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A dança empresarial: não basta parecer, é preciso ser

A crise climática, a invasão da Ucrânia, o movimento Black Lives Matter, a crise de refugiados no Mediterrâneo, o mês do Orgulho LGBT+ e os retrocessos nos direitos das mulheres em diversos países do mundo são exemplos de aspetos da realidade atual que têm levado líderes, empresas e marcas a tomar uma posição pública. Será que devem fazê-lo? Quando se trata de direitos humanos, as marcas têm a responsabilidade de usar o poder que têm? E será que as estratégias de comunicação de apoio a causas são acompanhadas de ações reais, ou não passam de campanhas publicitárias? Ser consciente é suficiente quando a civilização está a chegar a um ponto tão instável e o modo de vida atual a um ponto de rutura?

Texto de Redação

Ilustração de Marina Mota

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“O mundo está a mudar. Talvez esta frase seja utilizada demasiadas vezes para definir a volatilidade própria de tudo o que evolui, mas parece agora fazer mais sentido que nunca quando nos referimos aos desafios que as empresas enfrentam. Prestar um bom serviço ou desenvolver os melhores produtos já não é suficiente.” Assim começa um artigo do Reputation Circle, centro de conhecimento criado pela Lift Consulting. E por que razão um bom serviço e os melhores produtos não bastam? Porque os “clientes esperam que as organizações se comprometam e se envolvam em causas sociais e tenham genuínas preocupações ambientais. Os colaboradores juntam-se e permanecem em organizações que partilham os seus valores, que conhecem e põem em prática um propósito claro. Os investidores escrutinam a cultura da empresa e a sua classificação ESG [desempenho social, ambiental e de governação] tão minuciosamente como as demonstrações financeiras. Os fornecedores recusam trabalhar com empresas que não cumpram os seus próprios códigos de ética e de conduta, cada vez mais rigorosos. Os reguladores enfrentam o desafio de regular indústrias cada vez mais complexas e democratizadas”, continua o mesmo artigo.

Vivemos tempos turbulentos e em sociedades polarizadas. As relações entre empresas, marcas, líderes e o público são cada vez mais complexas; entre a cancel culture, o politicamente correto e a propaganda disfarçada de solidariedade, a opinião pública tanto faz pressão como pune transgressores. Temas como género, orientação sexual, etnia, aborto, eutanásia, religião, imigração, ambiente, porte de armas, vacinação e acesso ao voto dividem a sociedade, que espera que as marcas escolham lados. Mas, atuando num modelo capitalista, porque haveria uma empresa de considerar algo para lá do lucro? Porque haveria de estar condicionada pelo lado humano, quando não há qualquer calor humano em equações e gráficos de crescimento? Seria de supor que uma atitude de não interferência seria a mais vantajosa para as figuras de topo no mundo dos negócios, dado que o apoio a certas causas pode custar a perda das vastas camadas de consumidores que a elas se possam opor. Mas se isso era verdade até há alguns anos, em 2022, uma atitude neutral em relação às causas mais próximas dos públicos pode ter um impacto negativo nas vendas e na sua reputação.

Historicamente, CEO (diretor executivo, em português) e líderes (quase) sempre se mantiveram em silêncio em relação a tudo o que se relacione com questões sociais. As opiniões eram mantidas na esfera privada e qualquer tipo de ação que desejassem fazer era feita nas sombras, através de doações discretas, de sussurros nos ouvidos de políticos ou de lobby. A maré está a mudar, no entanto. Em 2015, já se começava a estudar o fenómeno emergente do CEO Activism; dois anos depois, a Weber Shandwick e a KRC Research publicavam um relatório que demonstrava o crescimento do fenómeno. Ainda que muitos dos inquiridos acreditassem que os líderes das empresas devem ser discretos e dedicar-se apenas a gerir os seus negócios em vez de entrarem em conversas políticas, outros apoiavam a ideia, principalmente se o que o CEO em questão defendesse estivesse em sintonia com o que o inquirido defendia, tornando até mais provável a compra dos produtos da marca.

No entanto, ainda no mesmo relatório, um grupo destacava-se consideravelmente: a geração millennial. A pesquisa feita revelou que 56 % dos millennials defendia que os CEO e os seus negócios devem envolver-se nos temas do momento e 47 % disseram que têm a responsabilidade de se manifestar relativamente a causas sociais. Para lá do público consumidor, também é de ter em conta os interesses da força laboral: os funcionários exercem pressão sobre os CEO, e esta influência provém em especial dos millennials e da geração Z, até porque os trabalhadores mais jovens mais facilmente expressam as suas opiniões online e nas ruas.

Salvador da Cunha, CEO da Lift Consulting e fundador do Reputation Circle, lembra, numa entrevista, que os colaboradores querem empresas que os estimulem, que lhes ofereçam segurança e que os deixem orgulhosos; da mesma forma, os consumidores querem empresas que “coloquem de lado objetivos puramente economicistas e preferem as que são mais generosas e altruístas”. “As dimensões mais relevantes, neste momento, serão as mais humanas: garantir excelência no trabalho, ser transparente, socialmente responsável e ambientalmente sustentável. O inverso da ganância, lucro fácil e oportunista.”

Assim, líderes são incentivados a clarificar os valores pelos quais se orientam e a pô-los em prática. Ron Carucci defende, na Harvard Business Review, que, acima de tudo, o mais importante é ser quem se diz ser. Já não chega apregoar valores e intenções, porque a honestidade e a transparência são imprescindíveis – não basta parecer, é preciso ser e concretizar. O relatório Approaching the Future: Trends in reputation and management of intangibles tem refletido anualmente estas ideias. Já na edição de 2020 se verificava uma crescente quebra de confiança nas empresas e líderes, sendo exigida pelos cidadãos – mais informados e conscientes — uma mudança de paradigma, com empresas mais responsáveis e envolvidas na sociedade. No relatório consta também a consolidação da figura do CEO ativista, o crescimento das empresas preocupadas com a emergência climática e que se comprometem com a sustentabilidade, bem como uma maior preocupação com a inclusão e a diversidade. O relatório de 2022 atesta a evolução destas tendências e uma pressão social cada vez mais forte.

As empresas têm inúmeros recursos à sua disposição para apoiar causas, mas as metodologias principais são três: sensibilizar, através de campanhas informativas ou aliando-se a ONG (Organizações não Governamentais), por exemplo; utilizando o seu poder económico, fazendo pressão sobre governos e legislação, ameaçando mover a sua atividade; e com a própria atividade, concretizando nas suas operações os valores que defendem.

A APEE (Associação Portuguesa de Ética Empresarial) é uma associação empresarial com o estatuto de ONS (Organismo de Normalização Setorial) “para a promoção dos valores éticos e de responsabilidade social e o desenvolvimento de normas nacionais” (em áreas como “Finanças Sustentáveis, Ética nas Organizações, Responsabilidade Social Corporativa, Igualdade Salarial, Economia Circular, Bem-Estar e Felicidade Organizacional, e Organizações Familiarmente Responsáveis”), representando Portugal na Organização Internacional de Normalização.

Paula Viegas, da direção da APEE, explica em entrevista ao Gerador que a ética empresarial representa “um padrão comportamental assente em princípios morais (que são reconhecíveis pelo mercado), métodos de operação confiáveis, respeito pelos vários grupos de partes interessadas, pelos seus direitos e expectativas, e que prescrevem os procedimentos que uma empresa e cada trabalhador devem e não devem adotar”. Já a responsabilidade social, nomeadamente a corporativa, é suportada por um quadro ético que tende a expressar-se “num código de conduta, através do qual pessoas e/ou organizações são responsáveis pelo cumprimento do seu dever cívico e pela realização de ações que beneficiam a sociedade”. No fundo, as chefias das empresas “devem garantir a maximização da rendibilidade em simultâneo com a proteção dos interesses das comunidades onde a empresa opera e da sociedade como um todo”. Enquanto “pessoas coletivas” e “agentes de poder económico”, as empresas têm “responsabilidade cívica acrescida”. Ainda, de um ponto de vista ético, devem “pautar-se pela total isenção” e assegurar “as necessárias fronteiras entre o exercício económico, corrente, das empresas e a atividade política dos governos ou organizações partidárias”.

As empresas, os direitos humanos e o ambiente

“O respeito pelos direitos humanos universais é parte integrante do compromisso cívico, cidadania corporativa e missão das organizações, e respeita os princípios e valores que sustentam compromissos, atividades e bens que as marcas representam”, afirma Paula Viegas. “O comportamento e as mensagens das marcas contribuem, de forma positiva ou negativa, para a agenda dos direitos humanos”: as marcas são símbolos e têm exposição com capacidade para atuar sobre as pessoas, “educando, sensibilizando, potenciando a adoção de comportamentos de responsabilidade social e ambiental”. Sobre o que podem as marcas educar? “Temas como a igualdade de género, a diversidade, a paridade racial, a inclusão de pessoas portadoras de deficiência ou com necessidades especiais, a integração de minorias étnicas, a promoção da interculturalidade, o absoluto repudio pelo trabalho infantil, escravo ou forçado, e também o combate a quaisquer formas de assédio, perseguição e discriminação contra a dignidade humana e a justiça social”.

A Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo é a maior e mais antiga associação que luta pela igualdade e contra a discriminação das pessoas LGBT+ em Portugal. Para Ana Arestas, presidente da direção, as empresas devem ter três eixos em conta: “a comunicação e a venda de produtos”, “as boas práticas laborais” e “o retorno para as causas sociais e para os movimentos ativistas”. Em entrevista ao Gerador, defende que as empresas “terão sempre a responsabilidade social, até no sentido de promoverem a igualdade e a diversidade nos próprios contextos laborais […]. As marcas têm um papel muito forte de transformação social, começando de dentro para fora. Mas muitas vezes, dado o interesse comercial, as marcas acabam por não fazer este trabalho por dentro e acabam apenas por mudar as cores e vender os produtos arco-íris durante o mês de junho, e com isso dizer que são aliadas, e isso, para nós, não é suficiente”.

Como exemplo de uma boa ação, indica o projeto “ABCLGBTQIA+” que a Fox Life desenvolveu em colaboração com a ILGA: foi “um projeto que teve um papel educativo, um papel inclusivamente de discussão pública, e que foi uma campanha de grande alcance e cujos materiais continuam a estar disponíveis para uso de quem quiser”. Esta campanha diferencia-se porque, apensar de não gerar lucros que permitam “contribuir para a sustentabilidade dos próprios movimentos”, gerou retorno educativo pelo país fora.

No polo oposto estão os comentários de Miguel Milhão, CEO da Prozis, a favor da ilegalização do aborto. Esta é a questão dos posicionamentos individuais, diz Ana, e o perigo de as marcas se comunicarem como aliadas de causas feministas ou LGBT+ quando nem sempre as posições dos próprios líderes são essas. Lembra uma vez mais que uma coisa é a “imagem que a marca tenta criar do ponto de vista do mercado” e outra é “a opinião dos seus líderes”, já que “nem sempre aquilo que as marcas comunicam corresponde aos seus valores de base e dos seus líderes”.

E este é um erro fatal. Tal como dizia Paula Viegas, estamos a assistir a “um número maior de empresas e marcas que assumem determinados temas como bandeiras do seu exercício cívico ou de cidadania ativa, do propósito que definiram”. Estas comunicações, por vezes, são tentativas de aproximação às novas gerações, que “exigem o respeito pelos direitos individuais e liberdades fundamentais”, fazendo-o “expressiva e consequentemente, utilizando meios e canais potencialmente capazes de penalizar seriamente a reputação e o valor das marcas”. “Não há segredos na sociedade em que vivemos”, acrescenta. “Tudo se descobre, se escrutina, avalia e julga, adota ou rejeita. Da mesma forma, não há meias-verdades, meios-termos ou negociação possível quanto à parcial adoção de temáticas relacionadas com os direitos humanos.”

Ana Arestas diz que não tem qualquer registo “de marcas que tenham tido crises financeiras à conta de qualquer posicionamento”. “É óbvio que haverá sempre discórdias, e opiniões diferentes, mas é aí que está o princípio basilar da democracia”, mas, no dia a dia, o que sente “é que, de facto, quando as marcas apoiam as causas, as pessoas sentem-se validadas, legitimadas, mais próximas das marcas”, e que quando as marcas se alinham com os direitos humanos só têm a ganhar com isso.

Rosário Frada e Inês Loureiro Pinto integram a direção da HOM (Humanity On the Move), uma associação sem fins lucrativos “que tem como missão promover os direitos humanos das pessoas refugiadas e requerentes de asilo, com base na solidariedade, na inclusão, na dignidade da pessoa humana”. Rosário refere que têm andado a explorar possibilidades de fazer parcerias com empresas, “porque se acreditamos que as empresas têm um papel importante e que têm de se associar ao setor público e à sociedade civil, para conseguirmos mesmo criar um movimento multidimensional, então só dessa forma, e também tem de partir de nós, não é?” Ainda assim, “a responsabilidade social corporativa exige recursos financeiros e esses são escassos, então é preciso filtrar e selecionar”. “Devemos acreditar que o negócio dos negócios é fazer negócios, e a única coisa que importa é o lucro e a maximização do lucro, ou deveríamos pensar que há muito mais stakeholders importantes (ou seja, clientes, fornecedores, comunidade e funcionários), então devemos trabalhar para satisfazer todos e criar relacionamentos entre eles... e isso é possível sequer, quando todos os grupos de stakeholders acabam por ter sempre prioridades e exigências divergentes?”

A associação de empresas à crise dos refugiados, no entanto, é algo difícil de conseguir. É um tema demasiado político, lamenta, principalmente em países com políticas migratórias restritivas, e onde continua a reinar o preconceito. “De acordo com a OCDE, entre 2004 e 2014, os migrantes representaram 70 % do aumento da força de trabalho na Europa, e representaram cerca de 25 % das entradas nas profissões em maior declínio na Europa”, salienta Inês, demonstrando que os migrantes não vêm para Portugal para roubar empregos aos portugueses, mas sim para os complementar, e que “as empresas têm muito a ganhar em contratar estas pessoas”. A colega salienta que, por vezes, é muito mais fácil conseguir o apoio de empresas mais pequenas que, mesmo não tendo tantos recursos, estão mais abertas à solidariedade, e não o fazem pelo marketing porque nem têm “esse tipo de visibilidade de qualquer forma”.

O caso da guerra na Ucrânia é particularmente curioso: “Vimos empresas a tomar medidas, e a sociedade civil, em geral, a mobilizar-se para os refugiados ucranianos como não vimos com nenhuns outros refugiados”. Iniciativas como a do Mercadona, que “disponibilizou vales de 50 euros para cerca de 5000 refugiados” ou a de “um grupo de consultores imobiliários que fez uma espécie de uma base de dados com alojamentos com taxas mais baixas e também disponibilizaram mais de 1500 camas”, ou a da “EDP, que teve uma iniciativa em que ofereceu um desconto na energia para clientes que estavam a acolher refugiados ucranianos em casa”, podem fazer toda a diferença. Já antes do início da guerra algumas empresas tinham planeado iniciativas como programas de integração de refugiados: o El Corte Inglês, e também o IKEA, que fez parceria com o ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e “criou um programa de integração de refugiados nos seus quadros, que integrou já mais de 800 em todo o mundo”.

No ensaio Reputação em tempos de guerra, Salvador da Cunha refere que o período que vivemos é um exemplo claro de que “permanecer em silêncio pode ser lido como uma forma de conivência”. Realizado um estudo junto de 66 gestores portugueses, a Reputation Circle conclui que, para “69,1 % dos inquiridos, as empresas que decidiram sair da Rússia fizeram-no em defesa da sua reputação, mais do que por um imperativo ético”.

Inês Loureiro Pinto afirma que “é óbvio que esta mobilização é boa, porém é muito fácil as empresas caírem numa espécie de greenwashing, mas washing de outras coisas, como por exemplo a do Pride Month. Acho que é importante distinguir quando é meramente uma campanha publicitária ou quando há resultados palpáveis, não é? E aqui houve realmente vagas para estas pessoas, houve vales disponibilizados. Mas não deixa de ser curioso que isso só aconteceu agora”. Rosário Frada acrescenta que o “grande perigo dessas campanhas publicitárias é que transforma as pessoas em mercadorias... no fundo, estão a colocar valores monetários nas pessoas e nos seus corpos, e estão a tentar vendê-los. E a partir do momento em que fazem algo que não é genuíno, estão a deixar estas pessoas excluídas e a torná-las em sub-humanas”.

Num tom mais positivo, as duas lembram que esta mobilização geral das empresas e da população para apoiar refugiados ucranianos mostrou que tal é possível, e pode abrir mentalidades e espaço para que algo semelhante ocorra com refugiados de outros países. “No fundo, isto não só revela que tudo o que nos foi dito, que não podemos acolher mais refugiados, que não temos capacidade, que não temos recursos, claramente não era verdade”, como “tudo isto demonstra que ser humano é uma construção social, e que esta construção social, neste momento, opera por entre estruturas ideológicas, políticas, intelectuais e de poder”. Para Rosário, agora, o grande desafio é garantir “uma abordagem mais humana aos negócios”, em que o ser humano seja “respeitado em todas as suas dimensões e com toda a dignidade que merece”.

“A escassez e degradação de recursos naturais, a pressão hídrica, o aquecimento global e as emissões de gases com efeito de estufa (GEE), a transição energética e digital/tecnológica, o quadro regulatório europeu para a taxonomia e as finanças sustentáveis” são alguns dos desafios que se colocam às empresas, comenta Paula Viegas. Ao mesmo tempo, as empresas já sabem que quaisquer tentativas de greenwashing serão facilmente descobertas e, inclusive, condenadas e multadas.

Em 2021, as empresas que melhor cumpriram os ESG foram o Grupo Nabeiro (Delta Cafés), a Sonae e a EDP, seguindo-se, por ordem, Jerónimo Martins, Galp, IKEA, Microsoft, Lidl, Vodafone e Continente. A Delta também é, sem surpresa, a empresa portuguesa com melhor reputação de empregadora, ficando em terceiro no panorama geral, atrás da Microsoft e da Nestlé.

Os prémios de “Reconhecimento de Práticas em Responsabilidade Social e Sustentabilidade” da APEE são entregues todos os anos; em 2022, receberam o maior número de sempre de candidaturas, o que prova “a dinâmica das organizações na implementação de práticas e iniciativas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade”. Paula Viegas atesta que Portugal tem muitas empresas que “evidenciam desempenhos éticos — e ao nível ambiental, social e de governação —, que são ativas na defesa de causas comuns e no contributo para solucionar necessidades comunitárias, que se comprometem com princípios e metas globais em benefício da Humanidade e do Planeta, que estimulam a inovação e o empreendedorismo, que contribuem para melhores políticas públicas e que, em suma, incorporam a sustentabilidade nos seus modelos de gestão e negócio”. Na edição de 2021, a Lipor venceu o prémio “Ambiente: redução de impactes”, o Instituto Politécnico de Viana do Castelo ganhou “Ambiente: água e energia” e “Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7” foi para o LIDL. As intenções ecológicas e sustentáveis estão um pouco por todo o lado, até nos locais mais irónicos: empresas automóveis, multinacionais de fast fashion, cadeias de fast food (entre umas e outras, já várias foram acusadas de greenwashing). A sustentabilidade também passou a assumir um papel central nos festivais de música.

Porém, Ana Aresta lembra que “vivemos num mundo em que o Estado e as empresas acabam por partilhar parte do espaço público e da responsabilidade do nosso dia a dia, mas caberá sempre aos Estados garantir legislação. Portanto, esta é uma responsabilidade primordialmente da parte do Estado e dos governos”. Já Rosário Frada salienta que “a transformação social só se vai poder ver feita quando houver ligação entre o setor privado, o setor público e a sociedade civil. Porque mesmo os governos não têm todos os recursos que deviam ter para poder regulamentar, e muitas empresas têm muito mais poder do que alguns governos, então muitas vezes tem de partir das próprias empresas”.

Um futuro com ausência de respostas

“Tendo em conta que há muita gente que acredita que para acabar com violações dos direitos humanos é preciso abolir o capitalismo, no fundo, a grande questão que se coloca é se o capitalismo pode ser moldado ou reconceptualizado para colocar o ser humano no centro, ou se todo o conceito precisa de ser demolido para que algo novo possa surgir”, reflete Rosário.

Há certos assuntos em que as perguntas são infinitas, as dúvidas são infinitas, e as respostas são praticamente inexistentes. Inês admite que “são dúvidas que continuamos a ter, não temos uma resposta certa para isso… se calhar, não há uma resposta certa”.

Paula Viegas afirma que Portugal “tem sido um país pioneiro na subscrição de acordos internacionais para o desenvolvimento sustentável e na apresentação de roteiros para o cumprimento das metas aceites”. Ainda assim, claro que muita coisa teria de mudar para vivermos num país mais sustentável e mais humano. “Investir no capital humano e intelectual, na educação para o empreendedorismo, na diversidade formativa de jovens, nas lideranças partilhadas, na formação de líderes comprometidos com as premissas da sustentabilidade social e ambiental, incentivar culturas de gestão orientadas para a meritocracia e diversidade, resolver a discriminação salarial com base no sexo e género, promover a efetiva conciliação tripartida das esferas da vida de cada pessoa (profissional, pessoal e familiar), combater a remuneração e o trabalho precários, incentivar o voluntariado à escala nacional, promover o debate público destas matérias para maior sensibilização e ação, entre tantas”.

Inês e Rosário lembram o sistema de quotas. Será que as empresas “podem evoluir naturalmente para uma abertura tal em que recebem várias candidaturas e conseguem escolher a que mais se adapta ao que pretendem sem olhar a nacionalidade ou outros aspetos?”, interroga-se Inês. Rosário contrapõe que com quotas ou sem quotas, é impossível não discriminar, seria preciso “não ter bias inconsciente, e isso é muito difícil porque todos nós o temos”. E, afinal de contas, “o objetivo das quotas é serem um instrumento bastante temporário, ou seja, começar a normalizar isto nas empresas, que as empresas consigam refletir a diversidade da sociedade na qual operam, e depois isto começa a tornar-se num mecanismo que já não é imposto”.

“Há muitas empresas que têm já nos seus valores base a inclusão dos direitos humanos como preocupação chave e, portanto, aquilo que nós sentimos é que pode estar aqui a haver uma mudança de paradigma, para os funcionários das empresas, mas também para os seus próprios líderes, já sentirem que têm a responsabilidade, dado o peso das empresas no panorama social, de estar do lado certo da história e acompanhar aquilo que tem sido o movimento de construção dos direitos humanos, movimento esse que facilmente é destruído com avanços da extrema-direita, não é?”, reflete a presidente da direção da ILGA.

A Vereda, ensaio partilhado com o Gerador por Graça Passos, bióloga e associada da Quercus, é uma longa reflexão sobre o caminho que enquanto sociedade devemos seguir. Membro da “Rede para o Decrescimento”, coletivo que “apela a mudanças individuais, a experiências coletivas, a resistir, a desenvolver projetos políticos e a pensar em futuros diferentes”, defende uma mudança radical e necessária nas sociedades, interrogando-se as razões pelas quais essa mudança ainda não ocorreu.

“De uma forma ou de outra, estamos (fomos) virados do avesso e convencidos de que a alegria, o poder e o bem-estar estão no exterior, fora de nós”, escreve Graça. “Assistimos a uma corrida insana para o aperfeiçoamento da imagem pessoal e para a acumulação de bens convencidos que, uma vez detentores de poder e segurança, poderemos finalmente ser felizes. Então, a nossa vida reduz-se à procura obsessiva do que a sociedade/mercado valoriza, expressamente ou sub-repticiamente. […] Não nos questionamos, não nos ocorre a existência de outros modos de vida que, afinal, estão ao nosso alcance se mudarmos de perspetiva. Como meros consumidores, somos mantidos num estado de insatisfação permanente.”

Terminando numa nota mais positiva, a bióloga acredita que a “intensidade da nossa vida pode ser nutrida pela ética da frugalidade, pela relação com a natureza, pela amizade/cooperação e pela aventura, sempre renovada, que a dimensão espiritual, a busca do conhecimento e a arte providenciam”.

*Esta reportagem foi inicialmente publicada a 6 de outubro de 2022.

Texto de Sofia Matos Silva

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