A associação Arroz Estúdios anunciou uma “pausa criativa” para avaliar o modelo atual e o seu contributo para a comunidade. O interregno teve início a 14 de abril e vai durar cerca de dois meses, de acordo com o comunicado enviado às redações.
A decisão surge devido a dificuldades financeiras, que colocam em causa a manutenção da atividade cultural e impedem o melhoramento das condições laborais de elementos da equipa que não possuem vínculo estável, conforme referido ao Gerador por Steven MacKay, presidente da direção. “Tivemos várias reuniões da associação, para discutir como poderíamos aumentar as nossas receitas e não conseguimos chegar a um entendimento total em relação ao que deve ou não subir para melhorar as nossas condições e o que continua a ser aceitável para nós, enquanto local [para eventos]”, diz o responsável. “Sentimos que é uma boa altura para fazer uma pausa e reconsiderar como podemos servir melhor [a comunidade]”.
A Arroz Estúdios foi criada em setembro de 2018, em Cacilhas. Mudou-se para Lisboa no final de 2019, para uma área situada perto da Avenida Infante Dom Henrique, no Beato. As grandes dimensões do espaço que ali ocupa - aproximadamente dois mil metros quadrados - permitiram criar 10 estúdios para artistas e criativos de diferentes áreas, nomeadamente música, artes visuais, design, cinema, moda entre outros. No local também são organizadas sessões de cinema ao ar livre, exposições, workshops, concertos, atuações ao vivo e feiras.
Um dos fatores relevantes para a decisão de interrupção da atividade da Arroz Estúdios é, de acordo com o presidente da associação, a “pressão crescente por parte das entidades municipais”, que se tem vindo a materializar sob a forma de multas relacionadas com queixas por ruído ou por falta de licenciamentos.
Nos documentos a que o Gerador teve acesso, estão registadas ações de fiscalização levadas a cabo pela Polícia Municipal a 18 de novembro de 2023, 17 março de 2024 e 6 de abril 2024. A Arroz Estúdios foi condenada a pagar um total de 2600 euros, em resultado de cinco multas por contraordenações cometidas nestas datas, correspondentes a excesso de ruído no local após o período permitido de atividade e falta de equipamentos limitadores de ruído, em eventos onde sejam usados amplificadores de som, segundo descrito nos documentos.
O Gerador contactou a Câmara Municipal de Lisboa para obter esclarecimentos sobre esta e outras questões relativas a associações culturais, mas não obteve resposta até à data de publicação deste artigo.


Steven MacKay afirma que estas multas, assim como o encerramento forçado de eventos que estavam a decorrer, resultaram em perdas financeiras significativas, que vão muito além das coimas propriamente ditas. “É bastante difícil de calcular [o prejuízo], pois isto envolve o tempo da equipa que gere o espaço, de mim próprio e do nosso advogado. Contabilizar [as perdas] de todos os eventos cancelados e que nos custaram dezenas de milhares de euros…”, lamenta o responsável, que destaca o investimento e receitas perdidas.
Segundo Steven MacKay, as multas tornaram-se mais frequentes “há cerca de um ano e meio”.
Desde 2023 que diversos coletivos pediram ajuda à autarquia para fazer face à pressão imobiliária, que os tem obrigado a abandonar os espaços que ocupavam no centro da capital. Zona Franca dos Anjos, Casa Independente, Sirigaita ou Sociedade Musical Ordem e Progresso são exemplos de associações que alertaram a autarquia para este problema, a par da Arroz Estúdios.
O município de Lisboa disse, a 29 de outubro de 2024, estar a acompanhar a situação desta última, que foi discutida durante a Assembleia Municipal realizada nesta data.
Durante a sessão, que decorreu na sequência da apreciação da petição “Para que o Arroz Estúdios (Dynamic Sardine Associação) receba apoio sob a forma de um espaço permanente”, a vereadora Sofia Athayde (CDS-PP) afirmou o seguinte: “Fizemos a mediação com a Estamo [empresa pública que gere o património imobiliário do Estado], com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com o Porto de Lisboa, mas há aqui uma coisa que falhou: é que os critérios que têm para o espaço, nós não temos um espaço de acordo com esses critérios, portanto temos de ajustar esses critérios para poder ter um espaço”, disse, indicando que a Arroz Estúdios recebeu um apoio municipal de 3.000 euros.
Até à presente data, a Arroz Estúdios permanece no espaço do Beato, mas teve de cessar atividades que desenvolvia habitualmente. “Em março passado fomos forçados a fechar o nosso programa e remover todos os nossos [artistas] residentes. Isto é basicamente cortar todo o nosso modelo financeiro e recomeçar de novo, o que fez colapsar uma parte significativa da nossa comunidade”, diz.
Olhando para o futuro, o coletivo está a considerar a realocação para outros municípios na área metropolitana de Lisboa, como Amadora ou Loures, na esperança que possam usufruir de um maior apoio a projetos culturais.
Steven MacKay lamenta a falta de apoio da autarquia lisboeta e apela a que as associações culturais tenham o seu valor reconhecido. “O município podia fazer mais para apoiar organizações culturais em todo o espetro. Isto podia ser feito, especificamente, do ponto de vista do licenciamento. Simplesmente dar-lhes licenças para operar em vez de fazer delas um alvo. Trabalhar com elas e não contra elas”, pede o dirigente.
“A estabilidade na localização é outro ponto crítico, no qual precisamos de apoio”, diz, destacando que compreende a dificuldade de acompanhar as mudanças no mercado imobiliário, mas alerta que empresas tecnológicas beneficiaram do uso de edifícios que estavam vazios ou devolutos. “Acho que as organizações culturais poderiam ser apoiadas da mesma forma”, acrescenta.