Quando era miúda, havia um sapo mesmo à porta da nossa casa. Às vezes via-o entre as ervas e tinha muito medo dele. Um rapaz amigo, sabendo disso, resolveu pregar-me um susto. Apanhou-me desprevenida e aproximou o sapo da minha cara enquanto soltava um guincho assustador que teve exatamente o efeito desejado: desatei a gritar e só parei quando o pobre sapo, que devia estar tão assustado quanto eu, mas que foi bastante mais discreto na expressão, foi devolvido às ervas altas e desapareceu de vista.
Porque teria eu tanto medo do sapo? - pergunto-me agora. Aparentemente, o medo de sapos é algo bastante comum. O sapo pertence à classe dos anfíbios, os primeiros vertebrados a adaptarem-se ao meio terrestre embora mantendo a capacidade dupla de continuar a viver na água. O aspeto algo tosco e pré-histórico, os olhos esbugalhados, o facto de segregarem várias substâncias que usam para sua própria defesa e serem ágeis saltadores, terão ajudado a alimentar todo um conjunto de mitos e lendas, na maior parte dos casos infundados, de que são venenosos, de que a sua urina pode cegar, etc. Muitas vezes associados à feitiçaria, não é por acaso que em alguns dialetos romani (ou ciganos) a palavra beng seja usada para significar quer o sapo quer o demónio. No conto dos irmãos Grimm, o sapo, embora escondendo um belo príncipe, não deixa de ser o arquétipo da fealdade repugnante que é necessário ultrapassar para aceder às suas qualidades interiores.
Quando comecei a interessar-me por hortas biológicas, muitos anos mais tarde, percebi o quão injustiçado era o pobre sapo. Pela grande quantidade de insetos que ingerem, os sapos ajudam a controlar as pragas das culturas, mantendo a horta – que é também um ecossistema – em equilíbrio. Os seus serviços, naturais e gratuitos, são incomparavelmente superiores aos dos seus maiores concorrentes: os pesticidas. Além disso, os sapos, e os anfíbios em geral, são predadores mas, são também alimento para outros animais: um elo de extremo valor no centro da cadeia alimentar com inestimáveis serviços ambientais.
Há quanto tempo não vejo um sapo? Lamentavelmente, quando percebi a importância dos sapos, apercebi-me também, em simultâneo, da sua crescente ausência. A enorme sensibilidade dos anfíbios face à poluição e degradação dos solos e dos cursos de água – da qual os pesticidas são uma das principais causas, a perda de habitats, as alterações climáticas, a crescente vulnerabilidade face a algumas doenças infeciosas, entre outras causas, têm levado ao declínio global dos anfíbios e à extinção rápida de muitas das suas espécies em todo o planeta e também em Portugal.
Na maior parte dos casos, a perda das espécies, apenas é notada por um grupo restrito de cientistas: para muitos de nós, chega sob a forma de uma informação abstrata. Outras espécies, contudo, ao desaparecer deixam em cada um de nós um sentimento real de perda, subjetivo, alicerçado em experiências concretas. No meu caso, estou a pensar nas saudades que tenho das joaninhas, dos pirilampos e também, claro, dos mal-amados sapos. Essas espécies que fizeram parte das nossas vidas e vão desaparecendo, silenciosamente, deixam as nossas vidas mais pobres e vazias.
-Sobre Valentina Sousa-
Valentina Sousa é licenciada em Sociologia, mestre em Ecologia Humana e voluntária na ZERO na área de Sociedades Sustentáveis e Novas Formas de Economia.