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Sílvia Real: “Este concerto é uma espécie de homenagem privada à importância da música na minha vida”

O Concerto n.º 1 para Laura é o novo espetáculo de Sílvia Real e da…

Texto de Isabel Marques

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O Concerto n.º 1 para Laura é o novo espetáculo de Sílvia Real e da Associação Produções Real Pelágio, que estará em cena no São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa, de 2 a 6 de fevereiro.

Esta é uma criação que pretende mergulhar ao longo de três décadas de repertório artístico da coreógrafa e da companhia através de um universo saturado de referências musicais ecléticas, personagens femininas marcantes e de figurinos fantasma. Simultaneamente, pretende ser uma chamada de atenção à realidade e um apelo à ação.

O espetáculo apresenta ainda a particularidade de reunir os cúmplices de longa data de Sílvia Real, entre eles, o coreógrafo Francisco Camacho, a música Sofia Sequeira e a investigadora Simone Longo de Andrade. Integram ainda a peça dois jovens bailarinos, Beatriz Valentim e Magnum Soares, intérpretes e cocriadores do espetáculo.

O Concerto n.º 1 para Laura é assim um mergulho íntimo do qual emergiram com um renovado fulgor palavras e canções que, outrora familiares, se somam agora a outras palavras e canções, apropriadas por uma banda em (des)construção, para dar voz ao que mais importa: a empatia, a cooperação, uma ideia viva de revolução. O palco como lugar de união, combate e utopia.

Envolvidos entre a dança, a música e o teatro, o Gerador esteve à conversa com Sílvia Real para procurar perceber melhor o conceito deste espetáculo, bem como para refletir acerca dos 25 anos das Produções Real Pelágio.

Gerador (G.) – Concerto n.º 1 para Laura é a sua nova criação. O espetáculo surge numa altura em que a Produções Real Pelágio, associação cultural fundada em 1997 por Sílvia Real e Sérgio Pelágio, celebra 25 anos de existência. Este espetáculo pretende assumir-se como uma chamada à realidade e um apelo à ação. Sente que a cultura tem esse efeito sobre quem a vê? Já agora sobre que aspetos pretende refletir/alertar a sociedade?

Sílvia Real (S. R.) – É uma questão muito importante, e eu espero que as artes em geral façam o público refletir. Por outro lado, acho que a arte também serve para aliviar. E aliviar é uma palavra estranha, mas é realmente isso. Não só a nível de intérprete, mas também a nível pessoal. Muitas vezes, em momentos piores, a dança e a música são uma espécie de salvações para continuar a acreditar. 

Portanto, se eu sinto isso pessoalmente, individualmente, também espero e gostaria muito que o público, ao ver os nossos espetáculos, também encontrasse essas saídas de escape. Um palco como uma espécie de um lugar seguro, onde, por exemplo, a liberdade é inigualável. E, portanto, esse refúgio, onde as pessoas podem relaxar e, se calhar, sair mais esperançosas dali. Eu tento sempre equilibrar essas questões. Por um lado, a reflexão mais demorosa e mais catastrófica, mas também este lado mais de alívio. Eu acho que este é um momento muito específico mundial, mas as artes têm de refletir isso.

©Estelle Valente - São Luiz Teatro Municipal

G. – A cultura acaba por assumir um papel de relevo face aos tempos que vivemos...

S. R. – Sim, sem dúvida e seguro. Este espetáculo começou a ser construído há exatamente dois anos quando a pandemia se desencadeou. Na altura, uma das questões que me moveu foi não ficar sentada no sofá, entre aspas, à espera de que alguma coisa mudasse, a observar o mundo a colapsar, literalmente. Eu sempre me senti privilegiada porque, apesar de estar mal, ainda me conseguia mover de alguma forma. Essa vontade de ajudar, não sabia como, levou-me a encontrar pessoas incríveis. Posso mencionar um grupo que ainda pertence à ação corporativista. A ação corporativista é uma ideia da figurinista, bailarina e coreógrafa Carlota Lagido de juntar pessoas, artistas, bailarinos, atrizes, jornalistas, produtores e por aí fora. Nessa altura, sentia que me tinha de juntar a mais pessoas. Algumas conhecia bem, outras, não, e foi incrível esse contacto para ajudar e perceber onde é que estão as fragilidades maiores. Para perceber quem são as pessoas que precisam de dinheiro para ir ao supermercado porque já esgotou e como podemos apoiar, de várias formas, essas pessoas. Portanto, essa ação que depois passa um bocadinho para o espetáculo, espero, também passou por uma mudança. Não é que eu anteriormente me sentasse no sofá, mas a verdade é que a ação das pessoas, sem querer, fica limitada à ação de equipas. Portanto, a pandemia e aquele tempo de reflexão com os confinamentos foram mesmo importantes.

©Rita Delille

G. – Sente que foi essa vontade de ajudar o outro, de levar a cultura até ao outro, que a fez levantar do sofá, como me referia?

S. R. – [risos] É assim; levar o nosso trabalho ao outro sempre foi um objetivo, se calhar até o principal, das Produções Real Pelágio. Lembro-me de há 25 anos andar a viajar com o Sérgio Pelágio e, mais tarde, com o Francisco Camacho, tendo até feito um dossiê de circulação que disponibilizámos à comunidade da dança, e a ideia era precisamente essa. Nós não éramos conhecidos, estamos a falar há 30 anos, e, portanto, essas viagens, o conhecer porta a porta, o conhecer programadores, o conhecer presidentes das câmaras era acreditar que poderíamos levar este trabalho da dança até outros lados. E, desde aí, tem sido fantástico. Há contactos e programadores que ainda são nossos apoiantes e graças a eles quando não temos o apoio da DGArtes e do Ministério da Cultura são eles que nos continuam a suportar, o que é incrível. Por exemplo, o Festival Y da Covilhã, a Casa Branca, Serralves, há muitos coprodutores. Essa vontade sempre esteve presente. 

Neste momento, temos estes contactos todos e queremos continuar a ter mais e mais, mas acho que os tempos exigem, pelo menos é isso que sinto, acreditar que as crianças terem um acesso regular à cultura faz diferença e que as transforma em pessoas mais confiantes e mais criativas. 

No fundo, é querer ampliar a nossa experiência a mais pessoas. No entanto, voltando um bocadinho atrás no confinamento, se eu pensasse há uns anos que eu ia trabalhar sobre este passado nem pensar. Passado já está. Eu sou uma pessoa muito do presente, do agora. O que é certo é que coincidiu com o início da pandemia eu ter de despejar um barracão cheio de tralhas, fotografias, adereços, diários, cassetes, figurinos, e toda essa exigência foi muito forte. E de repente ao ter de guardar umas coisas e ao ter de deitar outras fora, comecei a perceber que se calhar havia ali algumas coisas que podia reutilizar. E coincidiu com uma altura em que a Real Pelágio não tinha tido apoio sustentado. Estávamos a reestruturar tudo a nível de equipa, deixámos de fazer digressão com o nosso Grupo 23 Silêncio, uma equipa de 17 pessoas, e que, na altura, a solução foi mesmo extinguir o grupo. Portanto, tudo indicava que o formato mais certo seria um solo novamente.

Por isso, foi um regressar a memórias boas e a outras não tão boas. A objetos e adereços que me lembravam de pessoas que já morreram. Portanto, oscilei muito e foi um trabalho de grande solidão porque, na verdade, essa investigação que fiz, durante a pandemia, foi um trabalho solitário. Nós não podíamos estar com ninguém. Felizmente, tenho a sorte de viver perto e ia a pé para o teatro, mas foi uma solidão com estes fantasmas todos à minha frente e eu a ter de investigar sem saber bem o que ia fazer. Sabia que queria manter a equipa adulta, e isso seria possível.

Entretanto, passou de solo a trio porque fomos repescados pelo Ministério da Cultura em que conseguimos ser financiados. Quando surge um financiamento para dois anos, e aí também essa ação política de ter conhecido outras pessoas, também me fez refletir. Já que estou nesta hipótese de reutilizar materiais, não gastar dinheiro, porque assim não o exigia, vou manter isso, mas vou ter mais pessoas a trabalhar. Vou dar emprego, mais contratos de trabalho possível e focar em aliviar essa precariedade dentro de uma equipa pequena. Portanto, isto tornou-se um trio. Rapidamente convidei os meus intérpretes mais crescidos do Grupo 23, que tem 26 anos, a Beatriz Valentim e Magnum Soares, excelentes intérpretes.

©Estelle Valente - São Luiz Teatro Municipal

G. – Há bocadinho falava-me que para si a dança é uma espécie de salvação. Sendo este um espetáculo que vive muito da música e do teatro. Sente que é através desta arte que os “seus males espanta”?

S. R. – [risos] Ai, sim, completamente! Então falando da música porque, quer dizer, nós nem somos músicos, nem cantores e estamos aqui a apresentar um título que é um concerto. N.º 1: o que é que isto quererá dizer? Vamos ver.…Para Laura... 

Apesar de os trabalhos da Real Pelágio serem sempre difíceis de se catalogar, já que nós apresentamos o nosso trabalho em festivais de dança, teatro, música, de marionetas, de performance… Porquê? Porque eu enquanto intérprete apesar de a minha formação ser cinco anos de dança contemporânea, clássica, um bocadinho de jazz e teatro, paralelamente a esta formação eu trabalho há 25 anos com um músico de jazz. Portanto, as influências são brutais, a todos os níveis, não só nas construções das bandas sonoras, mas também no meu acompanhamento. Para além da minha adolescência. Na verdade, a música é que me levou à dança. Isso para mim é muito claro. Portanto, este concerto é uma espécie de homenagem privada à importância da música na minha vida. Nos momentos piores e melhores, mas realmente há um conforto muito grande. A dança também. A dança é mais a nível terapêutico, mas sem o ser. Eu acho que houve uma altura no meu percurso que eu dançava menos em palco porque pressentia que havia ali algo teatral que me apetecia explorar. E encontrei isso no trabalho da coreógrafa Vera Mantero.

Agora a música é o motivo para mover o resto.

©Estelle Valente - São Luiz Teatro Municipal

G. – Por curiosidade, e já que levantou a questão, porquê do N.º 1 para título deste concerto?

S. R. – Pois é... Eu não quero revelar muito sobre o título porque precisamente no último espetáculo da Laura Quer, que estreou em 2019, também tinha lá a Laura e tentávamos sempre nas entrevistas não dizer quem era a Laura. E queremos manter este enigma. É também uma ligação muito forte que eu tenho com o Francisco Camacho. A ideia do título também parte um bocadinho de não querer fazer spoiler. O ser N.º 1 também é intrigante. E aqui acho que posso explicar um bocadinho...

Quando estávamos a tentar encontrar um título e passámos por várias versões, o que é certo é que nós não somos músicos, mas estamos a tocar, exceto a Sofia Sequeira. Nós estamos a tentar formar uma banda de garagem, diria eu, e essa tentativa de tentar tocar um instrumento, cantar, olhar para o público, dançar, esta é uma experiência com altos e baixos. Eu já tinha cantado noutros espetáculos, portanto já tenho alguma experiência, mas nunca tive aulas de canto. Apesar de no último espetáculo da Laura ter cantado uma canção, e foi isso que me levou a querer repetir neste, eu não sou nenhuma profissional do canto. O N.º 1 surge realmente desta piada que é realmente o nosso número um. É o nosso primeiro concerto, mas vai ser para sempre o nosso primeiro concerto. Ainda somos principiantes.

©Estelle Valente - São Luiz Teatro Municipal

G. – Mas isso também acaba por tornar o projeto mais desafiante...

S. R. – Exatamente! Eu acho que esta paragem no mundo teve coisas terríveis, mas também superpositivas. Eu conheço pessoas que alteraram profissões e as suas vidas, de uma maneira criativa, e isso é muito bom. Por isso, nem tudo foi catastrófico, mas a criatividade também ajudou a suportar e, se calhar, algumas pessoas agora até já têm uma reflexão mais profunda sobre o que querem fazer. Realmente eu queria arriscar. Não queria fazer só mais um espetáculo. Não. Já que tive este período e aprendi muito com os jovens… Aliás, o meu primeiro espetáculo apresentado numa sala, em 1995, na Covilhã, já tinha esta coisa de arriscar e de fazer algo que nunca ninguém tenha feito. Tinha aquela energia toda de quando sais da escola e é o teu primeiro trabalho. Na altura, surgiu-me a ideia de me pendurar pelos cabelos, imagina só. Tive de aprender um truque circense que realizei no espetáculo e que foi mesmo difícil de a executar. A ideia era interessante, basicamente era um espetáculo que revelava a minha paixão pela voz da Maria Callas. Mas foi um arriscar porque eu tive cerca de seis a oito meses só para aprender este truque. Neste momento, sabia que queria arriscar e saiu isto. [risos] Não só saiu isto como saiu um trabalho incrível que se tem desenvolvido com a Simone, que partiu da ideia de trabalhar com crianças e jovens, e desde aí que ela tem feito parte do núcleo principal da equipa. Portanto, eu queria que esse trabalho também fosse arriscar mais em OK, nós já temos imensas preocupações nesta área, mas vamos mais longe. Vamos homenagear as nossas heroínas e heróis e falar deles. Acho que há uma regressão enorme, atualmente, a nível de políticas, de democracias, e por aí fora, é muito grave o que estamos a viver. E vem a frase do James Baldwin que ainda é preciso encarar que temos problemas. É importante dizer que em Portugal há muito racismo, é importante dizer isto. Há muita xenofobia, há situações incríveis que nos estão a ser relatadas pelas crianças que nos dizem que querem alterar a sua cor de pele a chorar. Aqui em Lisboa. Não estamos a falar de recintos que têm menos informação. Há ainda uma espécie de nuvem há volta destas questões.... Fala-se mais com certeza, mas há pessoas que ainda dizem esta barbaridade que é não, nós não somos um povo racista. Realmente é muito grave. Há muito por fazer.

©Rita Delille

G. – Há pouco também já me referia que este foi um espetáculo com propostas de todo lado. Neste caso, esta nova criação, tem estreia marcada na Sala Mário Viegas do São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa, de 2 a 6 de fevereiro. Logo de seguida, a 18 de fevereiro, será apresentado no Teatro-Cine de Torres Vedras e, depois, no Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco, em data a anunciar. Esta opção pela exibição em vários espaços pretende, de certa forma, ser um mecanismo de descentralizar a cultura?

S. R. – Claro que sim! Isto é todo um processo contínuo e que passa por várias ramificações. O facto de irmos ao máximo possível de teatros ou de irmos lá fora. Por exemplo, as histórias magnéticas têm um percurso internacional incrível e são espetáculos para crianças, que são feitos em escolas, teatros, bibliotecas. Portanto, é um espetáculo muito portátil. Os nossos espetáculos já tiveram mais esse cariz internacional, agora nem tanto, mas queremos voltar.

Mas claro que sim! Em Portugal, é importantíssimo levar estas nossas preocupações e todas estas nossas crenças até ao outro. Nós fazemos espetáculos com oficinas, normalmente, a seguir, por exemplo, com crianças. Portanto, não é um trabalho de despejar ali o espetáculo. É a seguir termos espaço para ouvir as perguntas deles, para passar mais informação, dúvidas, mas também outro tipo de informação mais pedagógico que achamos importante para acompanhar o espetáculo. Isto aconteceu, na verdade, também com a Madalena Vitorino, coreógrafa, na altura, programadora do CPA, Centro de Pedagogia e Animação, que viu um espetáculo nosso e disse que era para crianças. E nós nunca pensámos em crianças. A partir daí, tivemos 15 anos em digressão com espetáculos da trilogia da senhora Domicilia e realmente é isso que tu dizes. O facto de levarmos a nossa semente em termos artísticos, os nossos pontos de vista e falar sobre a falta de liberdade, em certos países, a sorte que temos em ter o 25 de Abril, todas estas questões muito políticas, nós estamos sempre a passar paralelamente com as questões estéticas. Não queremos infantilizar os nossos discursos e por isso não fazemos espetáculos só para o público infantil. Não. Se eles são entendidos pelas crianças ou se há um programador que sente isso fantástico. Quando de repente nos apercebemos de que as crianças têm comentários inacreditáveis e inéditos, às vezes muito mais interessantes que os adultos, é extraordinário.

Aliás, eu lembro-me de dois comentários que nunca mais me esqueci... Um deles é uma criança que está a ver um espetáculo e que pergunta se ela era um homem. Portanto, eu era a personagem, a senhora Domicilia, claramente com uma saia, feminina aparentemente, mas com uma fisicalidade muito endógena. A verdade é que aquela criança questionava se eu realmente não seria um homem ou um robô. Foi incrível porque aquele comentário fez com que o espetáculo crescesse e que  , ou seja, se eles sentem isso vamos falar sobre ela. Qual a importância e porquê. Outro exemplo foi uma criança ter-nos dado a solução para um final de um espetáculo. Nós fazíamos ali durante muitos anos workshops e as tais oficinas e uma vez houve um desenho em que a criança me apagou com a esponja, que era um dos meus adereços da personagem, até ficar uma folha branca. E foi fortíssima. Portanto, ao apagar esta personagem foi assim de repente uma solução que parecia de uma magia.

©Estelle Valente - São Luiz Teatro Municipal

G. – Já fomos falando que o Concerto N.º 1 tem a particularidade de convocar os seus cúmplices de longa data, como o coreógrafo Francisco Camacho – que assina consigo a coreografia –, a música Sofia Sequeira e a investigadora Simone Longo de Andrade. Em palco, juntam-se ainda os jovens bailarinos Beatriz Valentim e Magnum Soares, intérpretes e cocriadores do espetáculo. Porquê estas pessoas e não outras? Que particularidades é que estas personagens trazem até este projeto?

S. R. – Realmente, nós somos uma grande equipa! Na verdade, nós somos seis pessoas no núcleo principal, nem estou a falar dos colaboradores, temos seis professores a trabalharem regularmente em escolas, mas neste espetáculo, para além destas, temos o Francisco, a Sofia, a Ainhoa, a Simone, etc. Por isso, temos mais não sei quantas pessoas neste projeto. Portanto, porquê estas pessoas e não outras? O Francisco é o meu colaborador extraordinário há 30 anos. Antes de a Real Pelágio aparecer, eu conheci o Francisco graças à bailarina, coreógrafa, uma mulher incrível, a Mónica Lapa, portanto foi ela que nos apresentou e mencionou que achava que nos íamos dar bem. Não sabia bem porquê. E lançou-nos este desafio porque na altura queríamos circular umas peças pequeninas. Eu precisava de um bailarino, não conhecia ninguém… Francisco Camacho. Conheci-o, achei-o desde logo curioso, porque não sabia nada dele, portanto vamos lá. E, desde aí, já fizemos em conjunto, pelo menos, cinco espetáculos, com longas produções. Para além disso, trabalhámos em projetos em que ambos éramos intérpretes de outro coreógrafo no caso da Filipa Francisco e também coabitámos o Teatro da Voz, quando viemos para aqui, portanto tivemos durante oito anos a partilhar um espaço.

Para além disto tudo, temos afinidades artísticas e estéticas, e o trabalho das bandas sonoras, que já falei há pouco, que eu ia assistindo um bocadinho por fora, porque vivo com o Sérgio Pelágio, portanto isso sempre ajudando e opinando de alguma forma. É um colaborador extraordinário. São 30 anos de colaborações que continuam. Há qualquer coisa de procura constante. O Francisco nunca fecha demasiado, e isso para mim é fundamental. Por outro lado, esta questão da liberdade que nos dá enquanto intérpretes.

As outras pessoas... A Simone já falei um bocadinho, a Sofia claramente teve um trabalho incrível com o Grupo 23, durante estes dois anos, conhece-me há longa data e acompanha o meu percurso, desde sempre. É uma pessoa muito interessada no trabalho da dança. Estes jovens artistas são outra realidade, querem compreender este trabalho que nunca viram. É tudo em vídeo, eles nunca assistiram a estes espetáculos, são muito jovens. Portanto, há aqui uma energia nova ao lançar este trabalho para não ser uma proposta demasiado autobiográfica. Então, fazia sentido escolher estas pessoas para também abanarem com o passado. Por não falar na Susana, que trabalha em comunicação comigo, e que tem feito um trabalho incrível porque me ajuda a pensar e a repensar. Ela não é artista, é da área da comunicação, mas gosta imenso de refletir a dramaturgia dos espetáculos, o que vê, ir encontrar a forma certa mais na área da escrita de passar esta informação. É assim uma pessoa muito importante. Já por não falar nas produtoras extraordinárias que me acompanham. Por exemplo, a Sofia Afonso, a nossa produtora principal, já há muitos anos que está connosco, pela primeira vez foi ela que fez o nosso teaser.

©Estelle Valente - São Luiz Teatro Municipal

G. – Refletindo agora um pouco sobre a associação Produções Real Pelágio e sobre este aniversário dos 25 anos. O que fica por alcançar? O que é que gostava de atingir nos 25 anos seguintes?

S. R. – [risos] Exato! 25.... Muito bom, otimista. [risos] Então, já tenho 52 anos, portanto mais 25 se calhar é demais, mas nunca se sabe. Nós realmente temos tido um percurso muito acidentado, com altos e baixos, e já tivemos várias vezes em risco de acabar…

Já há oito anos que retomámos estes apoios com a DGArtes, mas não era sustentado e, desde aí, tanto temos e conseguimos, como temos de reformular tudo. Portanto, há alguma instabilidade...

Este ano vamos fazer uma nova candidatura para quatro anos, pelo menos é esse o nosso desejo, e estamos com muita ansiedade sobre isso porque a equipa cresceu imenso. Mas vamos a ver o que acontece porque nós já por duas vezes fomos eliminados e depois fomos rebuscados. O dinheiro não chega porque a cultura tem a importância que tem, mínima, e os políticos não acreditam que a cultura e as artes em geral transformam as pessoas e não acreditam o suficiente. Portanto, toda essa mentalidade pequenina faz com que tentemos, mas não tenhamos força suficiente.

O que é o futuro da Real Pelágio? Não sei, mas espero bem que não seja acabar com a equipa daqui a um ano, que vai ser muito doloroso. Espero que a DGArtes evolua no que valoriza e que a educação esteja muito mais presente e seja maia valorizada. Esse é o meu maior desejo.

Estes 25 anos, para mim, é sempre um bocado estranho porque não me sinto nada velha, esqueço-me da minha idade constantemente, e até, por exemplo, este aniversário foi a Susana que levantou. Parece, na verdade, que este espetáculo tem que ver com o aniversário, mas na verdade não tem nada. É totalmente coincidência porque realmente estou a falar de um passado, de um arquivo, mas espero que isto sirva para outras direções das escolas se influenciarem por nós, outros professores, outros artistas, e quererem fazer de outra maneira. Artisticamente, gostava que os políticos acreditassem mais no nosso trabalho e que esta precariedade acabe. E este estatuto que agora foi lançado que realmente se concretize e que ajude os artistas a viverem momentos menos difíceis porque ainda existem. Mais pensamento, mais reflexão…

G. – Gostava de acrescentar algo?

S. R. – Gostava só de terminar com esta citação de espetáculo que é da feminista e ativista Bell Hooks, “sempre pensamos os nossos heróis em conexão com a morte e a guerra”. É uma frase de que gosto muito e revela muito esta questão de quem são os nossos heróis e heroínas e as nossas mulheres.

Texto de Isabel Marques
Fotografias de ©Estelle Valente e ©Rita Delille

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