Em junho, a bailarina, coreógrafa e escritora, Diana Niepce, enviou um e-mail a múltiplos jornalistas e profissionais da cultura. Nele, a artista partilhava o seu desagrado pela “grande falta de sensibilidade” com que comunicavam sobre o seu trabalho e a forma como contribuíam para a sua fragilização. “A obra e autor com deficiência não deve, de forma alguma, ser exposta de forma capacitista, criando um contexto de superação, paternalismo [e] condescendência”, escrevia.
Foi o e-mail de Diana Niepce que motivou a Acesso Cultura a contactar a jornalista Dora Alexandre, autora de A deficiência na comunicação social: guia de boa práticas para jornalistas (2012), e diversas artistas e ativistas com deficiência e Surdas, com o objetivo de criar um guia dirigido a profissionais de comunicação cultural e jornalistas. Para além da contribuição de Diana Niepce, o texto conta também com a revisão e comentários de Diana Santos, Joana Reais, Mia Meneses, Mickaella Dantas e Patrícia Carmo.
O capacitismo é a palavra que define a discriminação, opressão e abuso contra pessoas com deficiência, considerando-as inferiores às pessoas sem deficiência. Ou seja, é a discriminação em razão da capacidade (física, intelectual, psicológica). O capacitismo tem por base um conjunto de crenças, processos e práticas sociais que produzem um tipo de padrão corporal (físico e intelectual) sem incapacidade, visto como superior, perfeito/ideal e essencialmente humano. Pessoas que não se encaixam nesse padrão são, de certa forma, desumanizadas e excluídas. Esta perspetiva é altamente opressora, porque foca o problema nas pessoas, culpando a própria incapacidade pelos problemas que as pessoas vivenciam, ao invés de focar o problema na opressão e nas barreiras sociais.
Definição de "capacitismo" apresentada pela Acesso Cultura
A sessão de lançamento do projeto contou com a presença de Diana Santos, Joana Reais, Mia Meneses e Diana Niepce. As artistas e ativistas explicaram a forma como a comunicação dos seus trabalhos e histórias de vida revela, com frequência, referências capacitistas, termos incorretos e atitudes paternalistas ou condescendentes. “Quando usamos termos [incorretos] ou reproduzimos estereótipos, estamos a compactuar com um sistema que marginaliza e desumaniza as pessoas”, assevera Diana Niepce.
No prefácio do guia, a presidente da direção da Acesso Cultura, Rita Pires dos Santos, escreve que cada pessoa e, em particular, os profissionais de comunicação, tem a “responsabilidade de contribuir para a criação de uma sociedade onde todas as pessoas possam ter o direito de sonhar e de ser o melhor que puderem, sem ‘rótulos’”. Nesse sentido, Joana Reais, cantora, performer, investigadora e oradora, relembra que “as palavras têm muito impacto”, pelo que “as boas práticas na comunicação precisam de ser intencionais e consistentes”.
Por sua vez, Diana Santos, psicóloga clínica, conta que a comunicação social tende a desconsiderar as competências profissionais de pessoas com deficiência e Surdas. “Há contextos em quero falar de deficiência, no geral, e outros em que não quero”, explica, “precisamos de aparecer, mas pelo nosso trabalho e nunca nos pensam como pessoas competentes”.
A escrita da palavra “Surdo/a” com S maiúscula é uma convenção adotada por pessoas Surdas em vários países. Serve para identificar pessoas cuja língua materna é a língua gestual do seu país e que consideram que fazem parte de uma minoria linguística, tendo uma cultura própria. As pessoas Surdas não consideram que têm uma deficiência. As pessoas que se identificam como tendo uma deficiência auditiva são pessoas surdas que não falam língua gestual, que usam aparelhos auditivos ou que têm implantes cocleares. Podem ainda ser pessoas que perderam ou estão a perder a audição devido à sua idade, questões genéticas ou acidentes.
Esclarecimento oferecido pela Acesso Cultura no guia “Como (e quando) falar da deficiência”
O "Enquadramento" do guia oferece, entre outros aspetos, esclarecimentos e desconstrói mitos em torno da deficiência. A publicação contém também estratégias para profissionais de comunicação cultural e jornalistas, desde sugestões para a fase de preparação e recolha da informação, até à escrita, com a indicação de termos incorretos utilizados e a sua respetiva correção. Apesar de o foco da publicação ser a área da cultura, a associação alerta que o guia pode auxiliar a comunicação de outras áreas e espera que “possa vir a ser útil também para outros profissionais”.
Podes consultar a publicação Como (e quando) falar da deficiência: um guia para profissionais de comunicação cultural e jornalistas, ao clicar, aqui.