As zonas das cidades de Lisboa e Porto onde existe um maior número de alojamentos locais são, também, as zonas onde há menos residentes permanentes e menos habitação disponível. Uma parte significativa destes alojamentos está nas mãos de grandes proprietários, algo que contraria a narrativa do pequeno negócio familiar que permite ganhar um rendimento extra. A distribuição destes negócios no território é desigual, sendo as zonas históricas as mais afetadas.
Esta e outras conclusões resultam de um conjunto de informações e dados agora reunidos na plataforma DesAlojamento. Desenvolvida por João Bernardo Narciso, investigador em visualização de dados e doutorando em Economia Política pelo ISCTE-IUL, a página resulta de um projeto individual que agrega e analisa dados sobre alojamento local, com foco nas duas maiores cidades do país. O objetivo, segundo o académico, é “tornar acessível ao público informação que, até agora, estava dispersa ou confinada a estudos académicos”, de forma a ilustrar de forma clara a evolução do problema.
A plataforma reúne mapas e gráficos que são acompanhados do contexto temporal e legislativo que foi contribuindo para a multiplicação de alojamentos locais em zonas-chave das cidades. O objetivo é que o leitor possa acompanhar a evolução do alojamento local ao longo dos anos e cruzar essa informação com outras dimensões, como a concentração económica. “Acho que é muito importante perceber que grande parte dos alojamentos locais está na mão de empresas ou de grandes proprietários, ao contrário daquela narrativa que às vezes é um bocadinho construída, de que o Airbnb e o alojamento local são simples quartos que servem para gerar um dinheiro extra para as famílias. Essa situação acontece, certamente, mas o panorama geral não é esse, em particular no Porto e em Lisboa" sublinha João Bernardo Narciso.
No site, lê-se também que “apenas 0.63% dos ALs estão registados como quartos. A esmagadora maioria são habitações que ficam vazias assim que os turistas as deixam”. Também a legalidade dos anúncios deixa a desejar, já que muitos não apresentam número de licença, apesar de ser obrigatório por lei.
A recolha de dados foi feita a partir de três fontes principais: o Registo Nacional de Alojamento Local, os Censos do Instituto Nacional de Estatística(INE) e a própria plataforma Airbnb. Com esta iniciativa, o autor pretende contribuir para um debate mais informado sobre a crise habitacional e as suas causas, oferecendo uma ferramenta que alia rigor estatístico a uma comunicação acessível. “[A ideia] não é diabolizar o alojamento local, não é dizer que esta é a grande causa da crise de habitação e do aumento das rendas. Não é isso, mas temos informação suficiente para poder dizer que [o crescimento do alojamento local] é um dos fatores que contribui para essa crise”, explica o investigador.
A par com a agregação de dados e informação sobre a evolução do problema, João Bernardo Narciso apresenta, na DesAlojamento, medidas adoptadas por outras cidades onde o alojamento local aumentou de forma desmedida e começou a prejudicar o acesso à habitação, como Barcelona, Singapura ou Nova Iorque. “Foi muito importante para mim dar essa conclusão ao site porque eu acho que não basta apresentar o problema, é preciso também apresentar algumas soluções, mostrar que é possível e que há cidades que já o estão a fazer, algo que o surpreendeu. “Quando fui pesquisar percebi realmente que nós somos o outlier, não só a nível europeu, mas a nível mundial. “A maior parte das cidades que têm problemas a sério deste tipo, têm tomado medidas concretas muito mais fortes do que as que temos tomado [aqui]”, diz.
Até porque, conforme afirma no site, "suspender licenças nesta fase, é quase como fechar a torneira quando a casa já está inundada", ou seja, suspender as novas licenças de alojamento local não resolve o problema que já existe. “Mesmo que a suspensão fosse total e absoluta, para sempre, o problema iria continuar a existir porque estes alojamentos locais já existem e já estão muito para lá daquilo que é aceitável numa cidade que quer uma habitação para todos e casas que sejam para viver e não para especular e fazer negócio”, acrescenta.
“O alojamento local em particular, é mesmo uma questão de ‘monocultura’ do turismo em zonas muito específicas da cidade, que se estão a tornar quase um parque de diversões.”
João Bernardo Narciso acredita que as medidas implementadas a este setor são “extremamente tímidas”, “ineficazes” e “fora do tempo”, pois “o problema está lá e mantém-se”. “Nada é feito para devolver estas casas ao mercado de habitação que é isso que é isso que é preciso”.
Assim, assume como objetivo deste projeto a apresentação e sintetização de informação - que admite até já ser do conhecimento dos atores políticos - para que as medidas possam ser repensadas e adaptadas. Pretende que “isto gere discussão”. “Também não tenho respostas finais para tudo, não é? Obviamente que [o site] tem uma indicação bastante grande daquilo que os dados mostram e daquilo que acredito que seja preciso fazer com base noutros exemplos e no que os dados mostram, mas isso não é uma discussão que acaba aqui, obviamente”.