fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Catarina Maia

A parentalidade em tempos de redes sociais

Nas Gargantas Soltas de hoje, Catarina Maia fala-nos sobre a utilização mercadológica da imagem infantil e a responsabilidade dos pais.

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Há uns tempos revirava fotografias antigas e encontrei algumas de bebés. Tratavam-se de familiares meus, deitados em alcofas mais ou menos arrojadas, e o verso da fotografia tinha escrito à mão, o nome do bebé e a data de nascimento. Às vezes, o escrito vinha acompanhado de mais uma frase: “Já nasceu X!”, ou “Y completou três anos no passado dia tal”. Eram fotografias de primos e primas mais velhos do que eu, filhos de familiares diversos que continuaram no Brasil depois de o meu pai decidir vir viver para Portugal nos anos 70. A vida por lá continuou e, naturalmente, a família continuou a crescer. Na altura não existia internet. Os telefonemas eram escassos, caros e pouco acessíveis. Aqueles pais e mães não tinham outra forma de dar a conhecer os seus rebentos a quem estivesse longe.

Corta para o século XXI, em que as redes sociais vieram estreitar estas partilhas. Hoje, já mesmo antes de uma pessoa nascer, a sua chegada é anunciada através das redes sociais. E aí, antes mesmo de essa pessoa ter noção de si ou do mundo, e antes sequer de ser capaz de consentir, começa a sua pegada digital que, com o passar dos anos, vai crescendo. Coloca-se, então, a questão: até que ponto é que é benigna a utilização desenfreada das imagens de bebés e crianças nas redes sociais?

Ok, eu percebo. Ter bebés representa uma mudança significativa na nossa vida e não há ninguém mais babado do que os pais. E, convenhamos, bebés são adoráveis. São-no sempre: no banho, no parque, a rir ou a fazer birras. Cabe aos pais a decisão sobre se expõem ou não a imagem dos filhos online. Cabe também aos pais decidir os limites desta exposição. Mas acho que existe um problema mais preocupante e menos cinzento que urge abordar agora.

Há cada vez mais pessoas que utilizam a imagem dos filhos para promoverem produtos e negócios próprios. Preparam um guião que a criança deve seguir, seja para vídeo ou fotografia, e a sua imagem é capitalizada em prol do desejo dos pais. A criança torna-se uma performer, um instrumento para entreter as massas. É certo que o trabalho infantil legal, em determinados contextos, existe. Vejamos, por exemplo, o caso de actores e actrizes infantis, modelos de marcas de roupa ou de anúncios de fraldas; mas nestes casos esse trabalho é legislado. Já no caso das publicações de redes sociais, a criança que surge associada a um determinado produto tem muitas vezes, além da sua imagem, a sua história explorada: os seus medos, as suas conquistas, e por vezes até as suas doenças e fragilidades. Uma espécie de reality show não consentido. Quem se beneficia desta exposição não é a criança. São os pais. Torna-se necessária uma legislação que proteja os direitos destas crianças.

Além deste exemplo concreto que é a publicitação de produtos, as imagens das crianças são muitas vezes usadas ao desbarato para se alcançar mais público, mais empatia e mais likes, numa clara auto-promoção de quem as partilha. Usa-se a imagem das crianças até para se disseminarem determinadas mensagens sobre aquilo em que se acredita, sejam temas políticos ou, ironicamente, recomendações sobre modelos ideais de parentalidade. Usar uma criança como ferramenta para promover uma mensagem que defendemos, por muito válida que consideremos essa mensagem, significa não só colocar a criança ao serviço dos nossos ideais, mas também olhar para lá do que poderão vir a ser os ideais dessa criança.

Abundam mensagens sobre uma educação respeitadora, de uma parentalidade positiva, de uma mudança de paradigma na forma como nos relacionamos com as crianças. Mas para disseminar essa mensagem, será mesmo necessário recorrer à exploração da imagem de uma criança? De que nos serve lutar por um mundo mais inclusivo e mais consciente das dificuldades que enfrentam as crianças com determinadas doenças se, em vez de as protegermos, as expomos, às vezes em momentos de extrema vulnerabilidade, gravando vídeos, tirando fotografias e partilhando com o mundo?

Num tempo em que se fala tanto de formas respeitadoras de lidar com os filhos, a maioria das pessoas que o advogam esquece-se de que o respeito pelos filhos se estende até onde, como e a quem os expomos. Respeitar um filho é protegê-lo, colocá-lo acima da validação social ou da monetização através das redes sociais. Não acho que os pais que o fazem não pensem que colocam os interesses dos filhos acima de tudo, que não os amem, que não façam tudo por eles; acho que a forma como nos relacionamos através das redes e, sobretudo, consumimos e produzimos conteúdo, mudou drasticamente nos últimos dois ou três anos. E esta mudança foi tão rápida, que talvez não tenha havido ainda tempo para colocarmos a mão na consciência e reflectirmos sobre o que estamos a fazer aos nossos filhos e sobre as suas consequências.

-Sobre Catarina Maia-

Catarina Maia estudou Comunicação. Em 2017, descobriu que as dores menstruais que sempre tinha sentido se deviam a uma doença crónica chamada endometriose, que afecta 1 em cada 10 pessoas que nascem com vulva. Criou O Meu Útero e desenvolve desde então um trabalho de activismo e feminismo nas redes sociais para prestar apoio a quem, como ela, sofre de sintomas da doença. “Dores menstruais não são normais” é o seu mote e continua a consciencializar a população portuguesa para este problema de saúde pública.

Texto de Catarina Maia
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

15 Outubro 2025

Proximidade e política

7 Outubro 2025

Fronteira

24 Setembro 2025

Partir

17 Setembro 2025

Quando a polícia bate à porta

10 Setembro 2025

No Gerador ainda acreditamos no poder do coletivo

3 Setembro 2025

Viver como se fosse música

27 Agosto 2025

A lição do Dino no Couraíso

13 Agosto 2025

As mãos que me levantam

8 Agosto 2025

Cidadania como linha na areia

6 Agosto 2025

Errar

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

29 DE SETEMBRO

A Idade da incerteza: ser jovem é cada vez mais lidar com instabilidade futura

Ser jovem hoje é substancialmente diferente do que era há algumas décadas. O conceito de juventude não é estanque e está ligado à própria dinâmica social e cultural envolvente. Aspetos como a demografia, a geografia, a educação e o contexto familiar influenciam a vida atual e futura. Esta última tem vindo a ser cada vez mais condicionada pela crise da habitação e precariedade laboral, agravando as desigualdades, o que preocupa os especialistas.

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0