sai e o que quero fazer. E o que sai tem a ver com as condições de estar em Lisboa, termos vencido o prémio, de nos divertirmos à séria, de não sei como aquela banda que nem fizemos muita forma para que fosse um projeto visível se tornar numa banda de jazz muito visível, com alguma repercussão na internet. Bem, comparado com os grupos de jazz instrumental então… com muita repercussão! E divertimo-nos à séria com essa banda. É provavelmente dos projetos em que eu mais me divirto, no sentido em que me divirto mesmo a tocar aquilo. No futuro, que espero ser já no segundo trimestre de 2019,  vamos começar a ter os primeiros novos temas dos Home do segundo álbum, vamos dar outra vez primazia a uma imagem forte a nível visual, termos vídeos para cada música, talvez existirá um novo DVD. Mas a música vai ser mais aberta e mais produzida. Vamos ter mais tempo e, se tudo correr bem, tudo indica que vamos ter mais condições e parceiros nesta aventura. Esta será um bocadinho a história dos Home para quem pegar agora no projeto.

Enquanto lança o dado o João confessa que, até agora, não houve nenhuma pergunta que tivesse doído. Este jogo é muito simpático, de facto. Avançamos 6 casas e vamos parar a mais uma casa da Carreira.

Carreira: O que gostavas de fazer que ainda não tiveste oportunidade de concretizar?

JB: Ainda não pude trabalhar ao nível que eu quero com música orquestral. A nível profissional é uma coisa que quero muito! Uma coisa que ainda não saiu cá para fora, e pode ser que este ano seja a primeira vez que isso vá acontecer, mas estou a trabalhar para começar uma parte orquestral, porque adoro orquestra, música orquestral e dita do cânone clássico. Adorava! Tenho também noção das minhas possibilidades e percebo que tenho de trabalhar, mas é uma coisa que gostava de fazer. Sem ser musical, a partir de 2022, nos meus 30 anos, irei ver se continuo com este ritmo, que tem sido um bocadinho louco de mais para aquilo que eu gosto de fazer, ou se vou inscrever-me numa universidade e tiro o meu curso de programação, que era o que eu devia ter feito. Supostamente era o que eu achava que ia fazer quando tinha 17 anos, mas depois a música foi mais forte e é aquilo que eu gosto de fazer. Gostava mesmo muito de estar presente de uma forma séria noutro campo de trabalho, ou até de lazer. Mas que eu leve a sério. Neste momento não há grande coisa, porque a minha vida é música, viajar por causa da música, que não conta como viajar, e fazer desporto. São as coisas que profissionalmente me ocupam, mas gostava que isso mudasse. Mas também não é uma coisa do género, ah que horror o que estou a fazer. Não! Adoro o que estou a fazer! Mas gostava mesmo de fazer outra coisa só para mudar de ares.

Podemos então mudar de ares para a próxima casa, 5 casas à frente. Vamos parar ao número 47 e não nos resta outra hipótese senão voltar a dar corda ao dado. Estamos cada vez mais próximo do final do jogo, vamos ver se ainda temos a oportunidade de saber mais qualquer coisa sobre o João. Cinco casas à frente temos mais um cartão do Pessoal para virar.

Pessoal: Qual é o teu talento escondido?

O João fica um pouco aflito à procura deste talento.

AM: Não tens?

JB: É triste, não é? É um bocadinho triste.

AM: Sim, eu estou a falar com um músico que já recebeu imensos prémios internacionais, mas é super triste… seres assim uma pessoa sem talento.

JB: Sim (risos). Olha, para já eu não acredito em talento. Isso está fora de causa. Acredito que existem algumas condições que te fazem andar um bocadinho mais rápido. É óbvio que se eu quiser jogar basquetebol e tiver 1,90m isso me vai ajudar. Se eu tiver 1,70m há ali um problema. Há coisas que são óbvias. Se eu quiser se manequim e não tiver uns certos traços a nível físico, é óbvio que não vou ser. Mas as pessoas usam essas condições à priori e confundem-nas com a habilidade de trabalhar uma profissão, ou uma arte. É trabalho. Qual é o meu talento escondido? Se calhar é isso. O trabalho e a calma. Trabalho muito e sou um tipo calmo. Se calhar é um talento escondido. porque as pessoas não veem. Vêem-te a tocar e não sabem se estudaste 1h ou 2h, ou se não estudaste. O talento escondido será esse estado de bem com a vida.

AM: Como é o teu dia-a-dia como músico? Estavas a dizer que as pessoas não têm noção do que está por detrás.

JB: O dia-a-dia mudou bastante desde 2015 para cá. Em 2015 apresentei o meu projeto principal, na minha vida pessoal apareceram uma variedade de coisas que mexeram com o que tinha naquela altura. Estudava música, estava a tocar com alguma regularidade, mas não era como agora. O ano passado passei as 100 datas, este ano também vou passar. São muitas, a sua maioria no estrangeiro. O meu dia-a-dia nos últimos dois anos tem sido, se estiver em Portugal estudo de manhã e corro. Vou ter um ensaio com algum dos grupos com quem vou tocar à posteriori, mesmo que faltem algumas semaninhas. Isso acontece pouco agora. O que acontece mais é ter um dia de viagem, um dia de sound check com o próprio concerto e ando entre aviões, aeroporto, casa, estudar, estudar no avião. Como artista independente tenho alguém que me ajuda com a parte do management, mas passa tudo por mim. Também há essa parte que acontece ao fim do dia. A nível pessoal tento conseguir marcar um jantar de vez em quando, é muito raro. Não acontece sequer uma vez por mês. Acontece de três em três meses. Quando digo jantar, é mesmo ir só jantar, porque não há essa possibilidade. Por exemplo, a minha última semana foi quatro dias na Finlândia, com todos os dias cheios. Cheguei a Portugal e tive ensaios com o Eduardo Cardinho Quarteto, entrevistas hoje, amanhã o dia será todo a ensaiar com o Ben Van Gelder, sexta, sábado e domingo toco. Segunda e terça gravo. Quarta acho que há uma entrevista e quinta, sexta e sábado toco outra vez. Portanto, esta é a vida. Mas é boa! E é bastante divertido, neste caso sou um sortudo porque temos conseguido fazer projetos em que estou com amigos.

AM: O que vou dizer é muito subjetivo, mas estás a viver o sonho! Embora saiba que para muita gente isto seria o pesadelo.

JB: Eu odeio viajar, principalmente nestas condições. Tens um check-in às 5h da manhã para puderes estar ao meio dia a entrar num hotel, descarregares as tuas coisas e ires para o teste de som. Não é a mesma coisa que acordar às 5h da manhã para ir para Marseille para a praia. Tira-te um bocadinho da beleza e glamour que as pessoas acham que tem esta vida. Claro que poder ser profissional da música, ter uma vida confortável, tocar acordeão, que é um instrumento super fora… No mercado profissional, mesmo quando vim para Lisboa se alguém me perguntasse se isto ia acontecer eu dizia que isso era completamente descabido. Não faz sentido nenhum. E em 2015 a coisa começou-se a dar. Foi giro.

A uma casa da casa final do jogo ainda arriscamos lançar o dado para ver se temos sorte. Ao lançar o dado este cai para o chão mostrando dois números, um dos quais é o 1! Conta como 1? Conta pois! Vamos lá a esta Pergunta da Sorte.

Pergunta da Sorte: Podes escolher uma música tua e falar-me um pouco dela, das pessoas que envolveu, da sua história e/ ou importância que tem para ti?

JB: Já que falámos dos Home podemos agora falar do primeiro single, ou do primeiro vídeo que foi o I’m Going Away for a While, Please Don’t Try and Follow Me. Esse tema foi escrito no verão de 2016, que foi um verão incrível. Estava a tocar muito, conheci e toquei com músicos que tu vês nos livros. Estava numa fase muito feliz da minha vida, estava rodeado dos amigos certos. Neste caso, eram as pessoas dos Home. Estávamos ainda a fazer a prova dos jovens músicos e o tema era sobre isso, um bocadinho antes do verão, saber que ia embora e fazer o que eu fiz. Acreditar que ia para um sítio um bocadinho melhor. São daquelas coisas que quando saímos da nossa zona de conforto vamos à procura de algo melhor, ou que nos faça crescer. Nunca vamos para algo que nos faça sofrer. E foi exatamente isso que aconteceu. Esse tema mexe um bocadinho comigo no sentido em que é um tema querido, assim como a balada dos Home. The Human Journey in Search of Meaning está também na base desse verão. Escrevi esse tema em dois dias. Escrevi com amigos por casa, no verão, era uma semana em que não tocava, só tinha de estudar. Estava quase de férias. Esses temas surgiram numa fase muito feliz. É daquelas fases em pensas que melhor do que isto não pode ser e nem queres que passe. São aqueles momentos em que percebemos que tens as condições todas reunidas. Pais com saúde, tudo ótimo. Musicalmente tínhamos estado a tocar dentro e fora de portas, tínhamos os Home acabados de ganhar o prémio de jovens músicos, portanto vida profissional ótima. Vida pessoal estava ótima também, os meus amigos próximos estavam todos cá. Se bem que a questão da música é uma questão de perceção. Eu não consigo passar a perceção que tive, pelo menos eu não acredito que consiga, porque também não a sinto. Um dos exemplos é a sinfonia Nº40 de Mozart, em que, ao que parece, a sinfonia foi escrita para um recém nascido que morreu a Mozart. Esse tema era o tom de toque dos Nokia e os miúdos todos batiam palmas ao som daquele tema. Ou seja, é uma questão de perceção. À priori, as pessoas sabendo dessa história pode ser que sintam um bocadinho o que foi esse verão e divertimo-nos à séria!

Agora sim, chegamos à Casa Gerador, a casa final do jogo, onde o entrevistado irá responder a uma pergunta do convidado anterior e deixar uma pergunta para o próximo. Ainda se lembram da pergunta do João Botelho? “O que é a paixão?”. Podes rever a pergunta do João Botelho aqui.

Vê o vídeo em baixo para saberes qual a resposta do João e a pergunta que deixou para o próximo convidado da Pergunta da Sorte! Vemo-nos em breve! ;-)

Entrevista por Andreia Monteiro

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