Teresa Murta, também conhecida como Teresa Costa Gomes, abraça as Artes Plásticas – um desígnio que sempre se fez ver e ouvir dentro de si.
De Lisboa para o mundo, estudou Artes Plásticas na ESAD das Caldas da Rainha. Desde 2013, começou a expor regularmente em Portugal e no estrangeiro.
Já expôs na galeria NAVE Showcase: Rock. My World., em 2019, numa mostra também individual e é ainda autora de exposições como “In>side<Out” (Galeria Wozen, 2017), “Mundo Plano” (Palácio Chiado, 2016) e das exposições coletivas “ARTFEM – Mulheres Artistas” (1ª Bienal Internacional de mulheres artistas de Macau, 2018).
Teresa conversou com o Gerador e, entre diversos detalhes e partilhas, falou-nos do processo obra-espectador que assenta nas “infinitas interpretações” do seu trabalho e que é algo que lhe agrada e a surpreende.
Gerador (G) - A Contemporaneidade e o Surrealismo abraçam-se nas tuas obras. A Rock. My World é uma das exposições individuais em que exploras diversas narrativas e perspetivas através de um pensamento muito teu: “o mundo de contrastes que se descobre ao levantar uma pedra. Recorrendo a uma frase muito interessante sobre este trabalho “Teresa apresenta mais uma fração do mundo de Murta”, acreditas que esta dimensão, a significação dupla, de escolha e de contraste poderão ser uma representação da Teresa Gomes e da Teresa Murta?
Teresa Murta (TM) - Talvez não pelo contraste, mas pela separação de duas ou mais atividades. É claro que o meu pensamento é o mesmo, sou a mesma pessoa. Não há propriamente um contraste entre o pensamento da Teresa e a autora Teresa Murta. Contudo, há, sim, uma distinção dos momentos de atividade, principalmente nos últimos anos. De forma também a proteger este lugar experimental decidi criar uma cúpula para os momentos de criação — sem nunca ignorar o que a transcende, mas protegendo este lugar seguro de outras preocupações — que, por exemplo, as minhas outras atividades profissionais exigem.
(G) - O quão importante foi para ti o dia em que decidiste escolher
enveredar nas Artes?
(TM) - Não houve propriamente um dia concreto. Já era algo que tanto eu como a minha família tínhamos consciência de que eventualmente iria acontecer. Tive muita sorte e sinto-me muito privilegiada por ter estudado em primeira instância. Privilegiada também por ter podido escolher uma área tão sensível e — apesar de cada vez mais profissionalizada — muito difícil — na qual não existem receitas para subsistir a partir dela, nem tão pouco para o sucesso. Um curso não nos dá nada — exige-nos muito e o maior teste vem depois. Respondendo de uma forma breve à questão — sempre quis e, felizmente, pude enveredar nesta área.
(G) - A Galeria NAVE promove a exposição de combinações artísticas contemporâneas e multidisciplinares num enquadramento de autor, incluídas no panorama nacional e internacional. De que forma surgiu esta ligação entre o teu trabalho e a galeria?
(TM) - A relação com a Nave começou com uma visita espontânea da Mercedes (dona e curadora da Nave) ao meu atelier, na altura na Rua de São Marçal, perto da Nave. Depois de vários encontros e conversas longas na galeria e de uma primeira mostra na Nave de alguns trabalhos anteriores a esta relação, deu -se a primeira exposição individual, "ABSURDO", que teve a curadoria da própria Mercedes. Foi ela que apoiou e acompanhou todo o processo de produção das obras e que, de alguma forma, também me orientou e tem vindo a orientar. Esta colaboração e orientação vai desde o fomento do meu percurso como artista em vários territórios até às suas fantásticas sugestões bibliográficas.
(G) - Tendo em conta uma das correntes artísticas em que a tua arte e as tuas obras assentam – o surrealismo — estes últimos quatro anos dedicaste-te também a referências como Gaston Bachelard. Conta-nos como foi que esta aliança aconteceu.
(TM) - Penso que, apesar de não haver uma aliança com o surrealismo, considero que possa haver ou ter havido certas tangências. A exploração do sonho ou do imaginário onírico foi algo que explorei tanto a nível visual como a nível teórico na última exposição, de facto.
Ao ler Baschelard, encontrei razão no irracional, o que intensificou a minha vontade de revisitar estas imagens que me lembro de manhã quando acordo — tão estranhas, e tão incríveis. No entanto, não creio que esta mística surrealista ou o interesse pelo inconsciente seja o cerne do meu trabalho. Há, sim, uma tendência para este contágio recíproco entre o que é imaginado e o que é pretendido.
(G) - Ainda sobre as tuas referências, interessa-te essencialmente trabalhar o inconsciente do espectador, que tudo ou nada vê?
(TM) - Aqui talvez me reveja mais, visto que, apesar de não ter como objetivo uma reação específica por parte do espectador, é realmente algo que me agrada — as infinitas interpretações que cada obra pode ter e de esse processo já não estar nas minhas mãos.
(G) - Airbag é o nome da tua próxima exposição individual em Bilbao, em janeiro do próximo ano. Descrito como “a transição mais eloquente da carreira”, acreditas que as tuas emoções, sonhos e ideias se destacam essencialmente no mesmo?
(TM) - Sim, penso que esta série de trabalhos que vou apresentar em Bilbao tem um timbre diferente. Desde o médium, às cores, até ao imaginário e contexto teórico — tudo tem de diferente em relação à última exposição.
(G) - Tendo em conta que alguns dos teus trabalhos anteriores também já estiveram expostos internacionalmente, sentiste que os olhares, as opiniões e as bagagens se destacavam pela diferença?
(TM) - Esta será a primeira exposição individual no estrangeiro e penso que só depois, então, vou conseguir recolher essas pistas e feedback. Em Bilbao vou mostrar o meu trabalho a um público que provavelmente nunca o viu (seja esta ou outra série), o que me fascina muito — perceber qual será o impacto e a reação desse público.
(G) - Olhando para as Artes Plásticas em Portugal, uma das coisas que se ouviu durante largos anos é que ser artista e mulher no nosso país é um “desafio colossal”. Acreditas que a desigualdade de género é uma realidade ainda incontornável?
(TM) - Sim, há ainda desigualdade de género em Portugal a nível profissional e não só — isso é um facto infeliz. Se nas artes plásticas ser mulher continua a ser um desafio colossal? — diria que não. Posso estar errada e ser privilegiada o suficiente para não ter sentido isso como um grande obstáculo, mas diria que, atualmente, ser mulher artista não é um desafio comparável ao que outrora foi. Pode ser que ainda poucas mulheres tenham o devido reconhecimento nesta área, mas quem para lá caminha penso que não sofre dos mesmos obstáculos ou critérios para o sucesso como artistas mulheres nas últimas décadas.
(G) - Qual é que achas que é o teu papel enquanto Murta, a artista?
(TM) - O meu papel como artista é não vacilar — ser fiel ao meu trabalho e a mim própria e tentar nunca desistir dele. Provar que valeu e vale a pena o tempo e investimento — tanto a mim como a quem me apoia e apoiou nas várias fases.
Texto por Patrícia Silva
Fotografias da cortesia de Teresa Murta
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