Há uma fronteira que divide, sem ambiguidades, a humanidade da barbárie: Gaza. Quatro letras que nos perseguirão para o resto das nossas vidas. Uma palavra que nos será repetida pelos nossos netos quando nos perguntarem o que fizemos face ao genocídio transmitido em todas as televisões e redes sociais. As centenas de pessoas que embarcaram a caminho de Gaza – carregando alimentos, bens de sobrevivência essenciais, fórmula de leite para crianças – poderão dizer que arriscaram as suas vidas para romper o bloqueio criminoso do Estado de Israel. Milhares e milhares de pessoas por todo o mundo poderão dizer que saíram à rua incessantemente, que fizeram greve geral, que boicotaram comboios e portos, que assinaram cartas e abaixo-assinados, que tentaram pressionar os seus governos, que espalharam a informação por familiares e amigos. Mas o que dirão vocês?
Vocês, sim, os que se sentam em vossas casas à frente do computador e do telefone a assinar uma petição para que uma deputada do vosso país fique presa numa prisão de alta segurança israelita, onde corre o risco de ser torturada e violentada? Vocês, sim, os que têm filhos em casa, mas que, ao ver imagens de crianças que não podem crescer porque Israel os mata à fome, se riem e dizem que são todos do Hamas? Sim, vocês, que acham que nada tem a ver convosco excepto a vossa pequena vida? Sobretudo, sim, vocês, governantes e diplomatas que, de barriga cheia e no conforto das suas grandes casas, se recusam a mexer-se para ajudar Gaza e os cidadãos portugueses ilegalmente presos por um estado terrorista e assassino?
Não se enganem – Montenegro, Rangel, Melo e companhia – porque a história, convosco, será implacável: quando a Palestina se libertar e todos fingirem que sempre foram contra as atrocidades israelitas, o vosso nome figurará nas notas de rodapé mais embaraçosas da história, ao lado dos cobardes que assobiaram para o lado enquanto judeus eram deportados para campos de concentração e de extermínio. Já outros nomes – como Mariana, Greta, Miguel, Emma, Sofia, Thiago e, no topo de todos eles, os incontáveis nomes de milhões de palestinianos que resistem há décadas – serão sempre lembrados lado a lado aos dos resistentes da história, aos que fizeram o mundo andar para a frente, aos que o aguentaram face aos recuos e, sobretudo, ao lado daqueles que preferiram dar a vida a ceder os seus princípios.
Esta é a fronteira moral que divide os nossos tempos e que dividirá, para sempre, a nossa geração, tal como uma outra fronteira havia separado a geração que vivia nos anos 1930 e 1940. Quando se perguntarem o que teriam feito face ao Holocausto, face ao genocídio no Rwanda, face aos massacres assassinos na Bósnia ou face ao Apartheid na África do Sul, pensem no que fizeram nos últimos dois anos.
Quando se perguntarem: ‘porque é que ninguém fez nada?’, pensem no que estão a fazer agora. Porque é precisamente aí que reside a vossa humanidade. Se não compreenderem, pensem melhor. Pensem nos vossos filhos enrolados em mortalhas antes mesmo de terem tempo de lhes dar um nome, pensem neles a pedir-vos comida e vocês sem nenhuma para lhes dar, pensem nas vossas casas destruídas por bombas, pensem nos vossos familiares hospitalizados a morrerem sem medicamentos e, sobretudo, pensem em todos aqueles que amam a ser queimados vivos por bombardeamentos perante os vossos olhos. Talvez só pensando em si próprias é que algumas pessoas perceberão a coragem dos palestinianos e daqueles que resistem ao poderio da propaganda israelita. Se nem assim forem capazes de compreender, é porque ficaram do outro lado da fronteira. Do lado do deshumano, do lado imoral, do lado da morte e do seu culto sinistro.
Para quem está deste lado, abracem a raiva e as lágrimas que não conseguem conter. Continuemos, por todo o mundo, de todas as maneiras possíveis, a resistir, a contrariar, a gritar bem alto que o mundo não ficou em silêncio enquanto as bombas desciam pelos céus de Gaza. Israel é um estado terrorista, assassino e genocida. Não há desculpas, não há complicações. Só a solidariedade e a luta salvarão a humanidade. Só o povo salva o povo.