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Entrevista a Tó Trips: “O futuro faz-se com aquilo que vem de trás, com o romper com o passado.”

Desafiado pela GAU – Galeria de Arte Urbana, para propor ideias musicais e criativas para…

Texto de Gerador

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Desafiado pela GAU – Galeria de Arte Urbana, para propor ideias musicais e criativas para a programação da 3.ª Edição do Muro – Festival de Arte Urbana, o Gerador surgiu com o conceito de convergir música e obras visuais. NBC, Surma e Tó Trips foram encarregados de criarem sonoridades originais para três obras visuais, fundindo-se numa experiência sensorial de outra dimensão.

De 23 a 26 de maio, será possível experienciar o resultado de uma simbiose entre Tó Trips e a obra de Third, que se baseia essencialmente em Maria Alice, a primeira mulher a gravar um disco em Portugal.

Da mistura dos rascunhos de Third com a voz de Maria Alice, Tó Trips criou todo um universo sonoro para dar vida ao que estará retratado nos muros da cidade. O Gerador quis perceber como é que o guitarrista português se envolveu com o desafio e, para tal, durante uma tarde, conversamos e ouvimos a maneira como Tó Trips, no seu estúdio, se apodera do conceito para eternizar a memória de Maria Alice.

Entrevistar Tó Trips é um verdadeiro desafio, a sua simpatia é intimidante, mas é uma questão de segundos até o músico transformar o seu estúdio num universo musical único. Descobriu desde cedo a guitarra, mas é no liceu que forma a sua primeira banda que, em 1985, toca no Rock Rendez Vous. As influências foram imensas. Nos anos oitenta, ambienta-se com Glen Branca, Sonic Youth, nos noventa, enche-se de ideias surgidas no Festival Reading, formando os Lulu Blind, fazendo ainda a primeira parte dos Sonic Youth. Tó Trips tem tido uma vida preenchida de viagens musicais, que o têm levado a diferentes cantos do mundo. Hoje é metade da alma dos Dead Combo, toca ainda com Timespine, com João Doce ou mesmo a solo. Se um dia o encontrarem na rua a gravar sons do mundo, é sinal que tudo está bem.

A entrevista começa com Tó Trips a mostrar-nos uma das primeiras faixas já quase completa, uma sonoridade tipicamente portuguesa, samplando algumas das letras de Maria Alice.

Tó Trips no seu estúdio em casa.

Gerador (G.) – Como é que começou? Qual é que foi o primeiro passo para compor esta música?

Tó Trips (T. T.) – O primeiro passo foi ouvir as músicas, não é? Depois tive a apanhar [frases], porque eu curto estas cenas das frases. [Mostra-nos os momentos exatos das letras sampladas da música.] Apanhar estas frases, como se fosse uma memória. Nem todos os temas vão ser assim, mas é fixe ter em alguns temas uma memória da voz dela. Ainda por cima foi a primeira mulher a gravar um disco. É fixe ter isso, mesmo que não seja a voz pode ser só a melodia da voz. Ou seja, gravei a melodia da voz.

G. – Está ali qualquer coisa para além da voz, a guitarra é como se traduzisse um bocadinho essa presença.

T. – Sim, às vezes, por exemplo, o pessoal nos Dead Combo faz isso, temos uma versão dos Queen of the Stone Age assim que, ao fim ao cabo, o que é a versão é a melodia. Como nós não temos voz, é a melodia da voz dele. Sacámos a melodia da voz e fizemos um tema a partir daí.

G. – E agora neste contexto, como é que está a correr? Teve muitos percalços, faltas de inspiração?

T. – Isto é como tudo, é tocar, é experimentar… Tem a ver com o meu toque, com o lado português, tem de haver ali uma memória que te puxe para esse lado português. Depois a composição é ir experimentando. Às vezes é como pintar, tens uma coisa na cabeça, mas depois acabas por ir por outro lado.

G. – Vai deixando acontecer?

T. – Sim, depois há coisas que se deitam fora, outras que se guardam.

G. – E como é que é feita a seleção?

T. – O deitar fora tem a ver com o facto de te distanciares daquilo que estás a fazer. O pessoal está aqui a fazer isso e às vezes é mais a parte técnica de acertar e essas coisas. E depois se deixares passar muito tempo, normalmente é o que se faz – ou o que eu faço –, o pessoal grava as coisas e passa um tempo sem estar a ouvir, para depois ouvir com outra cabeça e ouvir e ver se vai lá.

G. – Não é só, “isto soa bem”, também é uma questão de aprovação, é uma coisa mais crítica?

T. – Eu acho que um gajo que seja músico, ou seja artista, tem de – neste caso na música – ser ouvinte também. Eu também ouço música dos outros, portanto [sou crítico], e há umas que estão muito fixes. E tem de ser como ser humano, como pessoa, é ouvir, que é uma coisa super importante e não ter qualquer interesse por ter sido eu a fazer. Se fui eu que fiz isto, nesta audição não interessa, o que me interessa é o resultado.

G. – É saber ter uma certa humildade?

T. – Não é uma questão de humildade, é uma questão de ser sincero com as coisas que se fazem, ser honesto.

O percurso musical de Tó Trips afixado nas paredes do seu estúdio.

G. – Como está a ser trabalhar com um prazo?

T. – Trabalhei muitos anos em publicidade, prazos são uma coisa que estou habituado até é fixe, ajuda a focar e a ser pragmático e a ser rápido.

G. – Podemos acompanhar um bocadinho esta criação? Para tornar as coisas mais claras, descobrir o como?

T. – O que faço é pegar em malhas que tenho e depois exploro. Temos de experimentar aqui... [Toca algumas das ideias.]

G. – São quase caminhos diferentes.

T. – São maneiras de começar as coisas. Podes começar com um ritmo, podes começar com uma melodia...

G. – Neste caso do projeto da Maria Alice, qual é o caminho?

T. – A Maria Alice vai ser muitas coisas. O conceito que arranjei tem a ver com o tipo de guitarras que faço que tenha um toque português.

G. – Pode parecer vago, mas qual é a coisa mais portuguesa?

T. – Não é vago, sei lá. Faço aqui coisas que tu dizes que isto é português. [Exemplifica dedilhando sonoridades com traços facilmente reconhecíveis, similares a guitarra portuguesa.] Agora já te vai parecer mais música espanhola. [Toca guitarra cuja sonoridade relembra guitarras típicas flamencas.]

G. – É quase paradoxal, há uma linha distinta que separa as sonoridades portuguesas da espanhola, mas ao mesmo tempo consegue tornar-se ténue.

T. – Há sempre um guia espiritual nesse tipo de cenas, que é o Carlos Paredes, em que tu identificas não só a pessoa, mas como o som que ela faz.

G. – Um som característico, uma identidade vincada?

T. – Sim, ninguém toca como ele, ou aquele som de guitarra portuguesa. Basicamente, o que faço – não sou o Carlos Paredes [risos] – é passar esse tipo de melodias, de espírito em elétrico.

G. – Música portuguesa é fortemente carregada de emoção. Não sente que às vezes se espalha para si, no momento de criar?

T. – Por exemplo, agora estou aqui a tocar, mas isto [a música] tem de ter sempre as coisas que um gajo faz. O que deve ficar gravado não são só as notas, é a maneira que tu dás as notas e que tu sentes as notas. Uma coisa é ficar assim [toca algo de maneira seca e fria], outra coisa é imprimires uma cena quase sempre violenta [toca algo mais carregado de sentimento e agressividade], isto, estás a ver? [dedilha e toca com mais intensidade] Por isso é que o pessoal às vezes grava vários takes [risos].

G. – Porque todos ficam de maneiras diferentes?

T. – Sim. Há coisas que às vezes até são irrepetíveis. Porque todos nós temos dias diferentes, estamos em estados de espírito diferentes todos os dias. E sim, já aconteceu gravar coisas que, depois gravei-as outra vez, e nunca saíram como aquela vez e são as mesmas notas e até está bem tocado, mas não com aquele espírito com que se tocou aquilo. E às vezes é o mais difícil de se conseguir.

G. – Acertar no espírito?

T. – Ya!

G. – E qual é que tem sido o espírito para Maria Alice?

T. – O espírito tem sido fazer as coisas da melhor maneira que as sei fazer.

Tó Trips, no seu estúdio, tocou-nos algumas das ideias para o projeto do Muro.

G. – Mas qual é que tem sido o ingrediente emocional que tem acompanhado o processo criativo?

T – Eu gosto que as coisas saiam com energia, acredito na energia, [toca com forte intensidade], com garra... Mas eu acho piada, porque mesmo as letras dos fados dela são coisas de que sempre gostei. Por exemplo, os Dead Combo sempre tiveram essa cena que é da rua, do destino. O destino está muito relacionado com a cena do fado, cenas de fado, do corpo, facadas... Esse lado um bocado popular, de bairro...

G. – Que às vezes se perde numa tentativa de romantizar a música em si. Aqui o fado acaba por ser uma coisa mais dura e realista?

T. – Normalmente, o fado era cantado por pessoal da rua. Aliás, das primeiras pessoas a aparecerem tatuadas em Portugal ou eram marinheiros ou eram fadistas, até há um livro que foi praí feito em 94 sobre a história do fado que aparece muito a cena das tatuagens dos fadistas. Portanto, era pessoal sempre muito ligado ao povo, para a malta das classes altas, essa malta era considerada ralé, malta com vidas difíceis, habituados a uma certa boémia de rua.

G. – Uma vida mais difícil.

T. – Neste país, as pessoas sempre tiveram uma vida difícil.

G. – Fará parte da identidade que está bastante vincada?

T. – Por isso é que o fado é um bocado esse lado de destino, é quase como se fosse os blues portugueses.

G. – Mas o que distingue, para além das tecnicidades óbvias, o fado do blues e de sonoridades mais clássicas?

T. – O blues foi uma coisa que veio dos afro-americanos e do lado do trabalho, quase canções de trabalho ou de pausas de trabalho e é muito ligado ao campo e à apanha do algodão. O fado acho que para já não se sabe bem de onde vem, se da África, se tem alguma influência da cena do flamenco com a cena de cantar, mas vem dos centros das cidades, pelo menos do que se conhece, o fado de Coimbra, de Lisboa.

G. – Como é que é esta reviravolta, que faz ao tornar o fado com mais garra e mais elétrico, mas dando-lhe uma textura diferente? Estamos a pegar num fado que não é cantado vocalmente, é melodicamente cantado pela guitarra que a traduz.

T. – Neste caso, por exemplo, já o facto de não usar a afinação de guitarra portuguesa já é outra coisa. Basicamente é passar esse tipo de memória coletiva que nós temos, ouvirmos uma melodia que “isto tem qualquer coisa de português”, essa memória que está neste nosso ADN e passá-la em vez de guitarra portuguesa, ouvir em guitarra elétrica.

G. – Onde é que o movimento é mais fácil?

T. – Eu não toco guitarra portuguesa. Mas o movimento tem a ver com o corpo, com a relação que tens com o instrumento, 'tás a tocar o teu corpo, com essa dinâmica entre corpo e instrumento. Tens os movimentos perpétuos do Carlos Paredes. Há tanto na guitarra portuguesa como na guitarra elétrica ou noutro instrumento. A cena é tentar passar de uma forma nobre, essa memória para outros instrumentos. Neste caso a guitarra, mas pode ser piano, pode ser contrabaixo...

[Abre os rascunhos da obra de Third.]

Tó Trips juntamente com os rascunhos da obra de Third.

T. – Esta aqui podia ser uma ilustração antiga, escolares, do tempo do Estado Novo...

[Enquanto vai dedilhando coisas, observa, compenetrado, os rascunhos.]

T. – É isso.

G. – Como está a ser trabalhar à volta do tema Maria Alice?

T. – É sempre um desafio quando te propõem fazer uma coisa. Por acaso até gosto de trabalhar com conceitos, e também gosto de trabalhar com que um gajo tenha de ser livre não é? Mas isso obriga às vezes, a descobrir coisas a que um gajo não ia lá parar.

G. – E o que tem descoberto?

T. – Melodias, porque tu, quando tocas, cais em vícios, e neste caso ouvindo a voz, as melodias da voz, às vezes, obriga-te a fazer coisas na guitarra que à partida não farias por ti. Normalmente quando são trabalhos, assim um gajo sai sempre mais rico. Ou assim, ou de partilha. Neste caso é partilhar com murais, com um artista plástico. Mas normalmente sai-se mais rico porque se vai parar a coisas que tu nunca irias parar, e se há coisa que eu gosto na música, é de experimentar coisas, nunca fui muito gajo de tocar músicas dos outros, que também se aprende. Mas o que mais me agrada na música é descobrires coisas, “'tá fixe”, meio criança, infantil, gosto disso. Infantil no sentido de descoberta, de te entusiasmares, surpreenderes contigo próprio: tu e o instrumento.

G. – E às vezes não é um bocadinho ingrato não conseguir passar para o instrumento o que realmente queremos?

T. – Muitas vezes não sei bem o que quero [risos]. A cena pode começar, só sei que o quero se assumir uma melodia e tento fazer essa melodia, ou gravo no meu telefone e muitas vezes tenho coisas gravadas no meu telemóvel só por assobio e [tento] passar isso para a guitarra e fazer um tema. Normalmente o que faço, e que gosto, e a maneira como estou na música, é tentar fazer um trabalho quase de garimpeiro, do tipo que anda à procura, a pôr os dedos e à procura.

G. – Mas às vezes essa procura surge de dentro de forma que, por exemplo, não consiga coincidir o espírito com a guitarra?

T. – O dentro pode ser um assobio. Às vezes dou por mim e estou a assobiar uma melodia, não sei porquê, e “esta melodia até é fixe” e gravo no telemóvel, depois quando chegar a casa gravo [na guitarra] para não me esquecer, nas mais variadas situações. Por acaso isto [o telemóvel] é um bom instrumento de trabalho, porque já fizemos muitas músicas assim. Malhas de assobios, de coisas que, às vezes, um gajo está a tocar despreocupadamente e “está fixe e agora vou gravar”. Não sei se está aqui algum assobio, eu sei que está que isto já tem aqui tanta coisa. [Mostra algumas gravações de sons que tem no telemóvel.] Isto é um som de uma música ambiente que púnhamos na altura nos concertos e um gajo a ouvir ao longe nunca é a mesma coisa. Isto foi na Capadócia, e às vezes gravo cenas da rua. Isto é no Mindelo, estavam uns tipos a cantar.

G. – É interessante porque é o mundo externo, tudo o que o rodeia serve de inspiração, não é só um mero barulho de fundo.

T. – Por isso é que é fixe estarmos atentos ao que nos rodeia.

G. – É importante ouvir.

[Mostra-nos mais algumas das suas gravações.]

G. – Mas há algum sítio em que não quer cair, numa tendência para criar para o projeto de Maria Alice ou tem os limites bem definidos?

T. – Acho que pode ser uma coisa bastante livre, desde que tenha esse lado português.

G. – É o lado português que faz a essência?

T. – Por exemplo, este tema que tivemos a ouvir até está assim mais trabalhado, mas poderá ser uma coisa que poderia ser mais simples, mais crua, que estes fados dela são assim bastante crus, não é?

O estúdio de Tó Trips preenche-se de guitarras, fotografias e pósteres nas paredes.

G. – Já pensou usar a própria história dela para se inspirar? A vida de uma mulher que foi fadista durante muitos anos, no segundo casamento deixa tudo para ficar em casa. É uma história muito comum no fado.

T. – O fado tem esse lado. Aliás, esse fado repete-se imenso nos dias de hoje. Conheci muitas mulheres que tinham uma vida ativa e pessoas boas que eram boas naquilo que faziam e depois acabam por se dedicar aos filhos. É uma opção que eu não concordo muito, mas pronto.

G. – Mas na altura de Maria Alice era complicado, em que não se tinha propriamente essa opção, mas ela teve essa liberdade.

T. – Este país tem uma coisa que é, artista [não é reconhecido]. Hoje em dia não é tanto assim, mas ainda é um bocado. Por isso é que não há muito dinheiro para a cultura. Um artista é um gajo que não quer trabalhar, isto não é trabalho. [risos] Agora imagina no tempo dela. Era uma tipa que cantava, se calhar cantava nas tabernas, nos lugares onde se cantava fado vadio e alguém achou que ela tinha uma voz porreira, alguém de uma classe mais alta e decidiu gravar. Alguém que se apercebeu. Mas essa história que deixa tudo para tomar conta dos filhos, hoje em dia é mato, continua a ser. Eu acho que é um bocado triste, mas as pessoas têm liberdade de fazer isso, quem sou eu para as julgar. Mas acho que as pessoas só vivem uma vez e devem aproveitar e serem elas próprias e estarem bem com elas próprias. Se estão bem com elas próprias também estão bem com os filhos. Por exemplo, na minha família, eu trabalho e a minha mulher trabalha também, e fazemos o que gostamos, temos essa sorte de conseguir viver disso. Não é fácil, mas acreditando, é isso que tento ensinar aos meus filhos. Acho que é compatível.

G. – Acha que Maria Alice é um bom meio para fazer com que a cultura do fado consiga emergir de uma maneira mais inovadora?

T. – Tem havido uma inovação no fado, tens o caso do Camané, apareceram a Gisela João, a Ana Moura… Tens uma artista, não é bem fado, mas também tem esse lado fado que eu adoro, que é a Lula Pena. Houve uma grande evolução. O fado era uma coisa muito fechada, tipo Amália, com todo o valor, o Carlos do Carmo também. Mas era uma coisa muito fechada e a maneira como se tocava era daquela maneira e, de repente, começas a ver o Camané a gravar um disco de fado com o Carlos Bica a tocar contrabaixo, aquela formação começou a abrir, houve um salto na forma. Mas o que acho fixe [no projeto] da Maria Alice é que é uma coisa que eu acho que cá se tem a tendência, diferente dos americanos, que é esquecemo-nos muito rápido das pessoas que tiveram um certo papel. Eu não sei avaliar se era uma grande fadista, mas só o facto de ter sido a primeira mulher a gravar um disco acho que é um facto importante. Acho que deve ser uma coisa a ser recordada.

G. – Mas acha que podemos falar de um fado modernista em que estamos a romper com a típica estrutura do fado e atualizá-lo à maneira criativa?

T. – As tradições também são coisas que mudam, são relativas. Antigamente, o que era tradição já deixou de ser... É a evolução das coisas. Daqui a uns anos, daqui a um século, vai-se ouvir o Camané e “naquela altura fazia-se assim e agora já estamos noutra”.

G. – Voltando ao esquecer as pessoas, é um bocadinho irónico. Porque o fado retrata a saudade, a melancolia e ao mesmo tempo foram personagens marcantes que acabaram por ser um pouco escondidas e esquecidas também.

T. – Por isso é que é fixe acontecer este tipo de eventos e celebrações, da Maria Alice, por exemplo, ou até noutra área como o João Ribas dos Censurados, que morreu e o jardim onde ele parava vai passar a chamar-se Jardim João Ribas, porque foi uma pessoa importante no punk e na cidade. Portanto, quer se goste ou não se goste, não interessa, foi importante. É fixe, a eternidade tem a ver com esse lado daquilo que tu fizeste. Na música há uma coisa porreira e nas artes [em geral], que é tu fazes coisas, e essas coisas vão ficar para sempre. Haverá sempre alguém que vai ouvir aquilo. E então é fixe haver esse tipo de celebrações, lembranças, homenagens. Não ser só sempre, com todo o respeito, Ronaldo, Eusébio, Fernando Pessoa, ou Carlos Paredes ou Amália, com todo o valor brutal que essas pessoas têm, mas há outras pessoas e cabe à nossa sociedade relembrar isso, até para o futuro. O futuro faz-se com o aquilo vem de trás, com o romper com o passado. Mas para romperes, tens de o conhecer e até descobres coisas que “ninguém se lembrou disto aqui, 'bora pegar nisto, neste som e transformar isto” é assim que as coisas evoluem, porque o teu avô fez coisas, os teus pais fizeram coisas, os teus filhos vão fazer coisas, e isso é que é a vida.

Texto de Rita Matias dos Santos
Fotografias de Diana Mendes
O Gerador é parceiro do Muro – Festival de Arte Urbana de Lisboa

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