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A Budapest Pride está marcada para 28 de junho, mas o governo húngaro procura impedi-la

O ataque à democracia na Hungria continua. Em março, o governo aprovou uma lei que restringe o direito de reunião, com a intenção explícita de tornar a Budapest Pride ilegal. No entanto, os organizadores declararam que realizarão o evento na mesma, como explica o porta-voz da Pride, Máté Hegedűs, nesta conversa com Adrian Burtin, da VoxEurop, parceiro do Gerador no projeto colaborativo Come Together.

Texto de Sofia Craveiro

Ilustração de Frederico Pompeu

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Entrevista de Adrian Burtin originalmente publicada na VoxEurop, a 30 de maio de 2025

Há muitos anos que o governo de Viktor Orbán ataca a comunidade LGBTI+. Em 2021, a chamada “lei da propaganda” proibiu discussões sobre género e sexualidade nas escolas, na comunicação social, na publicidade e nas livrarias, espelhando uma lei russa de 2013. Depois, em março de 2025, o executivo alterou a Lei Fundamental da Hungria (a Constituição), limitando o direito de reunião em defesa dos direitos LGBTI+.

O texto também permite às autoridades utilizarem tecnologia de reconhecimento facial para identificar organizadores e participantes de eventos, que podem enfrentar multas até 500 euros. A intenção declarada do governo é proibir a Budapest Pride, agendada para 28 de junho de 2025.

Máté Hegedűs é porta-voz da Budapest Pride e ativista LGBTI+ sediado em Budapeste. 

-Qual é a situação neste momento na Hungria?

Estamos no meio de uma crise de comunicação, ligada à proibição da Budapest Pride. Há quase dois meses que tentamos divulgar que, embora o governo procure proibir o nosso protesto, que será a 30.ª Marcha, continuaremos a avançar e a defender os nossos direitos.

Várias coisas mudaram no sistema jurídico. Não sou jurista, mas vou tentar resumir. Houve outra alteração na nossa lei fundamental, que é basicamente a Constituição. E a nova mudança na lei das reuniões, que nos dá o direito de protestar, remete para essa alteração da lei fundamental. Antes tínhamos de comunicar os protestos à polícia com três meses de antecedência, o que teria sido a 27 de março. Como não conseguiram mudar a lei a tempo, encurtaram esse prazo para um mês.

Portanto, agora temos de o anunciar no final de maio. É claro que estas mudanças servem apenas para nos impedir de marchar, de protestar. E penso que a razão é simplesmente política. Sempre que se aproxima uma eleição na Hungria, o partido no governo, o Fidesz, «puxa» a comunidade LGBTI+ como bode-expiatório e faz algo semelhante. Foi o que aconteceu com a lei da propaganda de 2021, cópia da lei russa que limita a cobertura mediática e a educação sobre temas LGBTQ.

-A lei que proíbe a Budapest Pride já foi aprovada. O que podem fazer para a revogar?

Trata-se de protestar e fazer ouvir a nossa voz. Esse é, basicamente, o maior meio de agir contra isto. Estamos a tentar tornar a marcha o mais segura possível para todos os que queiram participar. Mas sabemos que poderão surgir ações legais e estamos prontos para ir a tribunal. Por exemplo, o governo usa a tática do medo com reconhecimento facial para os participantes, o que assusta muita gente, porque não quer pagar multas, já que muitos enfrentam dificuldades financeiras.

Devido ao sistema de reconhecimento, há muito receio. Mas mesmo que as pessoas sejam multadas, podemos levar esses casos a tribunal e, em teoria, ninguém terá de pagar no fim.

-A União Europeia já criticou a decisão e fala-se em agir contra o governo.

É muito difícil influenciar o governo. Neste momento, sentem que estão a perder poder, porque outros partidos da oposição ganham popularidade. Esperemos que as eleições do próximo ano sejam uma oportunidade de mudança.

Temos um novo candidato, Péter Magyar, cujo partido é mais popular do que o Fidesz. Penso que uma das razões para o Fidesz fazer isto é obrigá-lo a reagir, para depois usarem a reação contra ele. Mas ele mantém-se firme e não disse nada. Nós, enquanto organização, estamos esperançados de que ele cumpra a promessa de restabelecer um sistema democrático, onde possamos sentar-nos com representantes governamentais, algo que não acontece há muitos anos.

-Considera que a falta de reação de Péter Magyar tem a ver com o receio de perder eleitores?

Acho que ele não diz nada por esse medo, o que é bastante triste. Mas também pode ser uma jogada. Penso que há um grande eleitorado à direita, outro à esquerda, e um vasto eleitorado no centro político. Ele tenta conquistar quem está farto do Fidesz. E pode perder essa base ao falar da Pride. Vem de um contexto conservador, isso também pesa.

-Passaram-se quatro anos desde a lei da propaganda. O que mudou no clima relativamente às questões LGBTI+?

Mesmo antes da lei da propaganda já havia a proibição do reconhecimento legal de género, que afeta muitas pessoas trans e intersexo diariamente. Mas a lei da propaganda também tem efeitos nocivos. As ONG não podem ir às escolas sem autorização do diretor. E, obviamente, os diretores não querem problemas, por isso não deixam entrar ONG que não apoiem o governo. Embora o Fidesz se esforce para tornar as pessoas homofóbicas e transfóbicas, porque o ódio mobiliza facilmente, os números mostram algo diferente.

Por exemplo, não há apoio para a proibição do reconhecimento legal de género. Mais de 70 % das pessoas apoiam o direito das pessoas trans escolherem o próprio nome e género. O apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo ultrapassa 60 %. Até o apoio à Marcha Pride passou de 6 % para 21 %. De 2019 a 2023, a percentagem de pessoas que conhecem alguém LGBT superou 60 %.

Isto significa que o efeito real do governo é que as pessoas estão a sair do armário e a tornar-se mais visíveis. Talvez seja essa a razão dos outros números subirem: quando se conhece alguém LGBT, familiar ou conhecido, tende-se a ser mais empático.

Budapeste é considerada, também, mais segura e acolhedora do que outros locais na Hungria, por isso muitos grupos LGBTQ acabam por se mudar para a capital. Tenho orgulho nisso e é bom ver que outros não desistem nem abandonam a Hungria. Ficam e lutam à sua maneira, criando espaços para a comunidade.

-Diria que o ambiente é combativo e não tão ansioso, ou é uma mistura?

Acho que, no que toca a raiva e espírito revolucionário, é elevado para o padrão húngaro, mas somos um povo curioso: queremos mudar o sistema, mas é difícil agir.

As ONG estão isoladas; cada uma ocupa-se dos próprios problemas. Não conseguem juntar-se para se erguer. Tivemos os protestos dos professores [em 2023]. Este ano, foram os juízes. Há vários grupos e isso beneficia o governo, pois não nos unimos. Talvez, com o direito de protestar, consigamos essa união.

Esperamos muita gente na Marcha Pride. Recebemos muitas mensagens a dizer: “Nunca fui à Pride, não concordo totalmente, mas este ano vou porque está em causa muito mais.”

-Conseguem comunicar isso à população?

Fazemos o possível. Somos 15 organizadores, a maioria voluntários; um em cada seis é remunerado ou trabalha a tempo parcial. É uma tarefa enorme e temos limites de recursos. Também sofremos com o congelamento de fundos por parte de Trump. Tentamos trabalhar com embaixadas e pessoas influentes, tiktokers ou apresentadores de TV. Mas o Fidesz e o governo têm recursos infinitos para comunicar. É muito difícil contrariar.

Normalmente, cerca de 60 % do orçamento vem de subsídios. Isso está a mudar porque as empresas têm receio de nos apoiar. Ainda há algumas que o fazem, o que é crucial. Se não estiveres entre as doze ONG — sim, são doze — que recebem financiamento estatal, tens de contar com subsídios e recursos do estrangeiro. Temos de colaborar e concorrer a apoios da UE.

-Muitas vezes, no resto da UE, a comunidade LGBTI+ húngara é retratada como vítima indefesa. É uma perceção errada?

Sim. Em geral, os húngaros são [vistos] como vítimas, talvez porque tivemos muitos protestos na nossa história que falharam. Mesmo sem querermos ser vítimas, e fazendo o trabalho de nos defendermos, temos um limite na forma como imaginamos a utopia da liberdade. Não a experimentamos plenamente há muito tempo.

Tivemos um pequeno período até 2010, quando o Fidesz voltou ao poder. Eu era criança nessa altura. Talvez seja difícil imaginar o objetivo final que queremos alcançar. Talvez seja preciso reaprender coisas que julgamos saber, como política e democracia. 

Nunca tivemos mais de 35 000 pessoas na Budapest Pride, mas talvez possamos atingir o recorde. Se houver gente suficiente, será muito assustador para o governo.

Este artigo é publicado no âmbito do projeto colaborativo Come Together.

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