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Opinião de João Teixeira Lopes

Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997). É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto, Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a 29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

Uma filha aos 56: carta ao futuro

Nas Gargantas Soltas de hoje, João Teixeira Lopes fala-nos do ato biográfico e político de ter uma filha aos 56 anos.

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Ter uma filha aos 56 anos é, hoje, um gesto de insubmissão. Não é apenas ternura tardia, nem capricho biográfico: é um murro na mesa das convenções, um libelo contra a ideia de que a esperança tem prazo de validade. É escrever, à mão firme, uma carta para um futuro que muitos já dão como cancelado — e enviá-la assim mesmo, sabendo que os correios da História andam irregulares, mas ainda entregam mensagens de quem não desistiu.

Vivemos tempos em que a regressão se tornou atmosférica. Paira no ar, infiltra-se nos discursos, molda comportamentos, desacostuma as pessoas da decência. O meu colega e amigo António Firmino da Costa chama-lhe, com rigor doloroso, des-civilização: este processo lento, quase hipnótico, de perda de qualidades humanas que pensávamos sólidas. A brutalidade reaprende a falar; a ignorância veste fatos de autoridade; a intolerância conquista aplausos que julgávamos irrecuperáveis.

Neste cenário, ter uma filha não é apenas um ato íntimo: é uma pancada seca no cinismo dominante. É afirmar — contra as estatísticas, contra os profetas do colapso e contra as gavetas etárias que nos querem arrumar — que ainda há futuro a disputar. 

Aos 56 anos, esperam de nós o declínio organizado, a contenção, o silêncio polido de quem já viu o suficiente. Mas talvez seja precisamente na maturidade que a insubmissão mais faz sentido. Porque já aprendemos a desconfiar das receitas rápidas e dos moralismos preguiçosos. Porque já vimos o que o medo faz às sociedades quando as governa por dentro. E porque reconhecemos, com maior nitidez, que a vida não obedece às fronteiras estreitas com que a normatividade tenta cartografá-la.

Dizem que trazer uma criança ao mundo nestes tempos é irresponsável. Pois é exatamente o contrário: irresponsável seria ceder ao desencanto, baixar os braços, aceitar que a espiral de des-civilização é inevitável. Responsável — e radical — é responder à regressão com cuidado, à violência com criação, à resignação com uma aposta renovada na humanidade.

Uma filha aos 56 é a prova viva de que a idade não determina o tamanho do futuro que carregamos connosco. É um manifesto contra a gravidade do mundo — essa força que tenta puxar-nos para baixo, para o conformismo, para o “não vale a pena”. E é, sobretudo, um lembrete feroz: por muito que o presente se queira pequeno, há sempre espaço para gestos que o desafiam. Gestos que, por si só, reinstalam a ideia de que o futuro não é uma ruína anunciada, mas uma construção em disputa.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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