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Queer Porto acontece este mês e vai “fazer justiça a um olhar queer, não polarizado”

Ao todo são 40 filmes que nos trazem as problemáticas levantadas pelas questões de discriminação de raça, etnia, identidade sexual e de género. O Queer Porto – Festival Internacional de Cinema Queer regressa, entre os dias 10 e 14 de outubro, ao renovado Batalha Centro de Cinema.

Texto de Redação

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Nesta nona edição do certame, dominam os filmes assinados por mulheres cis e pessoas trans ou não-binárias. Ao todo, 68% das películas apresentadas são assinadas por mulheres cis, 27% por homens cis, e as restantes 5% por pessoas trans ou não-binárias.

“Olhando a evolução do cinema queer na última década, somos instigades a refletir sobre o lugar de fala e o que informa o nosso olhar. Fatores tão diversos como a crescente afirmação de todos os espectros individuais e coletivos das realidades LGBTQI+ que os levaram a conquistar esse lugar de fala no cinema, ou por outro lado, um acesso mais facilitado a meios de produção, permitem-nos que hoje seja cada vez mais frequente vermos um cinema de mulheres, de pessoas negras, trans, indígenas, um cinema reflexo de múltiplas realidades geográficas, de periferia”, avançou o festival, em comunidade de imprensa.

Esta é por isso uma edição que procura "fazer justiça a um olhar queer, não polarizado, um olhar além-fronteiras", é dito. O cinema que o festival propõe este ano procura denunciar e subverter um olhar machista e patriarcal, propondo um muito necessário olhar queer a temas que vão da precariedade à criação artística, da gentrificação à violência sexual sobre mulheres, das relações às drogas. São filmes que atravessam questões de território e identidade, que percorrem espaços de performance e subversão política, e outros de ruralidade onde a ausência de referentes torna urgente a criação de novas formas de estar.

A próxima edição do Queer Porto, que decorre entre 10 e 14 de outubro, no +Batalha Centro de Cinema, inclui alguns dos títulos mais celebrados no recente circuito de festivais de cinema internacionais, mas não só.

O filme de abertura é o novo trabalho do realizador brasileiro Ricardo Alves Jr., que conquistou, em 2021, o Prémio da Competição Queer Art, no festival, em Lisboa, com o filme Vaga Carne, assinado juntamente com Grace Passô. O realizador apresenta agora Tudo o que Você Podia Ser, "um docuficção que, por meio do quotidiano e dos encontros entre um grupo de amigues de Belo Horizonte, tece um afetuoso retrato sobre a família que se escolhe constituir através do valor da amizade". No encerramento será exibido Commitment to Life, "que documenta o papel central que a cidade de Los Angeles teve durante o dramático período da luta contra a epidemia da Sida, recorrendo a entrevistas, raras imagens de arquivo e de ativismo, e ações de celebridades como Elizabeth Taylor e David Geffen".

Para além da retrospetiva dedicada ao movimento no wave nova-iorquino, com foco especial na obra de Vivienne Dick, o Batalha Centro de Cinema irá também acolher uma série de sessões especiais: desde o documentário bell hooks: Cultural Criticism & Transformation, baseado numa extensa entrevista com a teórica norte-americana, até ao filme Music Is My Boyfriend, que documenta a trajetória dos irreverentes autores de pop messiânica queer The Hidden Cameras, passando pelo inventivo documentário Feminism WTF, que mistura ativismo político e festa intelectual, e ainda por um dos filmes-sensação da última edição do Festival de Cannes, Un prince.

Para celebrar após as sessões de cinema, estão programadas duas festas: uma de abertura e outra de encerramento, no Bar of Soap e no Maus Hábitos, respetivamente.

A propósito da iniciativa, falámos com o diretor artístico do Queer Lisboa e Queer Porto, João Ferreira.

Qual foi a linha condutora para a seleção de filmes deste ano?

De há uns bons anos para cá que não trabalhamos exatamente com uma linha condutora. Ela acaba por surgir na programação, com os filmes recentes que pedimos e vamos ver a outros festivais e depois também com o trabalho que fazemos com as retrospetivas. A partir daí começam a surgir ideias, começamos a ver, aí sim, alguns fios condutores que dominam de alguma forma a programação. Daí surgiu também este ano esta ideia de fronteira e de quebrar dessa fronteira, de olhar para lá desses muros. Isto tem que ver com diversos fatores. Tem que ver, por um lado, com a forma como olhamos para o mundo, o procurar um olhar que não seja restrito, que não seja marcado pela forma como fomos criados  – uma família patriarcal, binária... uma forma muito enviesada de olhar. [Por um lado] tentar quebrar esses preconceitos no nosso olhar. Por outro lado, dar uma especial atenção aos temas atuais que se passam nas diferentes geografias. Diria que é uma edição muito ligada a uma consciência global e a um olhar global também.

Num momento em que, um pouco por todo o mundo, continuam a crescer discursos de extrema direita, transfóbicos, homofóbicos, nomeadamente, no universo político, que acaba por influenciar muitas outras esferas da sociedade, o que acaba por representar festivais como este, que dão voz e visibilidade à comunidade LGBTQI+?  Um ato de resistência? 

Sim, resistência, sempre. E um cunho político que o festival tem e que o festival defende. Apresentar e selecionar estes filmes é um ato político e é um ato de resistência. Nesse aspeto, é uma arma. Muitos dos criadores, com muita coragem, vão a zonas difíceis de filmar para dar estas histórias a ver ao mundo. Para nossa consciencialização. Este lado político acaba por ser absolutamente central na nossa programação, precisamente porque temos a consciência daquilo que se está a passar no mundo. Neste momento temos a questão da extrema direita que é um fator absolutamente preocupante, como ele está a destruir as democracias. Isso é um perigo. Há uma coisa que, para nós, é sempre muito importante: temos de estar alerta, porque as nossas conquistas não são adquiridas. A qualquer momento, tudo pode voltar atrás e pode falhar, e a história já nos ensinou isso várias vezes, os muitos ciclos da história. Daí ser absolutamente fundamental uma atenção a tudo o que se está a passar em termos políticos e sociais. 

Lisboa já realizou este mês a 27.ª edição do festival. O Porto vai para a 9.ª edição. Que balanço fazem? Como é que o festival tem sido recebido pela cidade do Porto e pergunto se é possível traçar diferenças face a Lisboa, onde decorre há mais tempo?

São dois festivais, são duas experiências completamente diferentes. Lisboa começa em 1997. Tem um público muito consolidado. Tem até um espaço social na cidade já muito consolidado, também em termos muito práticos, de financiamento. É um festival que acaba por ter maior solidez também nesse sentido, pela longevidade. O festival do Porto é bastante recente, ainda não cumpriu uma década, está quase. Tem sido uma experiência muito interessante, porque foi um pouco ir percebendo qual é o público do Porto. E é curioso que, nestes nove anos, esse público já mudou. A própria cidade do Porto tem mudado, principalmente, com a entrada de muita imigração. Isso é muito rico, é muito saudável para a cidade. E obviamente que isso também se vai refletir na nossa programação. Também programamos a pensar no público que temos e o que o público procura. [O Queer Porto] é um festival que tem crescido também nesse sentido, principalmente, com a adesão de vários espaços e várias instituições. Tem sido uma experiência muito positiva nesse sentido. 

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