No passado dia 28 de maio, tiveram lugar, em Espanha, eleições municipais e autonómicas que ditaram uma derrota estrondosa de PSOE e da esquerda, que integram o governo que chegará agora ao seu fim. O partido liderado por Ione Belarra perdeu inclusivamente a representação em comunidades bastante relevantes, como Madrid e Valência. Será, no entanto, de sublinhar que, na Galiza e País Basco, tanto o Bloco Nacionalista Galego como o EH Bildu conseguem subir em votos, apresentando-se o soberanismo de esquerda como uma alternativa com força e pronta para disputar as eleições autonómicas do próximo ano. Pedro Sánchez, face aos resultados desfavoráveis e num golpe que procurou inverter a tendência de deterioração contínua da sua popularidade política, convocou eleições gerais para dia 23 de julho, numa jogada surpreendente e arriscada. Com eleições convocadas para o próximo mês e face aos retumbantes resultados da direita conservadora e da extrema-direita, urge, por um lado, fazer um balanço da governação na qual participou a esquerda e, por outro, questionar as perspetivas de unidade entre Podemos e Sumar.
Antes de avançar, será igualmente de destacar que, com a convocação de eleições antecipadas, ficaram por cumprir uma série de projetos legislativos progressistas nos âmbitos do trabalho, sustentabilidade climática e direitos LGBTQIA+ e das mulheres. Um destes projetos que ficará, para já, por cumprir é a lei dos bebés roubados que, respondendo a velhas reivindicações da esquerda antifascista, se propunha a fazer justas reparações na vida daqueles que, durante trinta e seis anos de ditadura franquista, foram raptados dos seus pais ou perderam os seus filhos por ação do regime. Com a ameaça de um governo futuro que possa juntar a direita conservadora e a extrema-direita, importantes legislações como esta ficarão por cumprir durante mais um ciclo político.
Em 2020, Unidas Podemos, integrou, pela primeira vez, o governo do Estado espanhol, ao lado do PSOE. Durante estes anos, ministros da coligação ocuparam pastas como a Igualdade, Trabalho e Consumo, tendo-se destacado no governo figuras como Irene Montero, Pablo Iglesias, Yolanda Díaz ou Alberto Garzón. Se foram possíveis avanços ao nível dos salários, da justiça fiscal ou dos direitos das mulheres e pessoas LGBTQIA+, não deixa de ser relevante apontar algumas promessas fundamentais que ficaram por concretizar, como a reversão das reformas laborais de Rajoy ou da Lei Mordaça. Deste modo, podemos questionar-nos se valerá realmente, para um partido de esquerda que pretende uma transformação profunda da sociedade, aceitar integrar a partir de uma posição minoritária um governo com uma força do sistema e do status quo, plenamente integrada nas dinâmicas capitalistas internacionais e em sintonia com todos preceitos da NATO e da UE.
No dia 5 de junho, o jornal El País publicou uma importante sondagem relativa às vindouras eleições que traz dados fundamentais para quem espera ansiosamente notícias das perspectivas de unidade à esquerda. Se Podemos e Sumar forem a eleições unidos podem conseguir entre 39 e 46 deputados e ficar à frente dos 38 a 40 deputados da extrema-direita, por outro lado, se escolherem ir a eleições separados, estima-se que conseguirão apenas cerca de 26 deputados, face aos possíveis 45 do Vox. A situação ganha ainda maior relevância visto que este número de deputados que estão na balança com as negociações à esquerda representam precisamente a diferença entre uma maioria absoluta do PP e do Vox e a possibilidade do regresso do PSOE ao governo. O peso destas negociações à esquerda é decisivo, com a possibilidade de afastar do governo do Estado espanhol uma força política apologista do franquismo, misógina, xenófoba e racista, homofóbica e profundamente reacionária. Alberto Feijóo, presidente do PP, já fez saber que em caso de vitória, medidas como o fim do Ministério da Igualdade e a derrogação da Ley Trans estariam na sua lista de prioridades. Como explicou o deputado do PSOL Guilherme Boulos num recente comício em Lisboa, “unidade não significa diluição” e cabe à esquerda o papel central de reconhecer a urgência da unidade face a um inimigo que põe em risco a democracia. Que a esquerda espanhola saiba fazer essa escolha.
-Sobre Leonor Rosas-
Estudou Ciência Política e Relações Internacionais na NOVA-FCSH. Está a fazer um mestrado em Antropologia sobre colonialismo, memória e espaço público na FCSH. É deputada na AM de Lisboa pelo Bloco de Esquerda. Ativista estudantil e feminista.