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Jornalista afegã pede ajuda a Portugal para escapar ao terror talibã

Sem alternativas, Nasira pede apoio para sair da situação de deportação iminente em que se encontra.

Texto de Sofia Craveiro

Fotografia de Ropiudin Yayah via Unsplash

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“Fiquem em silêncio por alguns momentos…

Imaginem que amanhã um grupo ignorante e analfabeto entra no vosso escritório - onde tinham criado uma voz para as mulheres, uma rádio que espalha esperança - e o incendeia. Imaginem que [esse grupo] assassina impiedosamente os vossos colegas.

Amanhã, a vossa filha, que acabou de concluir o sexto ano, depara-se com as portas fechadas da escola. Alguém se coloca à sua frente e diz: Não tens o direito de ir à escola ou à universidade. Amanhã, ordenam-vos que não vão ao parque, nem sequer saiam de casa sozinhas. Dizem: Não tens o direito de escolher um cônjuge.

Apenas por seres mulher, nenhuma operadora de telecomunicações te venderá um cartão SIM, nenhuma editora permitirá que publiques os teus livros e a tua fotografia nem sequer será registada na tua certidão de nascimento.

Ali, se ergueres a tua voz, serás silenciada com prisão, com tortura, com violação.
A tua família permanecerá sem saber do teu destino, e o mundo apenas ficará a assistir.”

Nada disto é pura imaginação. Nasira viveu este cenário distópico, quando os Taliban assumiram o poder no Afeganistão, em 2021. Este relato, feito na primeira pessoa, ilustra a repressão e violência a que ela e a sua família foram sujeitas após os fundamentalistas islâmicos regressarem ao poder.

Jornalista, radialista e ativista pelos direitos humanos, Nasira viu-se impedida de continuar a exercer a sua profissão, a sua cidadania e a sua vida. Para escapar ao regime Taliban, fugiu para o Irão onde se encontra ainda hoje, sem documentação válida e com comunicações condicionadas. Corre o risco de ser deportada a qualquer momento, para um país onde as mulheres não têm direito sequer de falar em público e por isso pede desesperadamente o apoio de Portugal.

“Precisamos de apoio. Apelo ao governo português, aos ativistas dos direitos humanos, à sociedade civil e às mulheres influentes deste país para que prestem atenção à situação das mulheres afegãs e estejam ao nosso lado”, exclama. “Hoje, este apoio não é apenas um pedido, é uma necessidade para a sobrevivência, para a justiça, para a igualdade e para a proteção da dignidade humana.”

Mas afinal quem é Nasira? Qual a sua história e percurso? E por que razão procura apoio de Portugal?

A história de Nasira

“Sou Nasira [...], tenho 32 anos e venho de uma família tradicional Hazara (povo originário da zona central do Afeganistão)”, diz em entrevista ao Gerador. Embora nos tenha indicado o seu apelido, pediu que fosse mantido em segredo, para sua segurança. Prossegue: “Depois de terminar a escola, entrei na Universidade de Balkh. Enquanto prosseguia os meus estudos, comecei o meu primeiro trabalho como professora de alfabetização para mulheres idosas numa escola chamada Anafi, num programa apoiado pelo governo alemão”.

Após cerca de um ano a trabalhar na administração da Universidade de Balkh, concretizou o seu sonho e passou a integrar a equipa da Rádio Rabia Balkhi. Fundada em 2003, foi “a primeira estação de rádio feminina no norte do Afeganistão, um espaço seguro e inspirador onde as mulheres podiam expressar-se e desenvolver os seus talentos”, relata orgulhosa. 

Na rádio fez um pouco de tudo: foi locutora, técnica, apresentadora de notícias, repórter e até diretora interina, a dada altura. Já nessa época enfrentava bastantes dificuldades para exercer a sua profissão. Era alvo de ameaças e críticas que surgiam em resultado do contexto “tradicional e conservador” da sociedade afegã, mas nada disso a fez desistir. “Nunca permiti que os olhares negativos ou as ameaças me desmotivassem.

Mesmo sendo duro e, por vezes, sentindo ansiedade, mantive-me firme e segui em frente”, assegura. 

O terror Taliban

A 15 de agosto de 2021 a repressão e o terror regressaram ao Afeganistão. Com a retirada das tropas norte-americanas e da NATO do território, as forças Taliban levaram a cabo uma ofensiva e assumiram o poder. A violência e a repressão varreram o território. 

“A Rádio Rabia Balkhi foi incendiada. Um dos meus colegas foi morto numa explosão, provocada por uma bomba no carro”, relata Nasira. “Nestes últimos quatro anos, cada momento foi um pesadelo: medo, tristeza, fuga, perseguição, preconceito, o risco de deportação forçada, desemprego, situação de sem-abrigo, falta de documentação legal, insegurança, ausência de liberdade, nenhum cartão SIM [para fazer chamadas] ou cartão bancário. Passei por tudo isto e ainda estou a passar.”

Nasira e a sua família conseguiram passar a fronteira e refugiar-se no Irão. “A minha mãe, os meus dois irmãos, a esposa de um deles, o seu filho pequeno, a minha avó e eu. Todos fugimos.” Foi-lhes concedido um visto de apenas três meses, que expirou há muito. 

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) cerca de 4,5 milhões de afegãos residem no Irão, embora outras organizações considerem que o número pode ser superior. A maioria procura segurança e emprego, mas enfrenta discriminação, rusgas policiais e repressão. 

Nasira relata isso mesmo: “o Irão partilha uma fronteira com o Afeganistão, partilha a mesma língua e religião, mas hoje não me quer aqui”, explica a jornalista afegã. “As ruas e becos da cidade [onde vivo] estão repletas de polícias à nossa espera. A polícia está no metro, nos autocarros e nas estradas a tentar prender-nos. Ordenaram aos proprietários das casas para não nos arrendarem os espaços, caso contrário serão severamente multados. Procurámos por todo o lado por uma nova casa mas, onde quer que vamos, eles perguntam pela documentação [que não temos].”

O irmão de Nasira, a esposa e dois filhos foram deportados à força e vivem agora “numa das cidades mais inseguras do Afeganistão, escondidos e a lutar para sobreviver”, segundo relata. “Eu continuo aqui, com o meu irmão mais novo e a minha mãe doente, uma mulher exausta por anos de sofrimento. Uma das suas pernas está partida; a outra está deslocada. Há quase cinquenta dias que está confinada à cama, sem conseguir mover-se.”

Por agora, mantêm-se numa casa cujo contrato de arrendamento caducou. O senhorio permitiu que ali continuassem a residir durante algum tempo, mas a qualquer altura podem ser expulsos, sem qualquer alternativa. A polícia iraniana começou, também, a fazer rusgas nas habitações, para identificar situações de permanência ilegal no país. Nasira vive com medo que a sua casa seja a próxima da lista. 

“Estou completamente enclausurada em casa. Quando saio, se uma pessoa desconhecida se aproxima de mim, o meu corpo inteiro congela, com medo de que seja a polícia. Tento até falar iraniano por um momento para não ser reconhecida, mas é evidente pelo meu rosto que sou uma Hazara afegã”, relata.

“Procurámos refúgio num país que não nos queria, e desde esse dia até hoje, as nossas vidas ficaram suspensas.”

Portugal: a luz ao fundo do túnel

Desesperada e sem alternativas, Nasira pede ajuda a Portugal, para sair da situação de deportação iminente em que se encontra. “A razão mais fundamental para o meu pedido de asilo em Portugal é alcançar segurança e liberdade face à ameaça e à violência do grupo Taliban. Os Taliban não toleram a liberdade de expressão e têm recorrido a diversos métodos - incluindo assassinatos, detenções, violações e imposição de restrições sociais e culturais - para impedir a presença e o progresso das mulheres na sociedade afegã”, explica ao Gerador. 

“Apelo ao governo português, aos ativistas dos direitos humanos, à sociedade civil e às mulheres influentes deste país que prestem atenção à situação das mulheres afegãs e estejam ao nosso lado. Hoje, este apoio não é apenas um pedido; é uma necessidade para a sobrevivência, para a justiça, para a igualdade e para a proteção da dignidade humana.”

Sensível à urgência deste pedido, Marta Crawford colocou mãos à obra para ajudar. Desde 2021 que a sexóloga e ativista pelos direitos das mulheres criou uma rede informal de ajuda, com voluntários na Alemanha, Espanha, Austrália e Reino Unido, para apoiar as mulheres afegãs vítimas dos talibã a escapar à opressão, e trazer tantas quanto possível para a Europa. “Não consegui ficar indiferente ao que estava a acontecer”, explica ao Gerador. 

A rede foi bem-sucedida por diversas vezes, conseguindo ajudar muitas mulheres e suas famílias. Sabendo disto, Nasira pediu ajuda a Marta Crawford, que imediatamente contactou as entidades competentes para dar início ao processo: Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), embaixadas, AIMA. 

O JRS - Serviço Jesuíta aos Refugiados, comprometeu-se a gerir o acolhimento e integração de Nasira em Portugal, requisito necessário para que a AIMA dê início ao processo. “A coordenação formal e legal é feita pela AIMA, mas será o JRS quem acolherá e acompanhará a família quando chegar a Portugal, e o plano prevê 12 meses de acompanhamento completo, garantindo: alojamento seguro e digno para a família; ensino da língua portuguesa e acompanhamento educativo; apoio psicossocial e psicológico para lidar com o trauma; formação profissional e integração no mercado de trabalho; apoio contínuo até a família atingir autonomia e estabilidade”, afirma Marta Crawford. 

“A equipa está pronta. O que falta são os recursos financeiros. Sem recursos financeiros, o JRS não se pode comprometer com a AIMA e, por sua vez, a AIMA não avança com processo para o MNE, que é responsável por emitir os vistos através da embaixada em Teerão”, diz Marta. É, assim, necessária uma verba de 100 mil euros, antes de tudo o resto.

Na plataforma GoFundMe, Marta Crawford lançou uma campanha de crowdfunding para tentar financiar todo o processo. Até agora, a campanha conta com menos de 20 mil euros angariados. Apesar de a plataforma sinalizar que o objetivo está cumprido a 80%, a verdade é que, por ser um valor grande, o objetivo final é “partido” em metas intermédias, para que os apoiantes não desistam de ajudar. Assim, o objetivo final, de 100 mil euros, é ainda um horizonte longínquo. “Encontramo-nos num impasse e por isso esta campanha quer mobilizar a sociedade civil para que possamos salvar esta família”, explica Marta, na página do crowdfunding. A história da Nasira é a história de todas as mulheres que ousaram falar quando o mundo queria que se calassem. Salvá-la é salvar uma voz que os Talibãs tentaram silenciar. É dar-lhe a oportunidade de viver, de criar e de contribuir para Portugal com o seu talento e coragem.”

Assim, a ativista faz agora o apelo para que sociedade civil se mobilize e ajude Nasira, uma de tantas mulheres afegãs a quem a existência foi negada em prol do extremismo religioso e patriarcal. 

Também Nasira faz o apelo: “as mulheres afegãs, com esperanças vacilantes, continuam à procura de uma luz que não se apague na escuridão dos Talibãs. Em nome da humanidade e com respeito por todas as leis internacionais, pedimos ao povo e ao governo de Portugal que nos apoiem, para que as vozes das mulheres silenciadas do Afeganistão possam voltar a ser ouvidas e a esperança de viver permaneça viva nos seus corações”.

A campanha Urgente! Ajudem a salvar Nasira e a Sua Família dos Talibãs está ativa neste link, através do qual pode contribuir para esta causa. 

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