fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Sofia Craveiro

A névoa de Churchill e a cegueira coletiva

Nas Gargantas Soltas de hoje, Sofia Craveiro fala-nos de erros ambientais cometidos no século XX, e da insistência dos governantes atuais em cometê-los de novo.

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Aconteceu em 1952, mas funciona como alegoria para o que estamos a viver hoje. Na noite de 5 de dezembro do referido ano, a cidade de Londres, no Reino Unido, ficou mais cinzenta que o habitual. O acontecimento tinha sido previsto pelos meteorologistas britânicos: uma massa de ar frio vinda do continente estava a aproximar-se e poderia trazer problemas. A preocupação estava no facto de a cidade ser movida a carvão, combustível fóssil que liberta grandes quantidades de partículas e poeira que, devido à tal massa de ar frio, poderiam ficar retidas sobre a cidade.

Churchill não ligou aos avisos. Afinal de contas não se poderia impedir as pessoas de aquecer as casas em pleno inverno, muito menos seria viável parar os transportes ou suspender a indústria.

A imprudência do primeiro-ministro conservador saiu cara aos cidadãos. Durante quatro dias a capital inglesa ficaria imersa numa nuvem de smog que não deixava ver um palmo à frente dos olhos. Deixou de haver condições para a circulação de trânsito, os comboios pararam e os teatros fecharam. Até andar a pé deixou de ser seguro, pela grave falta de visibilidade. Houve mesmo pessoas a morrer por atropelamento ou quedas no rio provocadas pela desorientação. Isto a par com os problemas respiratórios provocados pela inalação de poeiras. Há várias estimativas para o número de mortes: as mais conservadoras apontam para quatro mil, as mais pessimistas para 12 mil. Seja como for, será certo afirmar que foram milhares os londrinos que padeceram em resultado de uma decisão negligente, vinda de um governante que escolheu desvalorizar os avisos de especialistas.

Tantos anos depois, as lições continuam por aprender.

Como sabemos, o Reino Unido está, novamente, a braços com uma nova governante. Liz Truss – que, segundo consta, não tem grandes problemas em mudar as causas que defende em prol dos ganhos eleitorais – foi eleita líder do partido conservador, cadeira que lhe dá, diretamente, a chave do número 10 de Downing Street.

Ainda antes de se saber que iria desempenhar o mesmo cargo de Churchill, já se sabia que Truss apoiava publicamente o fracking. O que é? Basicamente consiste “numa técnica de extracção controversa que envolve a injecção de uma mistura de alta pressão de água e produtos químicos no solo para libertar gás de volta à superfície” através de fissuras provocadas em camadas subterrâneas de xisto, conforme descrito neste artigo assinado pela Investigate Europe. Qual o problema? “Pode induzir terramotos, mas também prejudica gravemente a saúde humana e o ambiente”, diz o mesmo artigo.

Cometo a heresia de me aproveitar de um bloco mais longo de texto para elucidar claramente do que se trata: “Relatórios recentes mostram que expõe as populações próximas a riscos de doenças graves, incluindo leucemia entre as crianças. Um estudo de 2019 concluiu que “a produção de gás de xisto na América do Norte durante a última década pode ter contribuído para mais de metade de todo o aumento das emissões de combustíveis fósseis a nível mundial””.

Portanto, perante estas claras evidências, muitos países desistiram da ideia há alguns anos. A França proibiu o fracking em 2011, Dinamarca e Bulgária no ano seguinte, os Países Baixos em 2015 e a Alemanha em 2017. Há ainda outros países, como a Noruega e a Suécia, que admitem que o método não tem viabilidade económica e outros, como a Polónia, em que as próprias empresas desistiram. Em Portugal esteve quase a acontecer uma prospeção com este intuito, mas a exigência de estudo de impacte ambiental fez a empresa desistir da concessão. O próprio Reino Unido impôs uma moratória à atividade, em 2019, após o terramoto em Lancashire.

Tal como aconteceu no século passado com o smog de Londres, os líderes estão avisados que isto tem tendência para correr mal. Apesar disso, continua a haver os que se mostram pouco importados com o facto de os cidadãos poderem ficar presos no nevoeiro. É que além de Truss, também outros candidatos conservadores se mostraram a favor do fracking, a par com líderes de partidos alemães. A vontade de manter o quotidiano atual continua, assim, a suplantar os avisos de catástrofe.

Este é apenas um exemplo dos acontecimentos que se estão a tornar marca de comportamento ocidental: perante a repentina escassez, vale tudo para conseguir continuar a alimentar o atual modo de vida, mesmo que isso tenha repercussões devastadoras. Não ignoro a urgência energética que vivemos, largamente causada pela nossa ingénua dependência da Federação Russa, mas a solução não pode estar em rebentar com as rochas no subsolo.

A História faz-se de momentos disruptivos, que mesmo podendo polarizar a sociedade, constituem importantes momentos de viragem. Já todos sabemos a urgência que existe em contrariar a dependência de combustíveis fósseis e reduzir as emissões de CO2. Em vez disso, continuamos a ter líderes que nos vão deixar à mercê do nevoeiro.

-Sobre a Sofia Craveiro-

Espírito esquizofrénico e indeciso que já deu a volta ao mundo sem sair do quarto. Estudou Ciências da Comunicação nesse lugar longínquo é a Beira Interior, e fez o mestrado em Branding e Design Moda, no IADE/UBI, entre Lisboa e a Covilhã. Viveu tempos convicta a trabalhar na área da Moda até perceber que não tinha jeito nenhum. Apaixonou-se pelo jornalismo ao integrar um jornal local teimoso e insistente que a fez perceber o quanto a informação fidedigna é importante para a vida democrática. Desde essa altura descobriu também que aprecia ser In.so.len.te e que gosta de fazer perguntas para as quais não tem resposta. Encontrou o seu caminho nesta casa chamada Gerador, onde se compromete a suar a alma em cada linha escrita.

A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

11 Junho 2025

Genocídio televisionado

4 Junho 2025

Já não basta cantar o Grândola

28 Maio 2025

Às Indiferentes

21 Maio 2025

A saúde mental sob o peso da ordem neoliberal

14 Maio 2025

O grande fantasma do género

7 Maio 2025

Chimamanda p’ra branco ver…mas não ler! 

23 Abril 2025

É por isto que dançamos

16 Abril 2025

Quem define o que é terrorismo?

9 Abril 2025

Defesa, Europa e Autonomia

2 Abril 2025

As coisas que temos de voltar a fazer

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0