A fotografia é hoje em dia uma das mais democráticas formas de expressão visual graças aos smartphones e a aplicações como o Instagram. Os automatismos das câmaras dos smartphones, assim como a sua evolução, permitem obter imagens de boa qualidade. De repente o acto de fotografar atingiu uma popularidade nunca vista. E as redes sociais possibilitam a partilha de imagens e a sua exibição pública. Tudo isto faz com que a nível mundial a fotografia tenha um impacto completamente diferente do que existia no início deste século. Os smartphones transformaram o que era possível no que passou a ser acessível e deram novo significado à palavra instantâneo. O que estes anos mais recentes nos mostram é que os smartphones vieram mudar a possibilidade de registar o olhar sem uma máquina fotográfica a tiracolo. Os smartphones passaram a ser um caderno de esboços que levamos no bolso.
Gosto do paralelo entre o que hoje se pode fazer e o surgimento das primeiras Leica, compactas, de película de 35 mm, em vez das máquinas de médio e grande formato, suas antecessoras. Essas novas câmeras permitiram uma outra abordagem à fotografia - mais próxima, menos intrusiva, mais perto do olhar humano. Henri Cartier-Bresson dizia que tirava fotografias como quem apanha borboletas e sublinhava constantemente que não se deve complicar o que é fácil.
Os smartphones vieram dar uma nova dimensão a esta afirmação. Numa entrevista do início dos anos 50 Bresson sublinhava que “a força e vitalidade da fotografia vem do facto de poder ser reproduzida quantas vezes quisermos”.
Os smartphones, a internet e o Instagram deram outro significado a tudo isto. Em boa verdade, nos últimos anos, na fotografia tudo mudou menos o fundamental, que é a maneira de ver. A passagem da película para o digital foi o primeiro passo; os smartphones vieram trazer a possibilidade da partilha imediata, online, daquilo que se via e se registava. Quando os iPhones apareceram o New York Times desafiou os seus repórteres fotográficos a realizarem uma edição em que as fotografias de actualidade seriam todas feitas com o aparelho. O resultado mostra uma tecnologia diferente, um imediatismo superior, mas retêm a personalidade de cada autor, a sua maneira de ver, de enquadrar, de escolher aquilo que fotografam. Na realidade, a fotografia tornou-se, graças aos smartphones e ao Instagram, um instrumento de participação das pessoas e de mobilização. A fotografia regista a realidade que nos cerca, mas também pode criar novas realidades. Umas vezes documenta, outras vezes é usada como uma ferramenta criativa. De uma simples imagem que assinala o tempo, a fotografia evoluiu para meio de informação, para forma de participação na vida colectiva e para suporte de criação artística largamente acessível.
O acto de fotografar é uma busca constante. Nos seus “Ensaios Sobre Fotografia” Susan Sontag dizia que “coleccionar fotografias é coleccionar o mundo” e que “as câmeras são armas de fantasia, cujo uso é viciante”. Da mesma forma que todos tiram fotografias, todos gostam de as ver. O sucesso de público em Portugal de exposições como a do “World Press Photo” mostra que quanto mais gente fotografa, mais gente quer ver fotografias. A fotografia ajuda a criar notoriedade e gerar comunicação. É ao mesmo tempo um conteúdo para o futuro, para preservar o tempo em que vivemos, e um pretexto para viver o tempo presente.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Manuel Falcão-
Manuel Falcão iniciou-se no jornalismo pela fotografia e, ao longo de duas décadas, desenvolveu a sua carreira como repórter e redactor. Foi fundador do Blitz e de O Independente, trabalhou nas Agências Notícias de Portugal e Lusa, no Expresso, no Se7e e na Visão, entre outros. Realizou vários programas de rádio. Dirigiu as áreas de produção de TV e de novas edições da Valentim de Carvalho e foi diretor do canal 2 da RTP. Foi também Presidente do Instituto Português de Cinema, Diretor do Centro de Espectáculos do CCB e administrador da EGEAC. Durante 15 anos, foi Director-Geral da agência de meios Nova Expressão. Em 2013 fundou a editora Amieira Livros, dedicada à fotografia e, em 2020, criou a SF Media onde desenvolve os seus projetos pessoais.