No meio de uma das viagens de comboio que normalmente faço entre Lisboa e Tomar, deparei-em com um artigo muitíssimo interessante na edição de fevereiro da revista “Courrier Internacional”. O título era sugestivo “A aldeia salva pelos seus habitantes”. Imediatamente, o meu imaginário levou-me de volta para as cenas da banda desenhada do “Obélix e Asterix” em que os aldeões gauleses defendiam a sua aldeia contra a força da legião romana invasora. Depressa percebi que o tema era algo muito mais complexo (e atual). O artigo pintava o cenário de uma aldeia, Trawden, situada no norte de Inglaterra, que é descrita como: “desamparada pelos poderes públicos, atingida pelo êxodo rural e o envelhecimento da população”. Ora, o leitor mais desatento poderia facilmente pensar que o caso se referia a uma aldeia no interior de Portugal. Afinal de contas, quantas aldeias e vilas portuguesas não se identificariam com este relato?
A decadência da vida e serviços da aldeia foi algo gradual, como uma trepadeira que lentamente cobre uma casa e a priva de luz natural. Desde o estado de deteriorização a que a biblioteca local havia chegado, o esquecimento a que fora sujeito o centro social ou ainda, a gota de água, a intenção de venda do pub local. Parecia ser o fim da linha para esta aldeia inglesa. Assim teria sido, se os 1919 habitantes que compõem esta pequena histórica aldeia de Trawden não se tivessem unido, e um a um, fizessem com que estes pilares comunitários passassem para o controlo dos habitantes da aldeia. Com o esforço da população, a biblioteca, o centro social e o pub passaram a ser detidos e geridos entre todos, com atividades e oferta que satisfazem as necessidades da gente que lá vive.
Ao ler esta história, não pude deixar de pensar nos paralelismos com a situação portuguesa. Casos como Trawden, especificamente no contexto português, são comuns ao longo do interior do país. Aldeias e vilas devastadas pelo êxodo rural, o fecho do comércio local e o abandono político numa franja de território que é deixada à deriva sem meios nem voz. O caso de Trawden é tão extraordinário porque representa aquilo que a política no seu grau mais simples deveria ser: a união de pessoas em prol do bem comum. Uma democracia direta a nível local, sem politiquices, sem entraves burocráticos e acima de tudo com proatividade na resolução de problemas (tentando não ser ingénuo). Isto é o que me fascina verdadeiramente na ideia cooperativa. A democracia é despoletada pela própria ação e não o contrário. A decisão de querer mudar a realidade queria a necessidade de um modelo governativo em que todos participam com igual peso. A representatividade em que assenta este modelo governativo promove a integração e o involvimento de cada um dos membros envolvidos, colocando os indivíduos no centro da tomada de decisão e das políticas. Com este modelo existe um entendimento e uma consciência de que se as pessoas vão ser diretamente influenciadas por certas decisões, elas próprias deviam tomar parte ativa no processo de decisão. Simultaneamente, o cooperativismo é uma resposta, por um lado, à lei do mercado que tende a condenar estes territórios à “falta de rentabilidade”, e por outro, à ajuda (quando há) de um Estado central assistencialista com prioridades desajustadas às da realidade local. O cooperativismo é a política na sua forma mais pura de ação popular e democrática em movimento para a resolução de problemas no seio da comunidade. Exemplos como a Coopérnico ou a Rizoma (e outros tantos ao nível do Associativismo como o SCOCS em Cem Soldos, Tomar), mostram como estes movimentos, pela sua natureza auto-reguladora e auto-sustentável reinvidicam não só uma maior independência de entidades centrais mas também nos desafiam a refletir sobre formas alternativas de ver a nossa organização em sociedade. Não tenho dúvidas que este tipo de movimentos (onde também incluo o Associativismo) têm um papel vital no desenvolvimento de políticas locais, da coesão territorial e no fomento da vida ativa no interior. O envolvimento da população em projetos democráticos e inclusivos como estes ajuda na construção de um espírito de comunidade e no fomento de redes de cooperação que terão como consequência a fixação de mais pessoas nestes territórios. Um interior vivo e com futuro cria um Portugal melhor e mais coeso, com maior cultura democrática e cada vez mais atrativo para os jovens e famílias e pode ser chave no combate à desertificação do interior.
-Sobre João Lopes-
João Lopes é um entusiasta de Políticas Públicas, especialmente sobre as que incidem sobre os temas da Juventude, Educação ou Cultura. Vai fazendo vida entre Lisboa, onde está a tirar mestrado em Políticas Públicas, e Tomar, de onde é natural e integra a direção da Associação Cultural Marquesa de Ciranda que dinamiza a cena cultural na cidade. Não sabe se a sua escrita está tão solta quanto isso mas nada como o Gerador para o desafiar.