fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Paulo Pires do Vale

A Porta

1. Passamos por elas sem as vermos. São um meio, não um fim. Sinal de…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

1.

Passamos por elas sem as vermos. São um meio, não um fim. Sinal de uma humildade essencial: fazem o que devem, não são o mais importante. Servem-nos, mas sem lhes darmos atenção – a não ser quando não funcionam como queremos e se tornam obstáculo.

2.

A porta, como os grandes símbolos, é “coincidência de opostos”. A porta abre, a porta fecha. A porta permite, a porta proíbe. A porta esconde, a porta revela. A porta é obstáculo, a porta é passagem. A porta não é apenas um dos lados, mas dois. O dentro e o fora. O interior e o exterior. Estabelece territórios e torna-os permeáveis. A porta é uma realidade complexa (e poucos o perceberam e mostraram como Duchamp, no nº11 da Rue Larrey) – e é também assim que devemos aprender a pensar, sempre sobre um outro ponto de vista que não o do pensamento único, fácil ou imediato.

3.

Ao funcionar como fronteira, a porta não é apenas um muro ou parede, mas lugar de passagem. E as realidades humanas relacionam-se mais com estes lugares de tráfego e tráfico, de trocas e encontros, do que com os muros intransponíveis – mesmo que as portas nos possam impedir a passagem, estarem fechadas, a possibilidade de abertura está sempre presente. Uma porta fechada ainda é esperança de porta aberta. A possibilidade de imaginar uma outra dimensão.

4.

Pensar no modo como usamos as portas é refletir sobre a sociedade em que vivemos: confiante no outro (de chave na porta, de portas abertas) ou com medo dele (portas blindadas, condomínios fechados); promotoras da propriedade privada ou da partilha comunitária. A relação de uma comunidade com as portas desvela a sua relação primeira com o mundo: confiada ou desconfiada, generosa ou possessiva.

5.

Há portas que preferíamos deixar fechadas. Como a do quarto proibido no castelo do Barba Azul, aquele onde esconde os cadáveres. Mas é precisamente essa porta que deve ser aberta, mesmo que não regressemos iguais depois de por ela passarmos. Como escreveu George Steiner, pensando no horror do holocausto nazi, se não soubermos enfrentar o que queremos esconder, os nossos esqueletos no armário, se não soubermos abrir essa porta, poderá novamente repetir-se a barbárie... E essa lição não é só para os povos, mas para os esqueletos que cada um de nós pode ter escondidos em si, julgando que assim se resolvem os assuntos.

6.

O nosso corpo é porta. Como escreveu o místico, poeta e pintor, Wiliam Blake: “Se as portas da perceção estivessem limpas (purificadas), tudo apareceria para o homem tal como é: infinito. Mas o homem fechou-se a si mesmo, ao ponto de ver todas as coisas através de estreitas fendas da sua caverna”. As portas do corpo - os sentidos -  são também as portas do espírito.

7.

Há portas que só um verdadeiro encontro abre em nós. Como as cinco portas que se abrem em sequência nos olhos de Ingrid Bergman no momento em que beija Gregory Peck – no filme de Alfred Hitchcock, Spellbound (1945) – depois de ela ter olhado com atenção inquieta a porta fechada do quarto, que deixava passar a luz por debaixo; depois de ela ter, apreensivamente, aberto a porta que parecia proibida; depois de eles terem ficado a conversar de pé, separados por uma porta aberta; depois de ele ter atravessado o limiar dessa porta na direção dela.

8.

Por vezes, parece que tentamos desesperadamente abrir portas onde elas não estão. Procuramos saídas, soluções e respostas onde não as poderemos encontrar. Como uma mosca a bater num vidro. Conta Ludwig Wittgenstein: "Um homem encontra-se num quarto, do qual pretende sair. Vê, diante de si, várias portas de saída. Pretende abri-las, uma por uma, mas não consegue. Pois não são portas verdadeiras, mas portas pintadas na parede. Enquanto isso, existe atrás do homem uma porta real. Para encontrá-la — e sair — só é preciso virar-se. Mas isto, que ele o faça, é difícil."

9.

Um bom epitáfio: “soube ser porteiro”.

-Sobre Paulo Pires do Vale-

Filósofo, professor universitário, ensaísta e curador. É Comissário do Plano Nacional das Artes, uma iniciativa conjunta do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação, desde Fevereiro de 2019.

Texto de Paulo Pires do Vale
Fotografia de Tomás Cunha Ferreira

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

25 Julho 2024

Carta do Leitor: A ironia política dentro da violência

23 Julho 2024

Tranças de resistência

18 Julho 2024

Carta do Leitor: Admitir que não existem minorias a partir de um lugar de (semi)privilégio é uma veleidade e uma hipocrisia

16 Julho 2024

Assassinato de carácter: o (pré)juízo de Cláudia Simões

11 Julho 2024

Carta do Leitor: Afinar a curiosidade na apressada multidão

9 Julho 2024

Sobre a Necessidade (o Dever) de Reconhecer o Estado da Palestina

4 Julho 2024

Exames nacionais? Não, obrigado

3 Julho 2024

Carta do Leitor: Programação do Esquecimento

2 Julho 2024

Mérito, PIB e Produtividade: a santíssima trindade em que temos de acreditar

27 Junho 2024

Carta do Leitor: Assim não cumpriremos abril

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e manutenção de Associações Culturais (online)

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura II – Redação de candidaturas [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 Julho 2024

A nuvem cinzenta dos crimes de ódio

Apesar do aumento das denúncias de crimes motivados por ódio, o número de acusações mantém-se baixo. A maioria dos casos são arquivados, mas a avaliação do contexto torna-se difícil face à dispersão de informação. A realidade dos crimes está envolta numa nuvem cinzenta. Nesta série escrutinamos o que está em causa no enquadramento jurídico dos crimes de ódio e quais os contextos que ajudam a explicar o aumento das queixas.

5 JUNHO 2024

Parlamento Europeu: extrema-direita cresce e os moderados estão a deixar-se contagiar

A extrema-direita está a crescer na Europa, e a sua influência já se faz sentir nas instituições democráticas. As previsões são unânimes: a representação destes partidos no Parlamento Europeu deve aumentar após as eleições de junho. Apesar de este não ser o órgão com maior peso na execução das políticas comunitárias, a alteração de forças poderá ter implicações na agenda, nomeadamente pela influência que a extrema-direita já exerce sobre a direita moderada.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0