A diminuição da taxa de sindicalização entre os jovens trabalhadores é uma das causas da crise vivida pelo sindicalismo. Quem o diz é Jelle Visser, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Amesterdão e autor do estudo Sindicatos. Um equilíbrio em tempos de mudança, publicado pela Organização Internacional do Trabalho, em 2019.
“Os jovens sempre se sindicalizaram menos do que os trabalhadores mais velhos, mas o que vemos é que em cada geração, nos últimos 30 ou 40 anos, tem havido cada vez menos jovens sindicalizados”, explica o académico, em entrevista ao Gerador. Com base na análise de dados disponíveis para vários países industrializados no continente europeu, americano e Oceânia, Visser concluiu que a densidade sindical de trabalhadores com idades entre os 16 e os 25 anos era menor em 2014 do que em 2000, e menor nesse ano do que em 1990.
Em Portugal, o INE (Instituto Nacional de Estatística), o Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público afirmaram não possuir dados sobre a sindicalização de trabalhadores por faixa etária quando foram contactados pelo Gerador, via e-mail. Os únicos dados existentes são publicados pela CGTP-IN (Confederação-Geral dos Trabalhadores Portugueses — Intersindical Nacional) e referem-se aos jovens sindicalizados nas estruturas filiadas nesta central sindical.
De acordo com a CGTP-IN, cerca de 32,2% das novas sindicalizações registadas entre 1999 e 2003 foram realizadas por jovens até aos 30 anos de idade. Entre 2016 e 2020, este valor tinha descido para menos de metade: 14,1%. A única vez em que a tendência de decréscimo se inverteu foi durante o último mandato da estrutura: entre 2020 e 2024 sindicalizaram-se 16 206 trabalhadores com até 30 anos de idade — mais 0,8% do que no mandato anterior.
“O número de sindicalizados não é a única coisa que importa para o movimento sindical”, sublinha Inês Branco, dirigente da Interjovem, a estrutura dos jovens trabalhadores da CGTP-IN, em entrevista ao Gerador. “Mas 16 mil [sindicalizações] entre 2020 e 2024 é um resultado que temos de valorizar, porque estamos a falar de anos de pandemia que foram muito complexos para o movimento sindical.”
Para justificar a tendência de decréscimo das últimas décadas, Inês Branco aponta para o “desconhecimento” e “desinformação” existentes em torno do sindicalismo, mas destaca a precariedade como um dos “grandes desafios” da juventude que dificulta a sindicalização dos mais novos. “Encontro jovens que estão muito disponíveis para a luta [sindical], mas têm um contrato a prazo e não sabem se vai ser renovado quando acabar. Claro que esse jovem não está nas melhores condições para dar o passo [e sindicalizar-se].”
Em 2022, seis em cada dez jovens empregados entre os 15 e os 24 anos de idade tinham vínculos laborais precários — uma proporção que descia para 14% entre os trabalhadores com mais de 25 anos — e cerca de metade dizia estar nessa condição por não conseguir encontrar trabalho permanente. As conclusões constam de um relatório da Pordata, divulgado em 2023, que demonstrava ainda que os salários destes jovens eram, em média, 27% inferiores aos salários da população em geral. Já a taxa de desemprego era também quatro vezes superior à taxa dos trabalhadores entre os 25 e 74 anos.
A par dos vínculos precários, a degradação das condições de trabalho e a desregulação do horário laboral também podem dificultar a sindicalização dos jovens. “Quando o trabalho nos tira todo o tempo é difícil ter disponibilidade mental para dedicar à organização coletiva”, afirma Ricardo Gouveia, arquiteto de 31 anos, em entrevista ao Gerador. Apesar destas dificuldades, o jovem foi um dos fundadores do SINTARQ (Sindicato dos Trabalhadores em Arquitetura) — a primeira estrutura sindical do setor em Portugal, que parece ser uma exceção à tendência de decréscimo da sindicalização entre os jovens.
Em 2022, quando o sindicato foi constituído, a média de idades dos membros eleitos para os órgãos sociais era de 31 anos. Carolina Queirós tem 27 anos e sindicalizou-se em janeiro: “[O sindicato foi criado] para tentar agir: gostamos de arquitetura e queremos que este seja o nosso setor. Acho que não nos conformamos com as situações como estão”, assevera a jovem, em entrevista ao Gerador.
O inconformismo dos jovens arquitetos
A precariedade, os falsos recibos verdes, o abuso de estágios profissionais, os baixos salários, a instabilidade laboral, a desregulação de horários e a falta de progressão na carreira foram algumas das motivações que suscitaram a criação do Movimento dos Trabalhadores em Arquitetura (MTA), em 2019. Em abril de 2022, o MTA viria a transformar-se no SINTARQ.
Vanessa Mendes recorda-se do dia em que se sindicalizou: 14 de outubro de 2023, o mesmo dia em que o SINTARQ criou a secção sindical de Coimbra, onde a arquiteta reside e trabalha. A jovem de 29 anos acredita que a sua geração está mais consciente da importância da saúde mental e doequilíbrio entre a vida profissional e pessoal, e que os jovens já não se encontram tão disponíveis para normalizarem ou se sujeitarem a situações precárias. “O nosso sindicato é prova disso”, reitera, em entrevista ao Gerador.
Segundo um inquérito publicado pela Ordem dos Arquitetos, realizado entre os dias 15 de setembro e 30 de outubro de 2022 e no qual participaram 7649 arquitetos entre membros efetivos e membros estagiários, cerca de 48% destes profissionais trabalhavam mais de 40 horas por semana. Cerca de 16% dos inquiridos ganhavam menos de 850 euros líquidos mensais e cerca de 35% auferiam entre 851 e 1200 euros.
“Comecei a trabalhar em 2018 e foi um choque tremendo”, admite Andreia Pires, em entrevista ao Gerador. “Achei, na minha ingenuidade, que arquitetura me daria alguma estabilidade financeira e depois vim a perceber que não.” A arquiteta de 30 anos, natural do Porto, sindicalizou-se em setembro de 2022, tornando-se membro ativo do SINTARQ desde então. A consciencialização dos problemas que afetavam o setor e a “dinâmica horizontal” do sindicato foram algumas das motivações que a levaram a sindicalizar-se.
Antes do SINTARQ, diz Ricardo Gouveia, não havia nenhum instrumento coletivo que determinasse a “distribuição de riqueza” criada no setor da arquitetura. “A organização sindical é indispensável para fazer cumprir e progredir a lei do trabalho, de forma a criar instrumentos de regulação coletiva que permitam avançar as condições laborais.”
Está na hora de apostar nos jovens
“[Esta situação] é um problema em todas as organizações que precisam de mudar: tens de convencer os mais velhos a investir nos mais novos para [assegurar] o futuro, mas isto não é [uma tarefa] fácil”, enfatiza Jelle Visser, referindo-se ao investimento de recursos necessário canalizar para a sindicalização dos jovens trabalhadores.
Tânia Maltez, a presidente do secretariado da Comissão de Juventude (CJ) da UGT (União Geral de Trabalhadores), acredita que a existência de uma estrutura dedicada aos mais jovens na central sindical já é um sinal desse investimento. Ainda assim, refere que existe “pouca disponibilidade” por parte dos dirigentes mais velhos para atribuir posições de liderança aos trabalhadores mais novos.
“Fala-se muito sobre dar o lugar aos jovens, mas na prática não são muitos os [dirigentes mais velhos] que efetivamente saem para dar o lugar”, confessa a sindicalista, em entrevista ao Gerador. Alexandra Moura, membro suplente do secretariado da CJ, acredita que esta resistência pode estar relacionada com a “imaturidade” que ainda é associada aos mais jovens.
Ao mesmo tempo, Tânia Maltez ressalva que são poucos os trabalhadores que se disponibilizam para uma dedicação séria ao movimento sindical, sobretudo porque um compromisso com as estruturas implicaria consequências profissionais. Enquanto são jovens, explica a bancária, os trabalhadores ainda estão numa fase muito inicial da carreira, com um ordenado baixo e com eventuais perspetivas de carreira futuras. “O facto de saírem para a atividade sindical bloqueia um bocadinho essa evolução profissional: é um preço a pagar que todos os sindicalistas pagam.”
Questionada sobre a possibilidade de extinção das estruturas sindicais no futuro, face ao decréscimo da sindicalização entre os jovens, Alexandra Moura rejeita o cenário. “Acredito que em nenhum momento os trabalhadores vão permitir não ter representação, porque isso seria voltar a um regime ditatorial em que só a empresa, o patrão e o Estado têm o controlo da vida do cidadão.” A sindicalista aposta antes numa eventual “metamorfose” do modelo sindical vigente.
Ricardo Gouveia acredita que a “grande vantagem” de fazer parte de um sindicato é poder contrariar a “atomização” da vida laboral e quotidiana que, por sua vez, também pode dificultar a sindicalização. “Acho que a nossa geração vive, mais do que qualquer outra,a ofensiva hegemónica, cultural e política do neoliberalismo e da individualização de tudo na nossa vida.”
Foi o reconhecimento de que os problemas laborais que enfrentavam não seriam resolvidos através de “atitudes individuais” que fez com que os jovens do setor constituíssem um sindicato e se sindicalizassem — resta saber se no futuro outros jovens vão fazer a mesma aposta.
“Os problemas são coletivos e não se mudam pela excecionalidade ou competência pessoal, mas pela organização e pela criação de laços de apoio e solidariedade: acho que é isso que falta na nossa geração”, conclui Ricardo.