O amor sem expectativas, a crescer no mistério. Um lugar onde se diz o que se sente hoje, porque é o único momento sobre o qual temos algum controlo. Este é o cenário em que Mariana Bragada (Meta_) nos apresenta “Running Wild Again” e nos convida a embarcar numa viagem pessoal à procura de um amor sem expectativas, onde podemos ser livres e viver sem a pressão de acreditar no “para sempre”. Margarida Ferreira, mais conhecida no mundo da ilustração como Amargooo, juntou-se para dar vida a esse imaginário num vídeo de cinco minutos que convida a ver e ouvir em loop.
A música, na verdade, já tinha sido escrita por Mariana “há dois ou três anos”, pela altura em que gravou o EP Mónada. “Depois de a Margo ter aceite colaborar comigo neste vídeo, há um ano, percebi que tinha de regravar tudo para ficar ao nível que sabia, à partida, que o trabalho dela ia ter”, conta Mariana ao Gerador. Gravou as vozes, convidou Luís Leitão (FOQUE) para produzir e Pedro Jerónimo para acrescentar o seu trompete. “Ao mesmo tempo que o vídeo estava a ser feito, a música estava a ser regravada. E, na verdade, acho que o lançamento calhou numa altura boa, no sentido em que como estou agora a trabalhar no álbum, nesta nova sonoridade e até em algumas mudanças a nível visual, acho que é a primeira porta para entrar neste mundo.”
Mariana e Margarida, que se juntaram ao Gerador por videochamada para uma conversa sobre esta colaboração, são amigas há algum tempo. Estudaram juntas na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, partilharam gargalhadas e ideias, cantaram juntas, fizeram projetos em dupla e seguiram caminhos diferentes, sempre garantindo que estariam na vida uma da outra. Agora que Margarida está em Estocolmo a tirar um mestrado, e que Mariana continua por Portugal a levar a sua voz cada vez a mais palcos, juntarem-se em “Running Wild Again” foi também um pretexto para criarem algo juntas.
Curiosamente, Margarida ainda se recorda de quando Mariana lhe falou pela primeira vez de “Running Wild Again”: “eu lembro-me de, em 2018, no final do ano, falares-me desta música, num dia em que estávamos a andar, à noite. Tínhamos ido ver um filme qualquer e tu falaste nesta música, nesta frase em específico — ‘I hope you say you love today ‘cause always will never come’ — e de eu ficar tipo ‘ya!’ [risos]. Isso bateu-me na altura. Para quê estar a querer o para sempre quando o agora é a única coisa que podemos controlar (?) Acho que tem muito que ver com essa coisa de querermos sentir que temos controlo... mas é um bocado irrealista, a sensação de controlo”, diz na conversa, enquanto troca olhares com Mariana.
A partir da memória de Margarida, Mariana recupera os pensamentos sobre o amor que essa frase, em específico, lhe trazem: “é aquilo que se costuma dizer: se uma pessoa se mostra como é, acredita que ela é assim. Se estás a ver que a pessoa é assim, não imagines que é de outra forma, porque não é. E, às vezes, o amor cai muito nisso... no sentido mais idealista, sonhador. Às vezes, estás a fazer bypass dessa informação, e era um bocado isso que eu queria dizer na música: o que importa é o que me estás a mostrar a mim, agora, e o que eu te estou a mostrar a ti, agora. Mais do que todas as expectativas que possam surgir”.
Colagens da vida a acontecer
A parceria entre Mariana, enquanto Meta, e Margarida, enquanto Amargooo, não nasceu apenas neste vídeo de animação. “No início de 2020, tinha feito uma animação curtinha para a Mari [Mariana], para promover a Mónada Tour pela Europa, e depois ficou no ar a ideia de continuarmos a colaborar”, conta Margarida. Quando começaram esta colaboração, no primeiro confinamento obrigatório, definiram que o espaço criativo teria de funcionar um pouco como “um parque de diversões”. E assim foi. “A Mariana sempre disse que queria que eu fizesse coisas de que gostasse e com as quais me sentisse confortável em termos de animação e visuais, mas eu também queria muito que ela sentisse que a música dela estava representada no vídeo que eu criasse; que a visão dela estivesse lá.”
Para quem vai acompanhando o percurso de Mariana Bragada, rapidamente reconhece que a sua visão está lá — que Margarida conseguiu unir a sua linguagem à forma de estar na vida de Mariana. A relação una com a natureza, a sensação de liberdade e, ao mesmo tempo, o conforto de quem se sente em casa debaixo de uma árvore e em contacto com os animais. De certa forma, em “Running Wild Again”, Mariana e Margarida convocam, juntas, as descobertas interiores de Meta, com alusão a momentos nos quais Amargooo se insere.
Foi assim que o processo de criação em conjunto começou: “a partilhar imagens para ver possibilidades de caminhos”. “Desde o início que eu tinha aquela ideia dos animais a transformarem-se uns nos outros, que depois aparece no refrão. E durante as nossas conversas, com as referências visuais que íamos juntando, íamos parar sempre a esta relação com o caminho. Com a ideia de percurso e de escolhas”, partilha Margarida. Quando à metamorfose de animais, Amargooo explica que a ideia era pensar na “dissolução do ego”, quando chegamos “à versão superior de nós mesmas”. “Isso também tem que ver com a mensagem principal da música, de chegares a um ponto em que estás confortável contigo própria e aí não estás a projetar as expectativas nas outras pessoas, ou não tens tanto essa necessidade de controlo, porque estás bem e completa em ti”, diz Margarida.
Juntamente com as ilustrações de Amargooo, vêm-se colagens de fotografias que quase podemos adivinhar que representam lugares com que Mariana terá alguma proximidade. E as fotografias não só foram tiradas por Mariana algures pelo Perú e por Cabo Verde, como também trazem para o vídeo momentos de uma viagem quase até Santiago de Compostela que as duas amigas fizeram juntas. “Criei a música, a vida aconteceu, e depois criei o vídeo... então, é uma colagem desses sítios também. E um dos lugares importantes foi a América do Sul, porque tive a oportunidade de estar no Perú e contactar com a tribo Shipibo, e essa proximidade foi algo que ainda fez consolidar mais essa parte da natureza que eu já tinha”, conta ao Gerador.
Margarida, que vai ouvindo atentamente Mariana, reflete em voz alta que “se este vídeo tivesse sido feito por outras pessoas, nunca ficaria assim”. “São pedaços de nós as duas, também”, diz. Para Mariana, uma das partes mais entusiasmantes de o terem feito é verem que hoje o caminho que fizeram fisicamente aparece, de alguma forma, espelhado no vídeo de “Running Wild Again”. “De repente, a nossa história também estava ali um bocado misturada”, sugere Mariana.
Agora, “vai estar toda a gente a desconfinar ao som de ‘Running Wild Again’, é a música do desconfinamento”, brinca Margarida. E o timing do lançamento não podia estar mais de acordo com uma altura em que nascem novas plantas lá fora, e em que a vontade de começar a desconfinar aumenta.
Criar com amigos é mais genuíno
Além de Margarida, Luís Leitão (FOQUE) e Pedro Jerónimo juntam-se a esta colaboração que assenta na amizade e na vontade de criar em conjunto. Mariana recorda que conheceu Luís Leitão num festival em que ambos tocaram, encontrou-o tempos depois no Porto, por acaso, e foi ter com ele para lhe dizer que tinha gostado muito do concerto que havia dado nesse festival. “A partir daí, ficámos amigos”, conta entre risos. Tanto ficaram amigos, como estão, neste momento, a preparar um EP juntos — e já lançaram, recentemente, o single “Sol e Sonho”.
As memórias de como conheceu Pedro Jerónimo incluem, naturalmente, Margarida e os tempos em que frequentavam as Jam Sessions da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE). “Eu e a malta da faculdade – tanto de design, como de artes plásticas – frequentávamos muito as terças-feiras à noite na ESMAE, que eram as jam sessions de jazz com malta que estava lá a tocar, e de tantas vezes estar lá, acabámos por nos conhecer, e gostei muito do trabalho do Jerónimo. Achei que podia ser fixe colaborarmos, o que aconteceu em ‘Running Wild Again’.”
Com alguma frequência, Mariana Bragada convida amigos para cantarem consigo, como tem acontecido com Sara Brandão, ou para pensarem nos seus vídeos, como foi o caso de Ana Marta. Fá-lo porque além de ser “a maior fã” dos seus amigos, quer, acima de tudo, “fazer colaborações com pessoas” de quem gosta “antes de serem artistas ou músicos”. “Primeiro, sinto que tenho de me relacionar e sentir confortável com outras pessoas e só nesse espaço é que podemos criar algo mesmo genuíno”, explica.
Neste momento, pouco tempo depois de ter vencido o prémio de Melhor Projeto Musical, no Festival Emergente, Mariana Bragada está a preparar o seu próximo disco. Promete que vai continuar a abrir portas e a mostrar caminhos, sempre com o tom genuíno que já tanto a caracteriza.