Aconteceu em 1952, mas funciona como alegoria para o que estamos a viver hoje. Na noite de 5 de dezembro do referido ano, a cidade de Londres, no Reino Unido, ficou mais cinzenta que o habitual. O acontecimento tinha sido previsto pelos meteorologistas britânicos: uma massa de ar frio vinda do continente estava a aproximar-se e poderia trazer problemas. A preocupação estava no facto de a cidade ser movida a carvão, combustível fóssil que liberta grandes quantidades de partículas e poeira que, devido à tal massa de ar frio, poderiam ficar retidas sobre a cidade.
Churchill não ligou aos avisos. Afinal de contas não se poderia impedir as pessoas de aquecer as casas em pleno inverno, muito menos seria viável parar os transportes ou suspender a indústria.
A imprudência do primeiro-ministro conservador saiu cara aos cidadãos. Durante quatro dias a capital inglesa ficaria imersa numa nuvem de smog que não deixava ver um palmo à frente dos olhos. Deixou de haver condições para a circulação de trânsito, os comboios pararam e os teatros fecharam. Até andar a pé deixou de ser seguro, pela grave falta de visibilidade. Houve mesmo pessoas a morrer por atropelamento ou quedas no rio provocadas pela desorientação. Isto a par com os problemas respiratórios provocados pela inalação de poeiras. Há várias estimativas para o número de mortes: as mais conservadoras apontam para quatro mil, as mais pessimistas para 12 mil. Seja como for, será certo afirmar que foram milhares os londrinos que padeceram em resultado de uma decisão negligente, vinda de um governante que escolheu desvalorizar os avisos de especialistas.
Tantos anos depois, as lições continuam por aprender.
Como sabemos, o Reino Unido está, novamente, a braços com uma nova governante. Liz Truss – que, segundo consta, não tem grandes problemas em mudar as causas que defende em prol dos ganhos eleitorais – foi eleita líder do partido conservador, cadeira que lhe dá, diretamente, a chave do número 10 de Downing Street.
Ainda antes de se saber que iria desempenhar o mesmo cargo de Churchill, já se sabia que Truss apoiava publicamente o fracking. O que é? Basicamente consiste “numa técnica de extracção controversa que envolve a injecção de uma mistura de alta pressão de água e produtos químicos no solo para libertar gás de volta à superfície” através de fissuras provocadas em camadas subterrâneas de xisto, conforme descrito neste artigo assinado pela Investigate Europe. Qual o problema? “Pode induzir terramotos, mas também prejudica gravemente a saúde humana e o ambiente”, diz o mesmo artigo.
Cometo a heresia de me aproveitar de um bloco mais longo de texto para elucidar claramente do que se trata: “Relatórios recentes mostram que expõe as populações próximas a riscos de doenças graves, incluindo leucemia entre as crianças. Um estudo de 2019 concluiu que “a produção de gás de xisto na América do Norte durante a última década pode ter contribuído para mais de metade de todo o aumento das emissões de combustíveis fósseis a nível mundial””.
Portanto, perante estas claras evidências, muitos países desistiram da ideia há alguns anos. A França proibiu o fracking em 2011, Dinamarca e Bulgária no ano seguinte, os Países Baixos em 2015 e a Alemanha em 2017. Há ainda outros países, como a Noruega e a Suécia, que admitem que o método não tem viabilidade económica e outros, como a Polónia, em que as próprias empresas desistiram. Em Portugal esteve quase a acontecer uma prospeção com este intuito, mas a exigência de estudo de impacte ambiental fez a empresa desistir da concessão. O próprio Reino Unido impôs uma moratória à atividade, em 2019, após o terramoto em Lancashire.
Tal como aconteceu no século passado com o smog de Londres, os líderes estão avisados que isto tem tendência para correr mal. Apesar disso, continua a haver os que se mostram pouco importados com o facto de os cidadãos poderem ficar presos no nevoeiro. É que além de Truss, também outros candidatos conservadores se mostraram a favor do fracking, a par com líderes de partidos alemães. A vontade de manter o quotidiano atual continua, assim, a suplantar os avisos de catástrofe.
Este é apenas um exemplo dos acontecimentos que se estão a tornar marca de comportamento ocidental: perante a repentina escassez, vale tudo para conseguir continuar a alimentar o atual modo de vida, mesmo que isso tenha repercussões devastadoras. Não ignoro a urgência energética que vivemos, largamente causada pela nossa ingénua dependência da Federação Russa, mas a solução não pode estar em rebentar com as rochas no subsolo.
A História faz-se de momentos disruptivos, que mesmo podendo polarizar a sociedade, constituem importantes momentos de viragem. Já todos sabemos a urgência que existe em contrariar a dependência de combustíveis fósseis e reduzir as emissões de CO2. Em vez disso, continuamos a ter líderes que nos vão deixar à mercê do nevoeiro.
-Sobre a Sofia Craveiro-
Espírito esquizofrénico e indeciso que já deu a volta ao mundo sem sair do quarto. Estudou Ciências da Comunicação nesse lugar longínquo é a Beira Interior, e fez o mestrado em Branding e Design Moda, no IADE/UBI, entre Lisboa e a Covilhã. Viveu tempos convicta a trabalhar na área da Moda até perceber que não tinha jeito nenhum. Apaixonou-se pelo jornalismo ao integrar um jornal local teimoso e insistente que a fez perceber o quanto a informação fidedigna é importante para a vida democrática. Desde essa altura descobriu também que aprecia ser In.so.len.te e que gosta de fazer perguntas para as quais não tem resposta. Encontrou o seu caminho nesta casa chamada Gerador, onde se compromete a suar a alma em cada linha escrita.