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Entrevista Mano a Mano, entre a Madeira, o jazz e a química musical de dois irmãos

Abril é o mês que viu chegar o terceiro volume de Mano a Mano, o…

Texto de Andreia Monteiro

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Abril é o mês que viu chegar o terceiro volume de Mano a Mano, o duo dos irmãos e guitarristas André e Bruno Santos. Neste terceiro disco, às guitarras e pedais juntaram os cordofones – braguinha e rajão –, característicos da ilha onde nasceram, Madeira. Com uma vontade crescente de apostar em temas originais, é assim que este disco surge recheado de oito temas originais e duas reinterpretações. “Noites da Madeira” surge como uma homenagem a Tony Amaral, mas também a Max e ao guitarrista Carlos Menezes, que se pensa ter sido o primeiro guitarrista elétrico português. A segunda reinterpretação do disco é um standard de jazz, “Stardust”, que oferece uma fusão do rajão com as influências da versão de Nat King Cole.

Mano a Mano, Volume 3

Ambos com longos percursos no jazz, nasceram no Funchal com dez anos de diferença. Bruno Santos é o mano mais velho, um guitarrista rigoroso e profundo conhecedor da história da guitarra que já tocou com nomes como Rita Redshoes, Lena D’Água, Mário Laginha ou Bernardo Sassetti. É o diretor pedagógico da Escola de Jazz do Hot Clube e autor de quatro discos em nome próprio. Dirige, ainda, o Septeto do Hot Clube de Portugal, com o qual já lançou três discos. André Santos é um guitarrista de amplos interesses que tem um trio com Carlos Bica e dirige um projeto de música tradicional madeirense reinventada, Mutrama, para o qual convidou Salvador Sobral, Maria João e Ricardo Ribeiro. Tem dois discos em nome próprio e participa noutros tantos, sendo os mais recentes, os de Salvador Sobral e Pedro Moutinho. Foi no conservatório de Amesterdão que fez o mestrado em jazz, tendo desenvolvido uma tese sobre cordofones madeirenses, grupo no qual se inserem instrumentos como o rajão, a braguinha e a viola de arame.

Rajão de André Santos

Foi numa tarde que fez tréguas à chuva, que os Manos nos receberam na sua sala de estar que serviu de cenário para a capa do seu terceiro volume. Rodeados de discos, estatuetas de santos, guitarras, cordofones, amplificadores, teclados, piano e dois simpáticos gatos, foi em volta de um tapete azul que nos sentámos confortavelmente em cadeiras de madeira. Dentro do disco, vemos revelada a ilustração surpresa de Dário Gomes que retrata este ambiente familiar que os Manos procuram levar para palco nos seus concertos, com uma química musical ímpar. Por entre risos, miares e cordas sonantes começamos a nossa conversa sobre o terceiro volume de Mano a Mano, a influência da Madeira na sua música e o que faz do jazz um género musical tão especial e cada vez mais sonante pelas salas de Portugal. Ao abrirmos o seu novo disco, lemos: “Chegámos ao terceiro, nada mal.” Nada mal mesmo, sem mais demoras, arrancamos para a conversa.

Estatuetas de santos na sala dos Mano a Mano

Gerador (G.) – Que novos sons a braguinha e o rajão vieram trazer a este vosso terceiro disco?

André Santos (A.S.) – Estávamos a tentar incluir estes cordofones madeirenses já no volume anterior. Já tocava braguinha e depois ofereci ao meu irmão, no seu aniversário, outro instrumento que é o rajão e decidimos incluí-lo neste volume três. Isso é uma maneira de darmos diversidade ao nosso som, porque duas guitarras pode ser algo extremamente chato, mas nós não queremos isso para nós nem para ninguém. Então, uma das formas de dar diversidade é incluir estes cordofones da nossa terra, cordofones madeirenses, para além de todos os outros sons que utilizamos.

G. – Conseguem descrever as influências sonoras que a ilha da Madeira tem nas vossas músicas?

A.S. – Acho que estes cordofones são uma das sonoridades mais óbvias. Também tocamos um tema que é o “Noites da Madeira”, que é um clássico do reportório madeirense. Está associado a uma geração de músicos que estava muito ligada ao jazz, ao Max, que era a figura de referência dessa altura. Há quem diga que a nossa música é uma música solarenga. As pessoas veem essas coisas que se podem associar ao tempo tropical da Madeira.

G. – André, nos projetos que tens vindo a integrar ou criar, há uma predominância das influências madeirenses, quer seja através da inclusão de instrumentos como o rajão, quer da reinvenção da música tradicional madeirense com Mutrama. Tendo um longo percurso no jazz, de que forma achas que a sonoridade madeirense te enrique e diferencia o teu trabalho?

A.S. – Sim, de facto, o campo que mais explorei e exploro é o jazz. Permitiu-me despertar algumas sensibilidades para a improvisação, mas o jazz também vive muito de aprendermos as canções e todo o rigor de aprender uma boa canção. Aprendermos mesmo bem as coisas, a melodia, os acordes, tudo isso. Depois, mais à frente, com outra maturidade musical, comecei a despertar o interesse para essa música tradicional madeirense. Comecei pelos cordofones e, depois, ao investigar o que se tocava com estes cordofones, fui descobrindo umas pérolas na música tradicional madeirense. Esse rigor que aprendi no jazz, transpus para a recolha de música tradicional madeirense que me disponibilizaram na altura desse projeto, que é o Mutrama. Acho que é uma maneira de ter um cunho pessoal, mas também de mostrar as raízes de onde venho. Se calhar, não é tão comum ouvir este tipo de linguagem mais jazzística tocada nos cordofones e pegar nessas melodias, que, à partida, são simples, tradicionais e que as pessoas deixam um bocado de lado, para trabalhá-las desta forma com um arranjo um bocadinho mais atual e com cunho jazzístico. Lá em casa sempre ouvimos muita música, graças aos nossos pais e especialmente a um tio nosso que tinha uma coleção de discos muito grande. Por isso, tudo é bem-vindo na nossa música.

André Santos (à esquerda) e Bruno Santos (à direita) em entrevista ao Gerador

G. – Para além da Madeira, que outras regiões mais vos influenciam? Porque, embora tenham raízes no jazz, com Mano a Mano procuram explorar outras influências, não é?

Bruno Santos (B.S.) – Sim, é uma coisa que acontece naturalmente. Ou seja, nós não nos sentámos a pensar “agora vamos trazer um tema desta zona”. Acontece naturalmente devido à diversidade musical que tivemos no nosso percurso e na nossa vida. Neste disco, acho que isso é mais explícito do que nos discos anteriores. Temos um tema que remete para um som de Cabo Verde. Acho que a música brasileira está lá, não de maneira superexplícita, mas está lá. Temos temas mais jazzísticos. Temos um tema mais bluesy, outro que é uma coisa mais contemplativa. Temos diversidade e variedade, mas isso aconteceu de maneira natural e tem que ver com as nossas influências, aquilo que ouvimos.

A.S. – Temos dois temas que têm o nome de cidades, “Guimarães” e “Cabo Verde”. “Cabo Verde” é um tema do meu irmão, porque remete para essas sonoridades africanas, tal como ele disse. “Guimarães”, por acaso, não é por estar a trabalhar melodias do Minho. É só porque estava em Guimarães quando comecei a escrever esse tema. Fizemos lá uma residência artística no Santa Luzia Arthotel, já uma espécie de embrião para este volume três, e foi nessa residência que nasceu esse tema.

G. – Uma das diferenças deste terceiro volume é a aposta em mais canções originais, oito, e apenas duas reinterpretações. O que vos levou a escolher os temas “Noites da Madeira” (Tony Amaral) e “Stardust” (Hoagy Carmichael) para incluir neste terceiro volume, apesar da crescente vontade, aquando da digressão do segundo volume, para apostar em originais?

A.S. – As “Noites da Madeira”, por acaso, redescobri-a no projeto Mutrama. Fui reouvir essa canção que já conhecia. É uma música muito conhecida lá na Madeira. Reouvi com os meus ouvidos atuais, em que oiço aquilo e oiço um standard de jazz vindo da Madeira. Como também andava a tocar isso no Mutrama, decidi sugerir ao meu irmão – “e que tal se tocássemos esta os dois?” E tocámos. Experimentámos algumas vezes nos ensaios, conhecemos bem a canção, soou bem, então decidimos incluí-la. O “Stardust” foi este senhor que decidiu incluir.

“Noites da Madeira” reinterpretadas no projeto Mutrama, em concerto no Teatro São Luiz

B.S. – O “Stardust” é um dos clássicos do reportório do jazz, cantado por muita gente – o Frank Sinatra, o Nat King Cole, enfim, por toda a gente. Ouvi uma versão, numa playlist que andava a rodar para a minha filha recém-nascida, e ouvi uma versão disto tocada com ukulele, que é um instrumento muito parecido com as nossas braguinhas. Quando o ouvi, pensei que de certeza que funcionaria com o rajão, porque são instrumentos parecidos. Sugeri ao André e fizemos um mix da nossa interpretação, mas misturámos com essa versão que ouvi com o ukulele e roubámos uma ou outra coisa à versão do Nat King Cole, que é uma versão com uma orquestra gigante. A parte final do tema é roubada do arranjo no Nat King Cole, só que com dois rajões. O Nat King Cole tem uns 700 músicos, mas estes dois rajões parecem 650, por aí! (risos)

Reinterpretação de “Stardust” por Mano a Mano

A.S. – Falámos do ukulele e dos cordofones e há esta ligação, porque reza a história, e parece-me ser uma história verídica por tantas fontes que existem a dizer a mesma coisa, os madeirenses, no final do século XIX, foram trabalhar para o Havai para as canas-de-açúcar. Foram duas ou três embarcações de quatrocentos e tal madeirenses que foram do Funchal para lá e numa dessas, num barco chamado Ravenscrag, foram quatrocentos e tal madeirenses e, ao fim de quatro meses, chegaram finalmente a Honolulu. Quando lá chegaram, um dos passageiros começou a tocar braguinha para celebrar o facto de lá terem chegado sãos e salvos, e li que nessa semana fizeram alguns concertos lá pela cidade e as pessoas ficaram fascinadas com esses instrumentos pequenos que produziam esta sonoridade. E os primeiros construtores do ukulele são portugueses, são madeirenses. Daí essa ligação dos cordofones madeirenses e do ukulele.

G. – André, fala-me da “Valsa para CDV” que homenageia o músico madeirense Cândido Drumond de Vasconcelos. Como chegaste até ele?

A.S. – Este músico é do século XIX, muito antigo. Descobri-o, porque esta coisa dos cordofones e da música tradicional começou numa tese de mestrado que fiz há uns anos, em Amesterdão, e, ao procurar o que se tocava com estes instrumentos, descobri este compositor, completamente desconhecido para mim e para a maior parte das pessoas da Madeira – o Cândido Drumond de Vasconcelos. Era um tocador de braguinha, professor e compunha. Recentemente, encontrou-se um manuscrito que foi editado. Então, estava a ouvir as peças dele, que são peças eruditas, compostas para estes instrumentos. Quando fiz a minha primeira canção na braguinha, transbordou a Cândido Drumond de Vasconcelos por todos os lados e, no final, decidi que seria uma valsa para ele. No disco, está CDV por uma questão de espaço, porque fizemos ali uma troca na contracapa, mas fazemos questão de dizer o nome completo nas entrevistas para o senhor nunca mais ser esquecido.

André Santos (à esquerda) e Bruno Santos (à direita)

G.– A Rita Redshoes escreveu que assistir a um concerto vosso é como embarcar numa viagem em que a linguagem é virtuosamente musical, mas também física e emocional. O que é que para vocês é importante levar para palco na apresentação do terceiro volume de Mano a Mano para garantir que o palco funciona como a sala de estar onde recebem o público?

B.S. – Já pensámos em várias coisas. Pensámos em recriar um cenário que remeta para a nossa sala de estar. Acho que isso já acontece naturalmente sem os candeeiros e o tapete, porque tocamos os dois a esta distância, conversamos com as pessoas, e é assim uma coisa muito relaxada, mas acho que essa ideia surgiu num dos primeiros concertos que fizemos num teatro pequenino em Algés. Foi criado ali um ambiente muito intimista. Sem pedirmos, souberam fazer aquilo. Então, começámos a usar os candeeiros para ficar uma coisa mais intimista, comprámos um tapete na feira da ladra. Tocamos assim próximos um do outro, conversamos com as pessoas, tentamos contextualizar a escolha de reportório, explicando que determinado tema está num disco que ofereci ao André, outro tema foi escrito porque ele me ofereceu o rajão. Portanto, há uma conversa. Pensámos até em fazer uma coisa mais elaborada, quase uma peça de teatro musicada. Acho que isso é mais a nossa postura do que propriamente todas as coisas que levamos para o palco. Claro que isso ajuda. Depois enchemos o palco com coisas, o André comprou uns bonequinhos.

A.S. – No disco ouve-se assim…

G. – Uns patinhos de borracha, não é?

A.S. - Exatamente. Ele até aparece na capa do disco, na verdade. No início, há um tema em que usamos isso e depois fazemos uma introdução em que usamos os chocalhos, o pato e não sei o quê. Recentemente, comprei um ursinho que também faz um apito e vamos brincando com isso. Isso também serve para a minha sobrinha. A filha do meu irmão fica maravilhada, parte-se a rir.

André Santos a mostrar o pato de borracha que aparece na capa do terceiro volume de Mano a Mano, disponível desde dia 16 de abril

G. – Ouvir as vossas músicas é também entrar na vossa intimidade através da partilha da vossa história, desde logo, pela química que têm ao tocar juntos. Qual foi a vossa relação com a música ao longo do vosso crescimento?

B.S. – Como o André disse, tivemos sempre muita música em casa. Os meus pais tinham muitos discos. O meu tio, o irmão da minha mãe, então nem se fala! Comprava discos todas as semanas. Tinha uma montanha de discos lá num quarto. Fartei-me de gravar cassetes lá. Estava lá todas as semanas a gravar cassetes. Depois, comecei a tocar violão, influenciado pelos amigos do liceu. Tive um percurso, mais ou menos, típico. Havia lá um colega meu que tocava guitarra e achei que aquilo tinha graça. Também aprendi a tocar. Depois havia a febre das bandas de garagem. Montei uma banda de garagem com amigos meus. Passei por várias fases. Pop com o meu tio, rock com a banda de garagem, depois descobri o jazz e vim para o Hot Clube estudar e, a partir daí, foi sempre a andar.

As cordas sonantes de Bruno Santos

A.S. – No meu percurso, segui um bocado as pisadas do meu irmão. Lembro-me também do nosso tio nos oferecer discos nos anos, no Natal. Íamos a casa dele gravar cassetes, e essas coisas todas. Lembro-me, também, de receber um walkman em que estava lá o João Gilberto a tocar bossa-nova numa cassete. Depois, lembro-me de ser um fã incondicional dessa banda de garagem do meu irmão e de, com essa banda, conhecer coisas como Led Zeppelin, Rage Against the Machine. Depois fui seguindo. Fui aprendendo com o meu irmão os primeiros acordes. Depois, ele incentivou-me a improvisar umas coisas e fui seguindo também o caminho do jazz chegando até aqui, assim muito resumidamente.

G. – Acham que a música, de alguma forma, vos tornou mais próximos? Por exemplo, André, seguras a guitarra com a mão esquerda, embora não sejas canhoto, porque estudavas em espelho o que o teu irmão tocava, não é?

A.S. – Sim, sim. Sou destro em quase tudo, mas sou esquerdino a tocar e tenho essa teoria em como estava a imitar o meu irmão e virava a guitarra para esse lado. Acho que sim, claro que nos aproxima. Para além dessa coisa de sermos irmãos e partilharmos essa parte familiar, temos esta coisa em comum que é a música. Falamos um com o outro sobre as nossas arrelias, ou o que seja. Também falamos a mesma linguagem musical, portanto, claro que isso também nos aproxima. Concordas?

B.S. – Concordo. (risos)

André Santos (à esquerda) e Bruno Santos (à direita)

G. - Bruno, porquê a escolha do Thelonious Monk com o John Coltrane para primeiro disco de jazz para ofereceres ao André?

A.S. – Foi completamente aleatório, não foi?

B.S. – Foi aleatório. Comprei o disco na Madeira e lembro-me de que havia uma pequena discoteca onde comprei os primeiros discos de jazz, mas que tinha muito pouca coisa. Então de jazz, tinha para aí uns cinco discos. Escolhi aquele disco e acho que nem o ouvi antes. Vi Thelonious Monk e John Coltrane, conhecia os dois, não conhecia o disco, e pensei que dos que estavam ali me tinha parecido ser a melhor escolha. Mas não é um disco óbvio.

A.S. – Ainda por cima, há um disco clássico desse encontro do Thelonious Monk com o John Coltrane que também é ao vivo. Mas este que ele me ofereceu é outro ainda.

B.S. – Dizem, não sei se foi a mulher do Monk ou do Coltrane, que pôs o gravador, daqueles que têm o REC e o PLAY, e deixou a gravar.

A.S. – É assim uma gravação meia manhosa e corriqueira, meia desafinada. Uma loucura total. Foi mesmo para escancarar as orelhas. (risos)

G. – Embora ambos toquem guitarra e tenham um percurso no jazz, têm linguagens diferentes. O André admira a clareza e convicção da guitarra do Bruno, e o Bruno admira a dissonância, reverberação e loops da guitarra do André que mais depressa sai do panorama jazzístico para integrar elementos do rock ou pop. Entre diferenças e admirações onde é que se encontram para que este Mano a Mano se torne harmonioso?

B.S. – Acho que o encontro tem que ver com o facto de termos princípios iguais na forma como pensamos a música. Neste caso, pensar a dois e em que o que conta não é um de nós ou os egos, mas sim a coisa funcionar. Acho que temos abertura suficiente para recebermos os temas e propostas dos dois e tentarmos chegar ali a um consenso e fazer a coisa soar. É muito importante termos ouvido muitas coisas semelhantes no nosso início e dos tais princípios. Isso ajuda muito.

A.S. – Acho que a génese musical é a mesma, depois, se calhar, fomos abrindo e descobrindo coisas diferentes, seguindo caminhos ligeiramente diferentes, mas no Mano a Mano vamos ao encontro um do outro. Há coisas que, se calhar, para mim não faz sentido, ou vice-versa, e encontramos um ponto de equilíbrio. Há uns anos tocava com um baterista americano, quando estava em Amesterdão, que era completamente tresloucado, e quando toquei no recital final no Conservatório de Amesterdão, o meu irmão foi, tocámos lá e esse baterista disse, “é curioso porque vocês dizem a mesma coisa, mas por palavras diferentes.” Na muche.

B.S. – Isso resume.

G. – Bruno, consegues identificar o que é que no jazz te levou, quando o descobriste, a ficares obcecado com esse género musical ao ponto de só o ouvires?

B.S. – O jazz tem uma coisa muito particular. Para já, é superdesafiador, porque rompeu com quase tudo o que eu sabia e conhecia de música. Tocava rock e foi uma coisa nova para mim, desafiadora a vários níveis. Depois, tem muitas correntes, tens muito por onde ir. Comecei primeiro por ouvir os guitarristas, mas depois descobri os saxofonistas, depois os pianistas. Às tantas, é tanta informação que queres chegar a todo o lado e queres consumir aquilo. Foi isso que me aconteceu. É uma espécie de pequena droga. Ouvia um pianista num disco de um guitarrista, mas depois tinha de conhecer os discos em que o pianista era líder. Depois ouvia um baixista naquele disco e queria conhecer. Foi um bocadinho isso, ir atrás dessas coisas que ouvia, porque estava a descobrir a linguagem com os discos, não só a tocar. E essa linguagem aprende-se ouvindo e, numa primeira fase, copiando. Não há outra alternativa.

Bruno Santos ao lado da sua guitarra

G. – Talvez o senso comum que hoje se tem em relação ao jazz, porventura também devido ao que os filmes de Hollywood têm vendido, seja que o jazz está a morrer, ou que é música de elevador de que ninguém gosta. No entanto, parece-me que acontece o contrário. Bruno, tens também um papel importante na educação musical de jazz em Portugal, sendo o diretor pedagógico do Hot Clube de Portugal. De que forma veem a cena jazzística portuguesa atualmente? Notam a existência de mais projetos e a procura por parte dos jovens em aprender este género musical, provando que não está morto?

B.S. – Há muito mais gente, claramente. Isso é uma coisa irrefutável. Vim estudar para o Hot Clube em 1998 e, principalmente nos últimos dez/quinze anos, há muito mais alunos. Há muito mais escolas, também. Na altura, havia o Hot Clube e pouco mais. Agora, há as licenciaturas e mestrados na escola superior, na Universidade Lusíada. Se somarmos essas escolas todas, chegas a um número brutal de alunos para um meio tão pequenino como é o do jazz. Agora, naturalmente o nosso país não é gigante, portanto, nem toda a gente vai conseguir fazer carreira no meio jazzístico, mas há muito mais gente. Parece-me que, pelo menos em Lisboa, a coisa cresceu. Há mais sítios para tocar, fruto também dalguma fossanguice da nova geração. De alguns que andaram aí a chatear pessoas para receberem jam sessions e concertos. A coisa tem muito movimento. Hoje em dia, consegues ouvir jazz ao vivo todos os dias em Lisboa, o que é incrível. Portanto, está vivo. Mas é como te disse. O jazz tem muitas correntes. Se me disseres que a coisa tradicional já não se ouve tanto? Isso é verdade. Eventualmente não se ouve tanto, mas não me parece que esteja a morrer. Se calhar, está em transformação, numa fase de descoberta. E parece-me, também, que há mais malta nova a ouvir jazz e a ir aos concertos, o que é bom sinal.

A.S. – É verdade, sim senhor. Acho que há muita gente que diz isso, mas é uma visão muito superficial. Se calhar, vem de pessoas que não ouvem jazz e acham que é uma coisa, quando é tanta coisa diferente, como o meu irmão estava a dizer. De facto, agora há um festival de jazz, ou um ciclo de jazz na Vila Nova da Barquinha, em qualquer sítio de Norte a Sul. Uma ideia que tenho é que nas gerações anteriores, tipo trinta anos atrás, quando lançavam um disco ficavam à espera de que as coisas acontecessem. Hoje em dia, as pessoas fazem um disco e têm a Internet com fácil acesso e vão correr atrás para tocar, para mostrar o trabalho, para as coisas acontecerem. Acho que tudo isso faz com que o jazz cresça. Só alguns artistas de jazz é que enchem pavilhões, grandes auditórios ou campos de futebol, são raríssimos, mas está de boa saúde. Temos muitos sítios para tocar, muita gente a ver e apreciar. Às vezes, há essa visão superficial. O pessoal acha que o jazz é uma coisa e é outra. Há pessoas que vão ao nosso concerto e que nos dizem que até nem gostam de jazz, mas que gostaram do nosso concerto. Mas isto também pode ser jazz, porque o jazz bebe isto tudo, aceita isto tudo, muita fusão, muita influência.

B.S. – Quanto a números, estou a dirigir a escola do Hot Clube desde 2009, portanto há dez anos. Passámos de noventa para trezentos e tal alunos nesses dez anos. Mesmo que não seja com o propósito de ser músico de jazz, há muita gente curiosa em estudar e acho que no fim de contas vão ser sempre três ou quatro de cada geração, ou cinco ou seis a furar, mas haver muita gente eventualmente faz subir a parada e o nível, digo eu. Veremos o que o futuro nos reserva.

Bruno Santos (à esquerda) e André Santos (à direita) na sua sala de estar que serviu de cenário para a capa do volume três de Mano a Mano

Sem certezas do que o futuro lhes reserva, podemos já apontar onze concertos confirmados dos Mano a Mano. No dia 30 de abril, dia internacional do jazz, irão apresentar um showcase do disco na APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), em Lisboa. A 6 de maio, voam até ao Funchal para a Festa da Flor. Regressam ao continente para, a 10 de maio, tocarem no Porto, no Jazz na Ordem, e a 25 de maio em Alhandra, no Jazz na Quinta. No verão, marcarão presença em Vila Nova da Barquinha, no Jazz no Parque, a 13 de junho; em Viana do Castelo, no Jazz na Praça da Erva, a 1 de agosto; em Santa Cruz no Santa Curtas, a 9 de agosto; e são um dos nomes confirmados para o festival Bons Sons em Cem Soldos (Tomar), que decorre de 8 a 11 de agosto. A 31 de outubro, voltam ao Funchal, ao Teatro Municipal Baltazar Dias, seguem para Grândola, no Cineteatro Grandolense, a 16 de novembro, e terminam a digressão, por agora, em Lisboa no Centro Cultural de Belém, a 24 de janeiro.

Entrevista de Andreia Monteiro
Fotografias de Andreia Mayer

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