O projeto social LAR dedica-se ao acolhimento de refugiados e migrantes na Ima, concelho da Guarda, e já conseguiu duplicar o número de habitantes da aldeia, que atualmente são 45, e mudar a vida de famílias do Uganda, Nigéria e Camarões.
O LAR ajuda as famílias em vários processos, como na parte laboral, em que um dos adultos do casal torna-se um operador agrícola (sendo a produção escoada para o Pingo Doce), e auxilia o outro membro a encontrar trabalho. Ao mesmo tempo, garantem casa e apoiam na colocação das crianças na escola.
Em tom de brincadeira, Bárbara Moreira, fundadora e voluntária do projeto diz que não fez “nada de espetacular, é uma coisa bastante evidente”: aldeias que estão vazias e pessoas que precisam de casas. O LAR é uma resposta de segunda linha a refugiados e migrantes. Na teoria, os dois conceitos são diferentes, pois os refugiados são pessoas que se viram obrigadas a fugir do seu país devido a “perseguições ou conflitos armados” e os migrantes saíram do seu país com o intuito de "melhorar as suas condições materiais, sociais e possibilidades e as das suas famílias". O percurso da jovem portuense é marcado pela presença em diferentes projetos de voluntariado, como o trabalho junto a sem-abrigos, que foi o primeiro público escolhido para integrar este projeto. Contudo, rapidamente percebeu que não seria viável, pois são pessoas com diferentes especificidades. Até que, “em 2015, a crise de refugiados ficou mais perto de casa”, comenta ao Gerador. De relembrar que esse ano foi marcado pelos milhões de pessoas que fugiram para a Europa e outras que nunca foram encontradas, todas vítimas de perseguições, conflitos e violação dos Direitos Humanos. Por Portugal, entre 2015 e 2019, passaram 2285 refugiados, mas mais de metade não permaneceu cá. Depois dessa crise humanitária, Bárbara Moreira começou a estudar mais sobre o tema e a trabalhar a fundo no projeto para o materializar, o processo passou principalmente por encontrar alguém que acreditasse na ideia, e a elaboração de um plano de negócios, que demonstrasse a viabilidade do projeto, assim como a formação de equipa.
Para conseguir ter um contacto com as famílias de refugiados e migrantes, o LAR estabelece parcerias com instituições de primeira linha, como o JRS (Serviço Jesuíta aos Refugiados), o CLAIM (Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes) e o Lisbon Project. Desta forma, o projeto social trabalha a médio e longo prazo com estas famílias, que tenham acabado os programas de acolhimento de 18 meses.
A apresentação do projeto é feita de uma forma “híper-realista”, comenta a Bárbara Moreira. Nesse contacto, explicam às famílias que garantem trabalho para um membro do agregado, a casa, e ajudam a encontrar trabalho para a outra pessoa e ainda a colocar as crianças na escola. Mas também expõem as características da Ima, “uma aldeia com pouca gente, muito frio”, com aspetos peculiares, como não existir nenhum café, ou mercearia. A Ima situa-se a 14 quilómetros da Guarda e pertence à freguesia de Jarmelo (São Pedro), que, segundo os resultados provisórios dos Censos 2021, conta apenas com 141 habitantes. Bárbara Moreira acredita que, como não vendem “gato por lebre”, têm uma taxa de sucesso elevada, e defende a necessidade “de haver uma gestão de expectativas de um lado e do outro”.
Mas o processo para pertencer ao LAR não termina por aqui, inclui entrevistas individuais às mulheres da família “para ter a certeza de que são ouvidas”. A portuense assume que é “um processo bastante moroso, para ter a certeza de que as pessoas estão confortáveis, que é isto que querem, porque, no fundo, é uma decisão de vida, é a casa, os miúdos, a escola, o trabalho! É aqui que se pretende que eles criem raízes e estabeleçam relações emocionais e afetivas nos próximos anos, e, quem sabe, para sempre”. Antes de aceitar o desafio, as famílias visitam a aldeia e têm uma entrevista de trabalho, para confirmar o gosto pela área agrícola, sendo que, depois, receberão uma formação. Entre todos os momentos que Bárbara Moreira relembra com saudade, partilha como um dos mais marcantes o de ver “as famílias chegarem e verem as casas... o que foi incrível, ver a felicidade, as casas estavam prontinhas, recheadas com coisas para eles e pensadas para eles”.
Combate de dúvidas e os medos dos habitantes da Ima: “Parecia que estava num país estranho”
A entrada das famílias na Guarda exigiu toda uma preparação. O ano de 2019 foi dedicado à reabilitação das casas, uma delas do “Sr. Rabaça”, que, mal ouviu metade do discurso da Bárbara sobre o projeto, disse que cedia a sua casa, afirmando que o projeto lhe fazia “muito sentido”. As famílias chegaram em 2020. Até lá, houve “muito tempo de preparação da comunidade, desde tertúlias, desconstrução de preconceitos, conversas para que pudessem dar voz àquilo que eram os seus medos”, partilha Bárbara Moreira, que assume que, mesmo quando foi para lá sozinha, houve uma estranheza e curiosidade, dúvida por parte dos habitantes, por ser novidade! Entre gargalhadas partilha que, com estas reações, “parecia que estava num país estranho”, principalmente por ir sozinha e ser solteira. Com “o aval” de uma pessoa reconhecida na terra foi mais rápida a aceitação da sua chegada por parte da comunidade. Bárbara Moreira descreve a “amabilidade” e “simpatia” como foi recebida por todos e, entre risos, recorda ainda o Sr. Joaquim que plantou a sua horta de subsistência. Como a receção das famílias aconteceu durante a pandemia, o LAR não conseguiu realizar a sua chegada como idealizou. Mas criou uma nova abordagem para ligar as famílias e os já habitantes da Ima, distribuindo folhetos com uma pequena apresentação de cada elemento da família. Assim, com as “cábulas”, já sabiam os nomes de cada um, facilitando a ligação. A jovem do Porto diz que chegou a uma fase em que as pessoas ansiavam a chegada das famílias, “era mais expectativas de que as pessoas chegassem, do que qualquer receio”. Os comentários dos habitantes passavam por: “nunca mais vêm!”, “vêm ou não vêm? Parece que é mentira!”
O LAR luta pelo “acompanhamento das pessoas”, sublinha Bárbara Moreira, dando o exemplo de uma das habitantes que “está completamente sozinha na aldeia”, e que quando vê Karima (mãe de uma das famílias) a pendurar a roupa no quintal, com pouco sol, fala logo com as crianças da família para dizerem a Karima para pendurar a roupa no seu quintal. Bárbara Moreira partilha que, para esta habitante, é “o único momento de companhia que tem durante um bom bocado do dia”. Acrescenta, que “é isto que se pretende, que haja este companheirismo, este contacto intergeracional, entre a comunidade”. A fundadora do projeto comenta ainda que as oito crianças que vivem na aldeia convivem muito entre si “como se fosse um prédio que tem crianças e juntam-se a brincar”. De sublinhar, que Portugal é o terceiro estado-membro que recebeu mais menores não acompanhados. Ainda em dezembro de 2021, acolheu 33 refugiados dos campos de refugiados da Grécia.
Sustentabilidade financeira: “Em 2023, talvez!”
Inicialmente, o LAR pretendia atingir a sustentabilidade financeira através do escoamento de produtos. Mas foi necessária uma mudança, porque os terrenos são muito secos. Por isso, adaptaram ideias e, com a ajuda de alguns chefes, criaram a marca Bora, que quer dizer “o melhor” em suaíli. O próximo passo é ter uma cozinha certificada para ser permitida a venda nas grandes superfícies. Entre sorrisos e com muita garra, Bárbara Moreira diz que “quando tivermos isto 100 % operacional, acredito que a coisa vá!”
A longo prazo, Bárbara sonha com um projeto “altamente rentável, em que as famílias estão a tomar conta do negócio in loco, e, com o lucro que daí vier, podermos estar a replicar para as aldeias próximas e a empregar mais famílias”.
Também podes ajudar e contribuir para o LAR!
Um dos entraves para a receção constante de voluntários é a localização da Ima. Contudo, já receberam alguns grupos de jovens, da Covilhã e de Braga, que ficaram uma semana hospedados na aldeia. Essa fase também foi marcada por “mais volume de tralho na reabilitação de casas e limpeza de terrenos”. Bárbara Moreira descreve os voluntários como “espetaculares”. Proximamente, também terão a ajuda do Just a Change para a construção de uma cozinha.
Um dos objetivos a curto prazo de Bárbara Moreira é dinamizar ações de voluntariados semanais. A fundadora do projeto, com grande entusiasmo, refere, ao Gerador, que este tipo de iniciativas “dá outra dinâmica à aldeia, que se mexe de uma forma diferente”. Também existem alguns trabalhos que são possíveis de executar remotamente, como por exemplo pessoas com valências e competências para o design.
No site do projeto, também te podes tornar associado com uma cota anual.