O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América impactou fortemente as políticas de diversidade e inclusão que tinham vindo a ser implementadas por várias empresas do país.
Estes programas já existiam há décadas, mas foi o movimento #BlackLivesMatter, em 2020, que colocou de novo na agenda o tema das injustiças sociais e das desigualdades sistémicas, com reflexos no universo profissional e empresarial.
A pressão social para mudar as relações de privilégio refletiu-se na aplicação de políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão, conhecidas pela sigla DEI. A maioria das empresas anunciou novas medidas para aumentar o número de trabalhadores não-brancos, colmatar as desigualdades de género e promover um ambiente inclusivo, de não-discriminação. As ações tinham como objetivo assumido a promoção de ambientes de trabalho mais justos, de forma a contrariar a desigualdade sistémica e o viés nas práticas de contratação de trabalhadores.
E parecia estar a funcionar. De acordo com uma análise do jornal americano USA Today, baseada em dados recolhidos pelo governo federal, entre 2020 e 2022 o número de executivos negros aumentou em quase 27% nas empresas do indíce S&P 100.
Além disso, em 2023, um relatório divulgado pela TechTarget's Enterprise Strategy Group (ESG), plataforma patrocinada pela Amazon, revelou que a aplicação de políticas DEI tinham impactos positivos no desempenho comercial das empresas, em aspetos como a posição competitiva, agilidade, inovação e percepção da marca. Os resultados eram diretamente proporcionais à maturidade dos programas implementados.
Com a eleição de Trump e a sua conhecida oposição à diversidade tudo se alterou. O presidente republicano anunciou a sua vontade de eliminar todos os programas DEI. "Acabamos com a tirania das chamadas políticas de diversidade, equidade e inclusão em todo o governo federal e, de facto, no setor privado e nas nossas forças armadas", disse o presidente. "E nosso país não será mais 'woke'", acrescentou.
Logo no dia da tomada de posse, a 20 de janeiro, Trump emitiu ordens executivas para desmantelar programas em curso, pressionar responsáveis federais a acabar com a "discriminação ilegal de DEI" e direcionar agências federais para que elaborassem listas de empresas privadas que poderiam ser investigadas devido a essas práticas.
Também os membros do gabinete foram ameaçados. Numa das suas primeiras diretrizes aos funcionários do Pentágono, o Secretário de Defesa Pete Hegseth enviou uma breve nota com a mensagem "DoD ≠ DEI" em grandes letras pretas. "Aqueles que não cumprirem não trabalharão mais aqui", escreveu.
A narrativa que tem vindo a ser disseminada pelos grupos conservadores alinhados com Trump é de que a diversidade é contrária ao mérito. Alegam que a DEI está focada em raça e género sacrificando o mérito individual e estimulando o que chamam de "discriminação reversa", ou seja, contra pessoas brancas.
Perante este cenário muitas empresas anunciaram a redução ou mesmo interrupção de programas DEI, de forma a mostrarem-se alinhadas com a nova administração americana.
Empresas como Walmart, Boeing, JPMorgan Chase, Harley Davidson, Ford Motor e McDonald's estão entre as que anunciaram um recuo nas suas políticas DEI.
Também as gigantes tecnológicas Alphabet (que detém a Google) e a META (dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp) anunciaram mudanças. A imprensa internacional explica os anúncios com receios de processos, represálias nas redes sociais ou mesmo pressão por parte do novo executivo.
Um estudo da McKinsey&Co e da LeanIn mostra que a tendência está em crescimento. De um universo de 281 empresas questionadas, que no total empregam mais de 10 milhões de pessoas, apurou-se que o número de empregadores a fazer da diversidade de género uma alta prioridade caiu de 87% em 2019 para 78% em 2024. O apoio à diversidade racial também caiu de 77% em 2019 para 69%.
E em Portugal?
Em janeiro deste ano a McDonald's foi uma das empresas americanas a anunciar que iria abandonar objetivos relativos à diversidade nos principais cargos de liderança. No comunicado, a cadeia de fast-food fazia referência a uma decisão do Supremo Tribunal que determinou o fim das medidas de discriminação positiva nas admissões universitárias. Esta foi, aliás, uma justificação apontada por outras empresas que abandonaram os seus programas DEI.
O Gerador questionou a Mcdonald’s Portugal sobre este anúncio, para perceber de que forma o mesmo iria impactar a atividade da empresa no nosso país. Apesar de rejeitar o pedido de entrevista, a multinacional reiterou que o compromisso com a inclusão “é inabalável” e isso inclui “naturalmente, a McDonald’s Portugal”.
“Somos uma empresa que sempre acolheu todas as pessoas e irá continuar a fazê-lo. Continuamos focados em incorporar a inclusão no nosso negócio, na nossa comunidade de franquiados e nos nossos fornecedores. Os 209 restaurantes em Portugal são o reflexo do que a McDonald’s representa para o país e do seu envolvimento com as comunidades locais”, disse por e-mail, sem dar mais esclarecimentos.
Até ao momento, não se verifica em Portugal uma tendência generalizada de descrédito das políticas DEI. Para as empresas com atividade no nosso país, a diversidade continua a ser prioritária, de acordo com Teresa Themudo, responsável pela Coordenação, Parcerias & Inovação do GRACE - empresas responsáveis, uma associação empresarial com foco na sustentabilidade e responsabilidade social. “Eu acho que quem já iniciou este caminho e tem visto os benefícios que isto tem não vai voltar atrás”, afirma, em entrevista ao Gerador.
A responsável acredita que as medidas tomadas por Trump e, consequentemente, pelas empresas americanas, não são vistas com bons olhos em Portugal e na Europa, pois são encaradas como um retrocesso que aqui ninguém está disposto a fazer. “Em Portugal isto é um caminho que já vem sendo feito e construído e que tem dado bastantes frutos.”
Teresa Themudo frisa que a diversidade é um requisito obrigatório para qualquer empresa que queira manter-se competitiva e captar talento externo e interno. “As empresas, principalmente em Portugal e na Europa, também fruto de toda a regulação e toda a legislação que tiveram, de compliance, de assumir determinadas ações, acho que já não vão voltar atrás e, portanto, acho que o impacto não vai ser de todo sentido”, afirma, frisando que esta é uma conclusão que retira do contacto com as empresas e não de estudos formais.
Não é, no entanto, uma opinião unânime. Em declarações ao jornal Expresso, a professora do ISEG Sara Falcão Casaca assumiu a preocupação com um possível efeito de contágio em Portugal, até porque muitos dos programas existentes possuem fragilidades institucionais. Além disso, a especialista em questões de género e diversidade referiu que muito poucas empresas encaram estes programas como estratégicos.
Apesar disso, ainda não houve, até agora, mais empresas em Portugal a anunciarem o término dos programas DEI.