Parece uma tendência crescente dos últimos anos, mas não é totalmente consensual. A febre do vinil é, para alguns, sinónimo de um movimento mais amplo de nostalgia presente na sociedade contemporânea, sendo que, para outros, faz apenas parte da vida incomensurável que está por trás deste formato, desenvolvido nos finais dos anos 40.
Há certamente algo de cativante na experiência de manusear um disco de vinil. Seja pelo design das capas, pelo material de que é feito ou pelo ritual de se usar a ponta de uma agulha para que se obtenha som. Além disso, em especial nos últimos anos, as lojas de vinil ganharam mais força, cresceram em número e criaram um renovado espaço idílico para colecionadores, mas também para novos utilizadores.
Na perspetiva daqueles que há décadas colecionam este formato, as notícias em torno da morte do vinil no princípio dos anos 90 foram «altamente exageradas», fazendo com que muitos se desfizessem dos discos, em troca dos CD.
Não foi o caso de Rui Miguel Abreu, jornalista e crítico musical, que continuou a ser um ávido colecionador de vinil. Em casa, a sua coleção ultrapassa os 20 mil discos que continuam a aumentar de ano para ano. «A minha ligação ao vinil é emocional e cultural. Foi o formato com que cresci e com que me liguei à música», explica.
Para o jornalista, o atual revivalismo em torno do vinil faz parte de uma certa resistência ao mundo digital. «Hoje vivemos vidas tão digitais que há uma série de sinais que apontam para a revalorização de uma certa ideia de passado», sustenta, dando como exemplo o aparecimento de lojas de roupa vintage ou de barbearias tradicionais. «Enquadro a tendência do vinil no mesmo cumprimento de onda», acrescenta.
Como em quase todos os mercados sustentado por um «fetiche do objeto», existe atualmente muita falsificação, sendo por isso necessário estar atento à integridade daquilo que se adquire. Porém, neste cenário Rui Miguel Abreu salienta ainda que atualmente «o vinil é de melhor qualidade» por força de um leque de editoras que «estão a fazer um trabalho de grande cuidado nas edições», mas isso vai «torná-lo ainda mais caro».
Um formato que trouxe novas dinâmicas ao mercado
Certo é que o consumo do vinil tem aumentado, o que deu espaço a que surgissem mais lojas dedicadas quase exclusivamente a este formato. No Porto, Pedro Branco abriu a Porto Calling em 2012, ao vislumbrar uma oportunidade de mercado com potencial para crescer, mas também porque tinha um acesso facilitado ao vinil, que era, à época, mais barato de adquirir.
«A minha motivação foi abrir uma loja de música, neste caso apenas de discos de vinil,numa altura em que era mais fácil adquirir esse formato», sublinha. Olhando para o novo interesse face ao vinil, Pedro Branco realça que se observou nas últimas décadas um certo «desprezo pelos discos», mas que tem vindo a mudar.
«Com o tempo começou a surgir um interesse, talvez até pelo fenómeno das redes sociais. Mas ainda assim é um formato que cativa, talvez por ser uma experiência mais física», salienta o responsável.
Em Lisboa, José Moura fundou a Flur Discos juntamente com outros dois sócios em 2001, numa altura em que a transição para o CD parecia irreversível. Não obstante, os responsáveis optaram por dividir a loja ente os dois formatos, sendo que «há cerca de 5 anos, o vinil começou a ganhar mais espaço», refere.
«A tendência já vinha de antes. Já fomos abordados sobre o regresso do vinil há uns 10 anos, mas lentamente tem vindo a recuperar interesse junto do público», cada vez mais jovem, mas também daquele que «já deu a volta duas vezes, isto é, que se desfez da sua coleção mas que agora pretende regressar», conta.
A par com Rui Miguel Abreu, também José Moura considera que o revivalismo do vinil faz parte de um «certo movimento de interesse pela cultura retro». E muito embora não lhe agrade o termo, reconhece que lojas como a Flur beneficiam desse «hype».
Contudo, nesse mesmo cenário torna-se necessário diferenciar-se da restante oferta. No caso da Flur, além da sua oferta mais especializada em música eletrónica, dança e alternativa, tem-se apostado na criação de selos editoriais como a Holuzam e a Príncipe Discos. «Desta forma não temos apenas um papel passivo», realça.
Um formato para melómanos de diferentes gerações
Parte da explicação para uma tendência crescente no consumo do vinil deve-se, por certo, a uma nova geração de utilizadores. Ainda que seja, hoje em dia, um formato mais dispendioso, o «amor pelo objeto, pelo craft e pelo retro» são uma tendência cíclica, que atraem as gerações mais jovens.
É desta forma que Cláudio Soares olha para o revivalismo do vinil, formato que só recentemente começou a adquirir. Como novo utilizador, reconhece que é necessária «alguma independência financeira» para adquirir um formato que, em termos de preço, não se compara ao «valor médio» do CD.
Mesmo assim, Cláudio encontrou no vinil um objeto que se diferencia facilmente dos restantes formatos e que por isso vale a pena investir. «Compro vinil pela peça em si, pelo objeto. Pela capa em grande formato, pelos prints extra, pelas sleeves, pelas cores dos discos e pela reclamada magia de trocar o disco de lado. Também compro pelo som menos comprimido, pela textura e pela possível melhoria no som», sumariza.
Com os dias contados ou não, o facto é que o vinil teve uma ressurreição nos últimos anos, com mais editoras a apostarem na reposição do formato. Muitas destas ganharam inclusive um novo interesse pela cena musical portuguesa, com reedições de álbuns mais ou menos clássicos lançados nas últimas cinco décadas em Portugal.
Perante um cenário de grande revivalismo, tanto colecionadores como novos utilizadores defendem queo vinil é um formato cada vez mais de nicho, mas que irá resistir à passagem do tempo pela sua essência. Seja pelo somou pelos elementos estéticos que envolvem o próprio objeto, o vinil é e continuará a ser um «capricho» que muitos não estão dispostos a abdicar.
Este artigo integra-se na rubrica Subcultura do número 27 da Revista Gerador, disponível numa banca perto de ti ou em gerador.eu.