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Opinião de Shenia Karlsson

Segurança psicológica no trabalho em Portugal

“Fui contactada por um Head Hunter e a proposta era mesmo boa. Aceitei a nova…

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“Fui contactada por um Head Hunter e a proposta era mesmo boa. Aceitei a nova colocação após uma árdua negociação. Tenho muita experiência em minha área, falo 3 idiomas fluentemente e possuo formação em universidades renomadas. Realmente precisava de novos ares e uma vaga com um aumento substancial de salário não dava para negar. A proposta era estimular a diversidade nos cargos de liderança. A primeira semana tudo bem, chefe e colegas simpáticos embora o ambiente fosse maioritariamente de homens cis, brancos, heteronormativos numa multinacional. Diversidade? Bem pouca em meu setor. O sinal vermelho acendeu na primeira reunião de equipe. Recebi boas vindas, entretanto, quando colocava uma questão eu era ignorada, e pior, lembro-me de um homem ao lado repetir a mesma coisa que eu tinha dito antes e a ideia ter sido totalmente acatada pelo grupo e elogiada pelo meu novo chefe. Essa dinâmica tornou-se uma norma. Naquele momento iniciou-se uma infinita lista de experiências desagradáveis: deboches, invisibilizações, demonstrações de desprezo, termos pejorativos e acusações clássicas: "estás a exagerar!", "entendeste mal!", "não temos tempo para dramas!" Os boicotes em meus projetos duraram um longo período de tempo. Eu adoeci muito. Odiava ir para aquele ambiente frívolo, tóxico, sexista e hipócrita. Era uma solidão profunda. Custou minha saúde mental. Após 1 ano de terapia decidi abrir minha própria empresa.”. M. 39 anos, Angolana, negra, radicada em Portugal.

Este é um relato dentre muitos que recebo diariamente. O contingente de pessoas que adoecem no ambiente de trabalho é assolador, especialmente mulheres (negras, racializadas e imigrantes). A psicologia tem oferecido contributos diversos para pensarmos uma sociedade mais equânime no sentido da saúde mental em geral, e o trabalho – essa dimensão organizadora da vida, não podia receber menos atenção.

Caro leitor/a, ouviste falar sobre segurança psicológica? Não? Pois bem, esse é um tema extremamente relevante na pauta da Diversidade & Inclusão. Isso porque muitas pesquisas revelam uma relação direta entre a satisfação dos colaboradores e a produtividade. Sabemos bem que produtividade significa lucro, não é mesmo?! Porém, nessa corrida, muitas empresas - principalmente em Portugal, falham nesse aspeto.

Empresas de médio ou grande porte investem em pesquisas internas para mensurar os níveis de segurança psicológica e costumam utilizar questionários direcionados a este propósito. Em 2016, a Google realizou um estudo interno cujo intuito era avaliar o bom rendimento de suas equipas. Dos elementos basilares garantidores do bom desempenho, a Segurança Psicológica assumiu o topo do ranking.

A segurança psicológica é um conjunto de práticas que visam implementar as boas relações no ambiente de trabalho e o objetivo principal é garantir um ambiente seguro em que o conforto, a tranquilidade, a exposição de ideias, a partilha de experiências, o espaço para pedir ajuda e o respeito à subjetividade de cada sujeito são preservados. A palavra de ordem é SEGURANÇA para expressar-se, interagir, desenvolver-se e, acima de tudo, sentir-se pertencente. Tais elementos são essenciais para a garantia da saúde mental dos colaboradores.

Segundo a Ordem dos Psicólogos de Portugal no relatório intitulado O Custo dos Problemas Psicológicos no Trabalho, cerca de 2 entre 10 trabalhadores em Portugal sofrem de perturbações psicológicas e a mais comum é a depressão. O aumento significativo de baixas psicológicas, provoca um impacto na produtividade das empresas e, em consequência desse fenômeno, um prejuízo anual de milhares de euros e uma sobrecarga para a Segurança Social. Diante desses índices preocupantes, o capital mais importante é o que mais sofre, o capital humano.

Sabemos que os ambientes empresariais são extensões da sociedade no que tange dinâmicas, lugares sociais, relações e estão totalmente suscetíveis à discriminações, racismo, xenofobia, sexismo dentre outras violências. Como podemos pensar a segurança psicológica no mercado de trabalho em Portugal? É possível assegurar os pressupostos fundamentais para a promoção da segurança psicológica numa sociedade atravessada por lógicas coloniais perpetradas nas relações e hierarquias de trabalho? Como fidelizar colaboradores e estimular mudanças de pensamento e comportamento?

Nesse sentido, a experiência da Google mostrou-se pedagógica ao revelar informações importantes. Talvez um convite para ressignificar crenças outrora formuladas e cristalizadas. Por exemplo, a ideia de inteligência coletiva combate ideiais de hierarquias performativas dos moldes coloniais. A cultura de feedback torna a comunicação mais fluida e democrática e erradica o medo de falar por medo de retaliação. Lideranças autocráticas possuem dificuldades em aceitar os benefícios das decisões em grupo, ao partilhar o poder para um bem maior.

Erros e diferenças quando acolhidos numa cultura de tolerância protege o colaborador de eventuais episódios de assédios e humilhação assim como a prática da escuta ativa, essa assegura uma conexão profunda e honesta. A psicoterapia individual, além de um bom investimento pessoal serve também como exercício para adquirir esta habilidade. Todos podemos aprender a escutar.

A segurança psicológica de certa forma assegura relações mais humanizadas em ambientes historicamente hostis. O trabalho tanto estrutura psiquicamente o sujeito quanto o destrói, dependendo de sua experiência. Diante de tantos instrumentos e avanços, acredito que somos totalmente capazes de construir espaços que valorizam a dignidade humana, e o trabalho também precisa ser esse lugar.

Fontes:
https://www.nytimes.com/2016/02/28/magazine/what-google-learned-from-its-quest-to-build-the-perfect-team.html
https://www.vittude.com/empresas/seguranca-psicologica
https://factorialhr.pt/blog/baixa-medica-por-depressao/
https://recursos.ordemdospsicologos.pt/files/artigos/custo_dos_prob_sp_no_trabalho.pdf

- Sobre a Shenia Karlsson -

Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.

Texto de Shenia Karlsson
Fotografia de Maria Vasconcelos
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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