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Sérgio Peixoto: “A língua gestual portuguesa tem a potencialidade de fazer todo o tipo de música”

O projeto “Mãos que Cantam”, dirigido pelo maestro Sérgio Peixoto, é o primeiro coro de pessoas surdas, em Portugal. Fundado em 2010, os coralistas têm vindo a fazer adaptações de peças musicais de artistas como Cuca Roseta, Sara Tavares e Jorge Palma. As suas vozes são os gestos e a Língua Gestual Portuguesa a sua forma de expressão artística. Ao Gerador, Sérgio Peixoto falou sobre a universalidade da expressão musical, a vertente educativa do projeto e as expectativas para o futuro.

Texto de Débora Cruz

Coralistas do Projeto Mãos que Cantam. Fotografia do Mãos que Cantam.

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Em 2010, a coordenadora do mestrado em Língua Gestual Portuguesa e Educação de Surdos do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica de Lisboa, Ana Mineiro, propôs a ideia de criar um coro com os estudantes surdos do curso, com o objetivo de integrá-los na comunidade universitária. Os coralistas iriam interpretar música não com a voz, mas através da língua gestual portuguesa (LGP). O desafio de dirigir o grupo foi então lançado ao maestro e diretor artístico do Coro da Universidade Católica de Lisboa, Sérgio Peixoto, que o aceitou de imediato.

O projeto passou a chamar-se Mãos que Cantam e integrou estudantes surdos da licenciatura e mestrado em LGP da instituição de ensino lisboeta. A primeira vez que Sérgio Peixoto se reuniu com os estudantes, a intérprete de LGP que trabalha com o grupo chegou mais tarde e o maestro não conseguiu comunicar com os coralistas. “A única coisa que consegui dizer foi ‘Olá’”, conta, “aí, percebi que eu é que era a minoria, mas também foi nesse momento que disse que: ‘É mesmo isto que quero fazer’”. O projeto arrancou nesse ano e conta já com inúmeras atuações e peças no portefólio, desde músicas de John Lennon a peças de Sara Tavares, Amália Rodrigues e Jorge Palma, entre outros artistas.

O Mãos que Cantam começou por atuar em conjunto com o Coro da Universidade Católica de Lisboa e foi pioneiro, a nível europeu, na integração simultânea de ouvintes e não ouvintes num coro. No entanto, ter sido pioneiro acarretou dificuldades: o grupo tem vindo a trabalhar gestos, termos e conceitos musicais que não existiam em LGP, uma vez que se assumiu que os mesmos não fariam sentido num universo de não ouvintes. 

No e-book que publicaram, em 2016, os membros do Mãos que Cantam escreviam que um os objetivos orientadores do projeto é “demonstrar que é possível expressar em LGP determinados conceitos musicais, como a noção de intensidade, de polifonia, métrica e a estrutura formal de uma peça musical, para além da interpretação do poema em si”. Sérgio Peixoto dá conta de que, com o trabalho que desenvolvem, o projeto tem vindo a contribuir para a construção do léxico da LGP necessário para a expressão artística na área da música. “Neste momento, há construção de novos gestos, novos conceitos e a dinamização de novas leituras a nível do sentido gestual”, explica.

Numa entrevista ao Gerador por videochamada, o maestro e diretor artístico do projeto falou acerca do processo criativo por detrás de cada adaptação e da musicalidade da LGP. “Não sou fluente [em LGP], trabalho sempre com uma intérprete”, conta, “mas descobrir a potencialidade de uma língua que não estava desenvolvida neste aspeto artístico é muito interessante”. Sérgio Peixoto falou também acerca das barreiras que persistem e da vertente educativa do projeto. “Tivemos há uns anos uma iniciativa para levar o Mãos que Cantam às escolas de referência do país de forma a trabalhar com crianças e elas nunca tinham pensado numa coisa destas”, atesta, “é muito importante levar surdos adultos que eles têm como referência e mostrar que, sim, isto é possível”.

Para além das expectativas para o futuro do projeto, o maestro falou também da participação do grupo na cerimónia da 5.ª edição dos PLAY - Prémios da Música Portuguesa, em abril, e nas Jornadas Mundiais da Juventude, entre os dias 1 e 6 de agosto. “Foi uma experiência incrível”, conta, “estamos a falar de mais de 50 músicas que foram trabalhadas, e a maior parte delas com um léxico muito próprio, da igreja e da religião.”

Versão em Língua Gestual Portuguesa da música And so it goes, de Billy Joel. Interpretação pelos The King's Singers e pelo projeto Mãos que Cantam.

O projeto Mãos que Cantam é o primeiro coro constituído por pessoas surdas, em Portugal. Quais foram os desafios de ser pioneiro?

Os desafios foram todos [risos]. Não havia nada antes deste coro, nem na Europa. Havia algumas coisas na América do Sul e no Brasil, mas eram muito ligadas à Igreja Evangélica e era um bocadinho diferente. Este projeto surgiu, porque todos eles são fluentes em LGP e todos são professores de LGP. Sendo assim, o que se pretende, e o que se pretendeu desde o início, foi desenvolver artisticamente a LGP. Tal como nós – ouvintes e cantores – cantamos com a nossa voz, eles também: sendo surdos, cantam com a voz deles, que é o gesto. Portanto, o grande desenvolvimento aqui foi o gesto musical: de que forma é que podemos aliar a LGP à música cantada e de que forma é que os textos que são cantados podem ser interpretados de uma maneira bem diferente da língua coloquial quotidiana da LGP. [Pretendeu-se] transformar os textos, acima de tudo, em algo artístico, em algo não só estético e artístico, mas também muito coerente na procura do gesto e na relação com o texto.

No e-book que publicaram, em 2016, escreviam que o léxico da LGP, necessário para a expressão artística na área da música, é escasso. O coro tem vindo a contribuir para a construção deste léxico com o seu trabalho? 

Sem dúvida, sem dúvida. Como dizia, o léxico era muito restrito, havia muito pouca coisa. Neste momento, há construção de novos gestos, novos conceitos e a dinamização de novas leituras a nível do sentido gestual. Dou um exemplo: há agora uma uniformização de gestos de coisas muito concretas, neste caso muito particular, religiosos, como na adaptação do Osanna in Excelsis ou o Gloria in Excelsis Deo, que não existiam, e uma nova linguagem musical, no sentido em que a direção de cantores surdos nunca tinha sido feita. Portanto, são gestos que eu e eles construímos ao longo destes anos de trabalho.

Contando já com mais de uma década de experiência e de colaboração, a adaptação de cada texto que interpretam é hoje mais fácil ou é sempre um desafio? 

Não, tem sido mais fácil. O desafio é sempre a música que nos chega e passar o texto que está escrito e que é cantado para gesto. Isso é um trabalho muito interessante, porque pegamos no texto original e fazemos uma glosa, ou seja, passamos para papel o que é que serão os gestos e fazemos sempre isto em todas as músicas. Depois de a glosa estar feita e de os gestos estarem escolhidos, começamos a trabalhar ritmicamente, com respiração, polifonia, musicalidade, o início e fins de frases musicais. Quem faz o quê? Pode haver várias vozes… Cada um deles pode, na mesma música, estar a fazer gestos diferentes consoante a música que é ou, se é um coro, cada um deles estar responsável por uma voz, por exemplo. Portanto, há imensas possibilidades. Obviamente, no início, foi complicadíssimo, como não tínhamos nada, fomos construindo do zero e quando se constrói do zero, demora-se muito tempo. No entanto, se calhar, no início, para fazermos uma música, demorávamos uma semana ou duas. Agora, conseguimos, num dia, fazer a leitura, a glosa e começar a trabalhar os gestos. 

Quando começou o projeto, em 2010, não sabia L.G.P.…

Não, foi muito interessante, porque, em 2010... Eu dirijo o Coro da Universidade Católica, um coro de ouvintes, e eles [coralistas do projeto Mãos que Cantam] estavam, nesse ano, na universidade a tirar a licenciatura em Língua Gestual Portuguesa para formadores. O diretor do Instituto de Ciências da Saúde, o professor Alexandre Castro Caldas, e a professora Ana Mineiro, que eram responsáveis pelo curso, convidaram-me e desafiaram-me a integrar estes alunos na universidade e na vida universitária de uma maneira diferente. E porque não através da música ou da arte? E foi assim, foi um desafio que aceitei logo. Na altura, não tinha amigos surdos, nem familiares surdos. Não sabia nada da cultura ou da comunidade surda e, como tantas outras pessoas, dizia linguagem gestual e não língua gestual portuguesa. Combinámos, na altura, um encontro, porque também sentimos que, do outro lado, havia esta curiosidade de saber como é que poderíamos fazer música. Na altura, estava a trabalhar com uma intérprete que estava afeta ao projeto, e ela disse-me que ia chegar um bocadinho tarde ao encontro. Combinámos encontrarmo-nos na universidade, numa sala: cheguei primeiro e já lá estavam eles, uns seis ou sete, e a única coisa que consegui dizer foi olá. Não consegui comunicar, não consegui dizer nada. Aí, percebi que eu é que era a minoria, e essa coisa de não conseguirmos comunicar é muito complicada, mas também foi nesse momento que disse que: ‘É mesmo isto que quero fazer’. Quero usar a minha minha arte, que é a música, porque sou músico profissional, e tentar quebrar estas barreiras e mostrar que é possível fazermos música de maneira diferente, porque nós somos ouvintes, ouvimos a música, mas eles são surdos, eles vêem a música. A música é muito visual, portanto os conceitos musicais são completamente diferentes, não podemos restringirmo-nos àquilo que sabemos. Como cada um de nós sente a música de maneira diferente, eles também. 

A expressão musical é universal... 

Acho que podemos provar que sim: é universal, cada um canta com a sua voz. Cantamos com a nossa voz e eles cantam com gestos e não deixa de ser música: não deixa de ser música o gesto musical deles. 

O que é que tem aprendido acerca da musicalidade da L.G.P. ao longo de todos estes anos? 

Primeiro, apaixonei-me profundamente pela LGP, agora já sei falar. Não sou fluente, obviamente, trabalho sempre com uma intérprete, mas descobrir a potencialidade de uma língua que não estava desenvolvida no aspeto artístico é muito interessante. Poder contribuir juntamente com os surdos para construir este processo e desenvolver este processo artístico numa língua é extremamente motivador. Sendo pioneiros, muitas vezes, deparamo-nos com dificuldades, mas conseguimos ultrapassar essas barreiras aos poucos e mostrar às pessoas que é possível, realmente. 

Para além da importância de ter texto, que outros elementos procuram nas peças que interpretam? 

Primeiro, a profundidade do texto. O que é que significa? O que é que significa, não só para mim como ouvinte, mas o que é que significa para eles como surdos. Se é percetível, se as ideias abstratas do poema são percetíveis. De que forma é que poderão ser interpretadas em LGP? Se há gestos… Depois há outros aspetos mais práticos, mais teóricos também. Por exemplo, ter em conta o ritmo da música, ter em conta o tamanho das frases musicais, ou seja, coisas mais técnicas e que vamos incorporando ao longo do trabalho. Mas, acima de tudo, a preocupação com a profundidade do texto e se nos diz alguma coisa. Isso é o mais importante. 

Figo Maduro e Mãos que Cantam interpretam Ave Maria

No e-book, o coralista António Cabral foi citado a dizer que a comunidade surda pode interpretar o texto de forma diferente de pessoas ouvintes, por ter referências diferentes. Isto também influencia o processo criativo?

Obviamente, não nos podemos esquecer de que eles, sendo surdos, não têm acesso às mesmas coisas que nós, ouvintes, temos desde pequenos. Portanto, as dificuldades de aprendizagem são maiores. Não é por não terem capacidade, é porque nós, comunidade, país, não temos técnicas para poder dar acessibilidade equitativa a pessoas surdas. É um trabalho que tem vindo a ser feito. Portanto, é importante que a perceção de um texto poético seja para eles claro e quando há dúvidas, [que] possamos, como grupo, encontrar um caminho e uma solução. Tentamos perceber todos do que estamos a falar.

Mencionou há pouco o gesto estético. Como é que é esse processo de construção? Também desempenha um papel nesse processo? 

O gesto estético tem muito que ver com a performance. Eu sou cantor, portanto, quando canto, não canto com a maneira coloquial do dia a dia que uso para falar. Eles próprios, quando estão em performance, em interpretação musical, os gestos não são os mesmos do dia a dia quando estão a falar uns com os outros. Portanto, vão à procura do gesto estético, do gesto artístico, e isso é como se fosse o ensaio: perceber de que forma é que a interpretação daquela frase com aquele determinado gesto, encaixa e é percetível e coerente. Isto é um trabalho que demora algum tempo, obviamente, porque o gesto de ‘céu’, por exemplo, pode ser feito de várias maneiras, consoante a interpretação do texto. Portanto, há muita coisa que influencia este gesto estético, este gesto que é o gesto artístico, que é a maneira de eles se expressarem artisticamente, em que o gesto é mais amplo e mais longo, ou pode ser mais lento ou mais rápido, isso não importa, mas tem muito mais pressão. A expressão facial é muito importante, exacerbamos um bocadinho mais os gestos, tal como um cantor coloca a sua voz de maneira diferente.

O grupo de coralistas, na altura estudantes de licenciatura e mestrado, permanece o mesmo?

Na maior parte, sim. Entretanto, saíram alguns, mas entraram outros que não estavam ligados ao curso, mas que são surdos e que quiseram participar connosco. Qualquer surdo que sinta que tenha algo a dar artisticamente e que sinta uma vocação artística tem um lugar neste projeto. 

Notou interesse de pessoas que nem sequer estavam associadas à licenciatura ou ao mestrado na instituição?

É, acima de tudo, uma surpresa, porque a maior parte das pessoas surdas acha que é impossível fazer música e, se calhar, não pensaram bem que há um conceito diferente fazer música. Este projeto tem duas vertentes: uma vertente artística, mas também tem uma vertente educativa, que é a de sensibilizar a comunidade surda, principalmente, as crianças surdas, que é possível fazer música. Não só música, como teatro, como qualquer outra arte, e isso é muito importante. Por exemplo, tivemos há uns anos um projeto para levar o Mãos que Cantam às escolas de referência no país para trabalhar com crianças, e elas nunca tinham pensado numa coisa destas. É muito importante levar surdos adultos que eles têm como referência e mostrar que, sim, que isso é possível. Isso é das coisas mais importantes que já fizemos neste projeto. 

Têm investido nas iniciativas educativas do projeto… 

Ao longo deste tempo até temos tido formações em áreas muito diversas, nomeadamente em instituições públicas que nos convidam para fazer formações aos seus colaboradores. Por exemplo, vamos fazer uma formação com o Instituto dos Registos e de Notoriado, com pessoas que atendem ao público. A ideia de um surdo ir a um notário ou a uma repartição pública tratar de um assunto burocrático, é já mais complicado, não é? Mas é muito interessante e muito importante saber que do outro lado há uma pessoa que está sensibilizada a acolher esta pessoa surda. Não precisa de saber língua gestual fluentemente, obviamente, mas basta saber os básicos: ‘Olá! Bom dia! Boa tarde! Como está?’ Abre-se logo uma porta de comunicação e de confiança e a interação torna-se muito mais fácil. 

E têm sentido esse interesse por parte da população e de entidades? Notam o crescer dessa sensibilidade e procura? 

Sim, também está muito em voga esta ideia de inclusão – que não é um termo de que nós gostemos muito –, mas é a palavra que nos dá este conceito de incluir pessoas diferentes e as empresas estão muito recetivas. Não só as empresas, mas também a comunidade em geral. Aos poucos, vamos sensibilizando, vamos aparecendo e vamos dando a conhecer o nosso trabalho, mas também sensibilizando as pessoas para esta área, para estas pessoas diferentes, mas que vivem no mesmo espaço e que partilham o mesmo país, a mesma língua e que têm as mesmas necessidades que qualquer um de nós. É bom saber que a própria comunidade os aceita e os acolhe e está sensibilizada para isso. Não só surdos, mas invisuais, deficientes, pessoas com necessidades especiais e, neste momento, acho que há mais sensibilização para isso. 

Já tinha dito, numa entrevista à CNN, que o coro não gosta muito da palavra “inclusão”. Porquê? 

Eu dou sempre um exemplo que acho ser muito fácil de entender: temos um copo de água cheio – faz de conta que é a maioria – e quando incluímos, por exemplo, uma pinga de azeite, estamos a incluir qualquer coisa. Mas esta pinga de azeite não se dissolve, está ali. Isso é inclusão, é incluir qualquer coisa que à partida estava excluída, mas que, por si só, não participa, não interage. Então, o nosso objetivo é que não haja este conceito de inclusão, mas de interação, ou seja, temos o copo com água – que é a maioria – mas, se calhar, se adicionarmos o açúcar e o dissolvermos, isso sim, é interação. Trabalhamos todos por igual, não há um grupinho à parte e a música em língua gestual é mesmo isso: cantamos todos. Por isso é que nós estávamos integrados num coro e numa orquestra onde fazíamos a nossa voz, não como uma pinga de azeite, mas como o açúcar também diluído, todos estávamos ali por igual. 

O projeto Mãos que Cantam também atua com coralistas ouvintes ou trabalham de forma “isolada”? 

Não, não. O nosso objetivo é esta interação. Nós já trabalhámos com coro e orquestra, não só nas Jornadas Mundiais da Juventude, mas anteriormente também com o Coro e Orquestra Gulbenkian. Trabalhámos com vários coros e vários cantores, desde a Cuca Roseta, ao Jorge Palma e Xutos e Pontapés, já fizemos música medieval. Portanto, conseguimos também perceber que a LGP tem essa potencialidade: pode fazer de tudo, todo o tipo de música. Vamos ter um projeto, em novembro, com a Orquestra Metropolitana, onde também iremos participar com coro e orquestra. 

Projeto Mãos que Cantam e Coro da Universidade Católica interpretam Eu Sei, de Sara Tavares

Como correu a participação nas Jornadas Mundiais da Juventude

Foi uma experiência incrível. Deu muito trabalho, já estávamos a trabalhar nisto há cerca de dois ou três anos. São mais de 50 músicas, porque estamos a falar da nossa participação em todas as cerimónias principais, ou seja, na missa de abertura, o acolhimento ao Santo Padre, a Via Sacra, a vigília e a missa de envio, a missa final. Estamos a falar de mais de 50 músicas que foram trabalhadas e a maior parte delas com um léxico muito próprio, da igreja, da religião. São coisas que são mais complicadas e que são mais difíceis de perceber como é que fazemos em gesto estético, mas conseguimos fazer, obviamente, e integrámos o coro e orquestra como músicos que somos. 

O processo de adaptação do vocabulário de teor religioso deve ter sido muito complicado… 

Claro, mas trabalho com a nata da LGP [risos]. São académicos da LGP e dominam-na: são referência na comunidade surda e cada um deles esteve responsável por uma cerimónia. Portanto, depois de cada um deles ter trabalhado na sua cerimónia, juntámo-nos e fomos estudando para perceber se algo tinha de ser alterado. Estamos a falar de um trabalho intensivo, mas como já temos 12 anos disto foi muito mais fácil. No final destas jornadas ainda se tornou mais fluente e mais dinâmico esta perceção de trabalharmos em músicas. 

O coro conseguiu entrar em contacto com jovens surdos de outros países? Houve esse intercâmbio?

Foi muito difícil, mas conseguimos ter a Bruna Saraiva, que é uma jovem surda do Algarve, à qual pedimos para fazer o hino da jornada em LGP: nós fizemos a glosa e os gestos e ela depois interpretou. Convidámo-la e ela aceitou participar connosco nesta semana dura de jornada. Tivemos sempre nos ecrãs dos recintos para a interpretação das músicas para os surdos presentes. Apesar de ser em LGP, é uma expressão artística e a maior parte dos surdos, mesmo de outros países, compreende, porque não estamos a expressar literalmente o texto, expressamos conceitos. Portanto, é muito mais fácil a perceção por outros surdos de outros países. Foi uma experiência única. 

Bruna Saraiva interpreta a adaptação do Hino das JMJ 2023 para Língua Gestual Portuguesa

Há uns meses o coro participou também na quinta edição dos PLAY — Prémios da Música Portuguesa… 

Participámos nos Prémios Play com um medley das canções nomeadas para Melhor Canção do Ano. Foi também muito interessante, porque trabalhámos não só com um coro, os SHOUT, mas com os Bateu Matou também, que são um grupo de percussão. Eram três grupos a interpretar este medley, portanto, foi fantástico. Não foi só o canto, não foi só o coro, não foi só os percussionistas, foram estes três grandes universos: a voz, o gesto e o ritmo estiveram presentes nos Prémios Play e isso foi muito importante também. 

Atuações como esta simbolizam um maior reconhecimento e valorização da musicalidade da LGP? 

Acho que sim, vamos sensibilizando aos poucos. Isso não quer dizer que não nos esbarramos muitas vezes ainda com a insensibilidade e com a discriminação nesta área. Ainda assim, aos poucos vamos sensibilizando as pessoas para esta maneira diferente de fazer música, não só para o projeto Mãos que Cantam, mas sensibilizando as pessoas para outros projetos diferentes, acima de tudo, a comunidade cultural e a comunidade artística do nosso país. 

Shout, Bateu Matou e Mãos que Cantam atuam na 5.ª Edição dos PLAY - Prémios da Música Portuguesa

Que tipo de barreiras e discriminação sentem por parte da comunidade artística ou por parte da sociedade portuguesa, em geral? 

São barreiras construídas, acima de tudo, por falta de conhecimento, por não estarem sensibilizados, por não saberem como fazer. Não é por má vontade, atenção, é mesmo por desconhecimento. É contra esse desconhecimento que nós trabalhamos, que aparecemos e que sensibilizamos. Aos poucos, as pessoas vão percebendo, conhecendo e vão-se adaptando também, porque nunca é por má vontade, é mesmo por desconhecimento, de não saber como fazer, como lidar ou de como referir. Acima de tudo, nós tentamos muito pôr as coisas em gavetas muito próprias, não é? E, às vezes, o projeto Mãos que Cantam também não sabe bem o que é [risos]. O que é isto de pessoas surdas que cantam? Mas emitem sons? É o ritmo? Só depois é que percebem que trabalhamos a LGP de uma forma diferente. Acho que temos vindo a fazer um grande trabalho de sensibilização. 

Quais são as expectativas que tem para o futuro do projeto? 

O futuro é continuar a trabalhar neste sentido, a trabalhar com mais músicos. Vamos fazer vídeos e convidar músicos portugueses de referência para participaram connosco, para sensibilizar não só os músicos, mas a comunidade em geral. Vamos um bocadinho também nesta senda da formação, da sensibilização em áreas muito específicas da Administração Pública, por exemplo, do apoio ao cliente: pessoas que estão muito ligadas ao trabalho com contacto com as pessoas e isso é muito importante. Continuar este trabalho de investigação, de desenvolver as técnicas de direção, no meu caso, de direção de música para pessoas surdas, e eles a continuarem a procurar a sua vertente artística cada vez mais e profissionalizarem-se nesse sentido.

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