Em maio deste ano, e pela primeira vez na história da nossa Segunda República, uma força política de extrema direita tornou-se a segunda mais representada na Assembleia da República. O país acordou para uma realidade em relação à qual se acreditou durante demasiado tempo estar imune e o rotativismo entre centro direita e centro esquerda, representativo do grosso da política nacional no pós-25 de Abril, foi colocado em causa. As eleições autárquicas do passado dia 12 ganharam, assim, uma relevância acrescida: afinal, até que ponto esta transformação profunda do sistema político português teria também expressão no nível político mais próximo dos cidadãos?
Os resultados mostraram que, pelo menos ao nível local, ficou tudo mais ou menos na mesma. PSD e PS continuam a liderar o grosso dos municípios, as listas de cidadãos - das verdadeiramente cidadãs às compostas por dissidentes e excluídos dos partidos - continuam a ter uma palavra a dizer na política local e a proximidade e conhecimento dos candidatos continua a ser determinante na hora da escolha. Não é, ainda assim, fácil fazer grandes comparações entre as eleições legislativas de há apenas alguns meses e estas eleições autárquicas.
O PSD terá sido o principal vencedor, com mais municípios e vitórias nas principais capitais de distrito. O PS, também por comparação com o recente desaire, sai em relativa boa forma destas eleições, com vitórias em várias capitais de distrito que estavam às mãos da direita. À esquerda, o LIVRE consegue um crescimento exponencial do seu número de eleitos, começando a sua afirmação enquanto partido autárquico. Relativamente ao Chega, como justificar que aqueles que apenas há uns meses foram eleitos deputados - e foram, na sua enormíssima maioria, agora candidatos autárquicos - tenham tido resultados incomparavelmente inferiores? O partido de extrema direita continua a ser um partido de apenas um rosto e parece, pelo menos para já, ser mais para o protesto do que para a governação.
Estas eleições autárquicas não são, nem podem ser, bitola para a política a nível nacional, mas podem dar algumas pistas. É onde os políticos são mais próximos dos cidadãos, onde ouvem, conhecem e experienciam os seus problemas que são mais capazes de fazer política concreta. É quando estão no terreno todos os dias, dialogam com os munícipes, têm nomes e caras para os seus concidadãos que os representantes locais melhor trabalham para quem neles vota. E esse continua a ser o melhor remédio contra o populismo e a política do ódio.
Também quanto aos assuntos que interessam verdadeiramente às pessoas, estas eleições dão pistas. Não são as perceções, não são os problemas fabricados e empoladas, são as coisas básicas e concretas: o acesso à habitação, o centro de saúde e o hospital abertos, a escolha que funcione, os transportes, a recolha do lixo, os buracos na rua, no fundo, a política do dia-a-dia. Saibam os partidos a nível nacional ler estes resultados deste modo e a política portuguesa só tem a ganhar.
Também por isso este é o momento de voltar a discutir seriamente a regionalização. Obrigação constitucional, a promoção das regiões aproximaria os portugueses dos seus representantes, dando-lhes um nível de gestão e proximidade intermédio, entre o município, próximo, mas com meios limitados, e o governo central, muitas vezes demasiado longe e demasiado desfasado das realidades específicas do território. Toda a política é proximidade e Portugal precisa de partidos que cresçam junto dos cidadãos. Saibamos ouvir e saibamos estar à altura do desafio.