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Opinião de André Tecedeiro

Ostentação

Nas Gargantas Soltas de hoje, André Tecedeiro escreve sobre ostentação. “Criticarmos a forma como outras pessoas falam ou escrevem, não é ostentação do domínio de uma norma culta?”

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Só comecei a apreciar esplanadas após a pandemia. Não sei se pelo trauma do confinamento ou por uma crescente necessidade de sol. Peço um café e folheio uma revista esquecida na mesa. Numa das páginas, uma influencer que ajuda a atrair clientes para produtos de luxo, afirma que “o luxo não é ofensivo. A ostentação é que é”. 

A ostentação é tão diabolizada que no Google alguém pergunta se é pecado. Mas como pode ser pecado algo que toda a gente faz? Quem acha que não ostenta, não lhe falta ostentação, apenas noção. 

O ser humano é gregário, tem necessidade de aceitação e integração em grupos sociais. E possuir certos produtos ou aceder a determinados serviços são instrumentos de reconhecimento social. São lições que se aprendem logo na infância. Podemos estar a falar de um par de sapatos ou de uma caderneta de cromos. Podemos estar a falar de um penteado, do que jantamos, da presença de familiares na nossa vida, da cultura ou do nível económico do nosso agregado familiar. 

Habituamo-nos a pensar na ostentação como exibição de luxo e dinheiro, mas nem sempre o poder económico é a moeda mais valorizada num grupo em que queremos ser aceites. O poder tem muitas formas. Em certos grupos, mais do que riquezas e bens, valorizam-se capacidades, ações, relacionamentos amorosos, viagens, aparência física, beleza. Tudo se pode ostentar. Até a bondade. 

Criticarmos a forma como outras pessoas falam ou escrevem, não é ostentação do domínio de uma norma culta? 

Exibirmos publicamente a lista dos livros que lemos ou possuímos não é ostentação de determinado nível cultural?

Exibir acesso a informação em primeira mão ou proximidade a certas pessoas não é ostentar poder? 

E quando alguém que possui poder económico e social critica quem ostenta mas não tem nome, classe, dinheiro antigo? Essa crítica não é também uma forma de ostentação que tanto afirma pertença a um grupo como demarca a distância de outro? 

Vivemos numa ilusão de pureza se julgamos que só novos-ricos, influencers e MC com dentes de ouro andam por aí a ostentar. Ostenta quem compra um ferrari e ostento eu quando afirmo que não tenho carro nem quero ter. Porque poder andar a pé também é valorizado como luxo por certos grupos. Pode significar ter tempo, cultivar um certo estilo de vida, ter saúde, viver numa cidade pacífica e com bom clima. 

Ostento também com orgulho a minha identidade queer. Ser queer não é uma escolha, mas viver fora do armário é algo que nem toda a gente pode fazer. 

Penso na roupa rasgada e nos piercings que usava quando estudava nas belas artes. Todo aquele aparato que enchia de desgosto a minha mãe. Para ela, o meu aspecto era um caminho para o degredo, mas na verdade era pura ostentação. 

Pertencer a uma classe artística não me dava segurança financeira, mas oferecia-me o luxo de poder vestir o que bem entendesse sem que isso me prejudicasse. Significava por exemplo que estava fora do alcance de certas normas, e que não tinha de me submeter a um patrão que me obrigasse a usar manga comprida no verão. Eu orgulhava-me disso e não me cansava de o sublinhar. Que é isso senão ostentação de classe?

-Sobre a André Tecedeiro-

André Tecedeiro é um escritor português nascido em 1979. Tem licenciatura e mestrado tanto em arte como em psicologia. Publicou sete livros de poesia, sendo o mais conhecido “A Axila de Egon Schiele” (Porto Editora, 2020).

Texto de André Tecedeiro
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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