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Alzheimer: cuidar quando as gavetas se fecham

À medida que vamos envelhecendo, é normal que os acontecimentos se desvaneçam na nossa memória. Perdemos algo de vez em quando, mas acabamos por encontrar, esquecemos qual a melhor palavra a usar para explicar algo, mas mais tarde lembramo-nos. Envelhecer é ir sentido os efeitos da passagem do tempo. No entanto, há doenças que causam um declínio, umas vezes mais rápido, outras muito lento, do funcionamento da pessoa, e que confundimos com envelhecimento. Perder a capacidade de seguir indicações verbais ou escritas, realizar a rotina do dia a dia de forma autónoma, como fazer a higiene, vestir-se e comer, não saber em que data ou estação do ano está, ou mesmo ter dificuldade em manter uma conversa, por exemplo. A linha parece ténue, mas o que está para lá dela tem um nome: demência.

Texto de Redação

Ilustração de Frederico Pompeu

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Demência é, segundo a associação Alzheimer Portugal, “o termo utilizado para descrever sintomas de um grupo alargado de doenças que causam um declínio progressivo no funcionamento da pessoa. É um termo abrangente que descreve a perda de memória, capacidade intelectual, raciocínio, competências sociais e alterações das reações emocionais normais”. Existem vários tipos de demência, como a Vascular, de Parkinson, Corpos de Lewy, de Huntington, Frontotemporal, provocada pelo álcool (Síndrome de Korsakoff), de Creutzfeldt-Jacob e a doença de Alzheimer, a mais comum, constituindo cerca de 50% a 70% de todos os casos. É uma doença que se pode manifestar em qualquer pessoa, no entanto a frequência registada é maior a partir de pessoa com 65 anos.

Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, em 2020, a projeção do cenário da população em Portugal, em 2080, prevê o número de idosos, em cerca de 3 milhões. Ou seja, o índice de envelhecimento quase duplicará, passando de 159 para 300 idosos por cada 100 jovens. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, em todo o mundo, existam cerca de 47.5 milhões de pessoas com demência, número que poderá atingir os 135.5 milhões em 2050. Em Portugal, não existem estudos epidemiológicos atuais, no entanto, um relatório publicado em 2017 pela OCDE – “Health at a Glance 2017” (Uma visão da saúde) -, coloca Portugal como o 4º país da OCDE com mais casos por cada mil habitante, com uma estimativa de 19.9 – 205 mil pessoas , em 2017– número que se estima subir para os 322 mil casos até 2037.

Os dados antecipam um futuro com uma população envelhecida, onde esta doença será mais comum. A OMS classifica-a como uma “prioridade de saúde pública”, sendo que, atualmente, e segundo a mesma, um novo caso de demência é diagnosticado a 4 segundos no mundo. Para as famílias, é uma prioridade diária, não só financeira, mas sobretudo emocional.

A doença para a família

“Não é nada fácil”, começa por contar Manuel quando recorda episódios que o deixam “desanimado por completo”. “Às vezes diz-me, “o senhor pode ir-se embora, estou à espera do meu marido, não quero homens cá em casa”, e eu digo que já vou, depois diz que a casa não é minha, mas do marido, e eu respondo, “então, o teu marido sou eu”. Ela diz-me logo, “não é não, porque o meu marido tem cabelos pretos, e você tem cabelos brancos, então eu saio, sento-me na escada, outras vou para a porta da rua, converso com amigos, e digo logo que estou de castigo, um quarto de hora depois volto para cima, mas nunca saio da porta, porque ela não pode sair sozinha. Quando volto, ela pergunta-me “então, foste para onde?”. A memória vai e vem no tempo. Nunca esquece as filhas, apesar de confundir o nome delas, e lembra todos os dias a mãe, de quem era muito próxima - “Hoje, às 07h00 começou a chamar pela mãe, todos os dias pergunta por ela, e ela já morreu há mais de 40 anos. Quando vamos à terra e ela vê que a mãe não está, diz que a casa não é dela”.

Conheceram-se quando ainda eram adolescentes. Corresponderam-se durante muitos anos, mas, foi no dia 1 de abril, que José deu a volta a um tio e foi parar a casa de Manuela. São casados há 50 anos, namoraram durante cinco ou seis anos, mas conheciam-se muito antes disso. Estão juntos há uma vida inteira. O José trabalhou sempre como vendedor na região da Grande Lisboa, a Manuela, dedicou a sua vida ao trabalho de caridade com pessoas em situação económica desfavorecidas. Em 2016, Manuela deixou de conseguir cuidar dos outros e foi a vez do José cuidar de si. Hoje, com 83 anos, José conta ao Gerador que não se lembra como tudo começou, uma vez que esteve sempre em contacto permanente, mas sabe que foram os médicos, numa das consultas a que Manuela ia, que repararam que algo estava a começar a ficar diferente. Foi-lhe diagnosticado Alzheimer. Manuela, de 82 anos, passa o dia num dos centros da Associação Alzheimer Portugal e ao final do dia Manuel vai buscá-la para passar a noite em casa, onde passa também o fim de semana, com a ajuda de uma cuidadora que auxilia em todas as tarefas.

Entre centro de dia, cuidadora, medicamentos, fraldas e outras necessidades, a reforma de Manuela e o acréscimo que recebe pela doença, não chegam para pagar tudo, mas José garante que faz o que pode e “não lhe falta nada”.

O mesmo não acontece com a avó de Renata. Começou por ver os avós, Maria e António, a esquecerem-se de coisas “simples”, como perderem a capacidade de cozinhar, esquecerem-se do fogão acesso, das torneiras abertas, aquecedores ligados, irem às compras e deixarem a comida no carro, ou não saberem das chaves de casa. Apesar de estar num “estado muito inicial”, a sua avó começou a ter noites mais agitadas e alguns momentos de desorientação no tempo e espaço. “Foi um grande desgaste para a família porque era uma preocupação constante. Os meus pais tiveram de se privar da sua vida para passarem mais tempo aqui com eles. Eu estava a trabalhar e era impossível geri-los.”

Maria, aquando da morte do marido, sempre se negou a ir para um lar ou centro de dia, por isso a família optou por contratar uma cuidadora que pudesse passar algumas horas com ela, mas não conseguiram arranjar alguém que ficasse durante a noite e ao fim de semana. Os cuidadores acabaram por ser os próprios familiares. Atualmente, encontra-se em lista de espera para entrar num lar e, a somar à espera, não existe resposta quanto à reforma pedida em janeiro de 2023. Neste momento, é a família composta por um filho, uma nora e duas netas, que suporta todos os custos. “Envelhecer em Portugal pode ser muito triste, porque não se dá o devido apoio e respostas que possam ir realmente ao encontro das necessidades individuais de cada situação”.

O “estado inicial” com que Renata teve de lidar é, segundo Filipa Gomes, psicóloga e Diretora Técnica do Departamento de Lisboa e Núcleo do Ribatejo da Alzheimer Portugal, a mais desafiante. Nesta fase, em que muitas pessoas não aceitam ajuda, os familiares, “veem-se a braços com o pai ou marido já não saber fazer as coisas, mas também não colaborarem”. É nesse “primeiro impacto” que a psicóloga diz ser importante existir um apoio psicossocial, de forma a “orientar os cuidadores”.

Pedro lembra-se de assistir aos efeitos da doença na sua bisavó, como algo “galopante”. “Na altura, lembro-me que o mais extraordinário foi assistir alguém a começar a esquecer-se das coisas, ou seja, como é que olhava para os filhos, netos e bisnetos e não os conhecia, como é que o cérebro te permite esquecer as pessoas de quem mais gostas?”. Depois, já mais velho, recorda a avó paterna, Maria Amélia. “Com a minha avó paterna, foi um processo, porque também [eu] era mais velho. No início fazíamos perguntas normais, como por exemplo, ela fumou durante cinquenta anos, mas quando lhe perguntávamos ela negava, perguntávamos o nome do meu avô, e ela não sabia”. Maria Amélia era, como o António, pai de Pedro, a recorda, “uma mulher de armas”, e tinha 75 anos quando tudo começou. Pedro e António recordam o episódio em que combinaram um jantar em casa de António, e Maria perdeu-se. “Na altura, lidei muito mal, porque nós temos sempre aquela tendência de não perceber o que é. Sentimos que aquela pessoa de quem gostamos muito está desatenta, ou despistada, e exigimos dela, irritamo-nos. Lembro-me dessa situação me magoar um pouco, porque para se proteger ela deixou de vir cá, e isso deixava-me a pensar. Até que fui percebendo e levei-a a um médico. Após uma série de exames, detetaram Alzheimer. Apercebi-me de que estava a ser um pouco injusto na forma como muitas vezes puxava por ela. Assim que me apercebi do que era, pensei “a minha mãe tem isto, e eu vou ter de mudar tudo””, conta António.

Segundo Pedro, a avó levou sempre a rotina e um “background de quase organização militar” – não tivesse sido enfermeira chefe – até ao final dos seus dias. Nunca se esqueceu de nada ligado, nem nunca se pôs em perigo, apenas se esquecia dos caminhos, da carteira, deixava entrar comerciais em casa, confundia o neto com o filho, por não se lembrar dos nomes das pessoas chamava-lhes de “amigo” ou “amiga”, viajava muitas vezes ao seu septuagésimo sétimo aniversário, e reagia sempre de alguma forma ao seu adorado Sport Lisboa e Benfica.

Quando questionado sobre se alguma vez pensaram inscrever a avó num lar, Pedro diz que não. A verdade é que o pai António preferiu manter as referências no dia a dia da mãe e decidiram encontrar uma cuidadora a tempo inteiro. “Ponderei e contactei vários lares, mas na altura não existiam vagas absolutamente nenhumas, o único sítio era longe. Uma das coisas que eu fiz sempre foi manter o contacto, dar-lhe referências. Eu ia lá todos os dias, mesmo com muita dificuldade, mas fazia os possíveis para ela me continuar a ver. Dizia para porem música, porque acho que a música é algo que acalma as pessoas, traz boas memórias. E ela também sempre disse que não queria ir para um lar, e foi determinante quando o disse”. A reforma não dava para tudo, mas ajudava. “Tivemos uma situação privilegiada, embora sei que para outras pessoas ter uma cuidadora a tempo inteiro a dormir, é incomportável”.

Sofia começou a ter um contacto mais direto com a doença da avó Elvira quando ainda tinha 13 anos. Em entrevista ao Gerador, lembra os episódios mais “agressivos” que a mesma tinha e o dia em que a foram buscar ao hospital psiquiátrico depois de duas semanas internada, e como isso “foi violento” – “Ela era mais violenta e, nessas situações, tentávamos ser o mais calmo possíveis e não agirmos de forma impulsiva, porque fazia com que ficasse ainda mais desnorteada com o que estava a acontecer. E ver isto tudo, foi complicado. Porque, por muito que te expliquem, não queres aceitar, é veres a pessoa que cuidou de ti, e eu digo, a minha avó será sempre o amor da minha vida, mas essa pessoa está a perder o raciocínio, não te está a reconhecer, é um conjunto de fatores muito complicado”.

A etapa mais avançada da doença a que Sofia assistiu traz “exaustão física e psicológica”, explica a psicóloga e diretora da Alzheimer Portugal, Filipa Gomes. Nesta fase, “existe menos resiliência que se pode refletir nos cuidados que prestam e na maior tolerância e disponibilidade para algumas questões e comportamentos que as pessoas com demência têm”.

Elvira nunca quis ir para um lar, pois dizia que “ir para um lar era matarem-na”, por isso a família de Sofia decidiu (com algum esforço monetário) contratar alguém para ajudar a cuidar. A neta sublinha o facto da doença se ter instalado não só na avó, mas na família, “tens a tua avó doente, a tua mãe fica doente por estar a tratar da tua avó, e tu tens de lidar com tudo, não só com a doença, mas como a tua família está a ficar por causa da doença”.

Ainda que os casos apresentados sejam de pessoas com idade superior a 65 anos, e a doença tenha prevalência nesta faixa etária, existem casos de adultos também a partir dos 40 anos. Filipa exemplifica com um dos casos que recebeu no centro – uma senhora com filhos menores, cujo marido se acabou por separar e teve de ficar com os pais, com idades compreendidas entre os 70 anos.

Cuidar de quem cuida

A demência traz consigo uma carga emocional, social, financeira, e muitas dúvidas. Estudo do CEMBE, Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, realizado em 2021, “Custo e carga da doença de Alzheimer em Portugal”, mostra que o país gasta todos os anos, uma média de dois mil milhões de euros no combate à doença, sendo que os gastos com cuidadores informais atingem cerca de 1,1 mil milhões de euros. Num manifesto criado pela Alzheimer Portugal, intitulado de “Pela Memória Futura”, a associação afirma ser urgente “fazer da doença de alzheimer e outras demências uma prioridade social e de saúde pública em Portugal”, para que, “olhando para o que mais importa, possamos melhorar a qualidade de vida de quem vive com demência e das respetivas famílias, num contexto de Direitos Humanos”. É isso que a Associação afirma fazer desde 1988 – dar ferramentas às famílias que se sentem desacompanhadas, e aos doentes.

De lares, centros de dia, apoio domiciliário, serviços clínicos externos, iniciativas com cuidadores e doentes, a grupos de ajuda mútua, a associação tem procurado ser a voz da doença em Portugal. Para Filipa Gomes, “é fundamental dar um apoio holístico tanto ao cuidador como à pessoa com demência”, uma vez que ainda existe discriminação. “Por exemplo, quando estamos no terreno, mais na província, a fazer uma resposta direta, as pessoas não nos procuram por medo do que os outros vão dizer se souberem, vão achar que estão malucos. Portanto, há um movimento de se isolarem devido a estas crenças que limitam as pessoas e o poderem ter apoios e sentirem-se mais acompanhadas”.

Outro dos seus trabalhos, tem a ver com o “lobby”, para influenciar positivamente e construir políticas que defendam os diretos da pessoa com demência e do cuidador. Este último, segundo Filipa, muitas das vezes sem o devido apoio financeiro, ainda que já tenha sido criado um estatuto do cuidador.

Quando o doente começa a ficar dependente de um terceiro, ou precisa de alguém para o acompanhar, é necessário decidir quem será o ‘responsável’. Filipa explica que essa tomada de decisão nunca chega a acontecer, acabando por ser o cuidador mais próximo ou a mulher a ter essa responsabilidade, existindo assim um abandono ao próprio cuidador, que se vê sozinho nos cuidados e apoio que presta. Para além disso, os próprios cuidadores acabam por afetar aquilo que era o seu projeto de vida. As famílias passam a estar focadas na doença, acabando por desenvolver depressões, transtornos de ansiedade, e de sono. “É um impacto muito grande na família”, conta a diretora cujo trabalho se centra na grande Lisboa e Ribatejo, mas acompanha todos os núcleos ao longo do país.

Outro dos problemas evidenciados é a questão económica. A maior parte das famílias não tem possibilidades económicas, limitando o acesso a cuidados de saúde, a questões do dia a dia, como medicação, fraldas, contratar um cuidador, entre outros desafios diários. “Para muitas famílias, esta parte financeira traz uma grande angústia porque não têm capacidade para proporcionar qualidade de vida”. Filipa continua enumerando situações com as quais já se deparou. “Eu já vi situações de, por exemplo, a senhora dizer que como não tinham dinheiro, tinha duas fraldas. Se o marido só urinasse, ela lavava as fraldas, punha a secar e voltava a utilizar. Trabalhei também muitos anos num hospital psiquiátrico, e mutas vezes os familiares não podiam comprar a medicação, tinham de escolher entre isso ou comer”. Os apoios são poucos, os complementos existentes baixos, e os processos morosos, sendo que muitos, nunca chegam a acontecer.

A palavra ‘abandono’ é associada, muitas das vezes e em última instância, à bola de neve que se cria quando não existem apoios e a condição económica e social é desfavorável. “Existe uma outra realidade que vemos nos hospitais, quando a abrimos a televisão, em que, de facto, as pessoas não vão buscar os familiares. Nessas situações, o nosso sistema de Segurança Social, tem vagas cativas para responder a este tipo de situações”, explica Filipa.

A Associação Alzheimer Portugal tem desenvolvido projetos de apoio a cuidadores. Existe uma linha de apoio disponível para consultas de Psicologia à distância – cujo preço é a partir de 10€, de acordo com os rendimentos -, e um projeto que aproxima profissionais, cuidadores e doente, o Projeto Rostos. Com o objetivo de prestar um serviço de bem-estar e saúde domiciliário para cuidadores de pessoas com demência, os profissionais dirigem-se às casas para levar conforto e tempo. Isto significa que, enquanto o seu familiar com demência está com um auxiliar com formação em demências, realizando atividades, o cuidador tem um momento só para si, onde pode usufruir de massagens de relaxamento, ter consultas de apoio psicológico, fisioterapia, enfermagem, priorizando assim, durante este tempo estipulado a sua própria saúde.

Bárbara Coutinho, neuropsicóloga na Alzheimer Portugal, realça que o objetivo de projetos como este é transmitir a ideia de que as pessoas não estão sozinhas, existindo ainda um contacto continuo não só para dar informação, mas para ajudar a lidar com o evoluir da doença e emoções. “Um dos nossos grandes objetivos é partilhar informação e dar às pessoas as ferramentas necessárias para conseguirem desbravar caminho da melhor forma. Damos estratégias para lidar melhor, dando sempre a noção aos cuidadores de que têm de cuidar de si próprios”.

A psicóloga, sublinha a importância de olhar para cada pessoa como um indivíduo com necessidades diferentes, frisando ainda que é importante “procurarem apoio e tentar criar bons momentos de partilha e de estabelecimento de relação entre duas pessoas”. Não esquecer que é uma pessoa, “o nosso familiar”.

“É preciso amar muito e ter paciência”

As crenças, o estigma, as ideias pré-concebidas de que as pessoas não sabem o que se passa à sua volta, influenciam a forma como cada um, os lares, os centros de dia e a própria sociedade, lida com a doença e toma decisões sobre ela.

“Tem de haver literacia, formação e informação sobre a doença. Partirem do princípio que tudo o que a pessoa faz ou não faz é por causa da doença, não é verdade”, sublinha Filipa Gomes que continua a explicação enumerando o caso dos lares e o uso de contenções. Isto significa a imobilização do doente através de coletes, faixas, imobilizadores de punho, talas, cintos de imobilização, grades, travões nas cadeiras de rodas e lençóis, ou tranquilizantes e sedativos. Para mudar esta solução que Filipa diz ter “efeitos catastróficos”, é necessário dar formação às equipas. Nos centros de dia da Alzheimer Portugal não existem contenções, apenas atenção a cada um. As pessoas podem escolher o que querem para o lanche, as atividades em que querem participar, ir às compras – “Sentem-se úteis”.  

Para Filipa Gomes, cujo seu trabalho tem sido centrado nesta doença e já acompanhou vários casos de norte a sul do país, a solução é simples: não devemos olhar para a doença, mas para a pessoa. “A partir do momento em que sabem que a pessoa tem o diagnóstico, é como se a partir dali se tivessem de relacionar com a doença, e não com a pessoa. Por isso, deve continuar a fazer as pequenas questões da vida à pessoa, se quer chá ou sumo, por exemplo. Questões que qualquer um tem o direito de poder dizer se gosta ou não. (…) Eles vivem também os momentos como nós vivemos, se lhes proporcionarmos um ambiente positivo, eles vivem com a mesma intensidade. Alguns vão apenas reconstruir os factos, mas as emoções continuam lá. As memórias emocionais são muito importantes, são as únicas que não se perdem”.

Há doenças que o amor não cura, mas torna mais suportável. José continua a ver a mulher todos os dias nas pequenas coisas. Sabe que não pode contrariar, por ser pior, e quando alguém lhe agradece por nunca ter saído do lado da sua mulher, este responde que não é uma obrigação.

António adaptou-se às diferentes fases da doença e procurou não entrar em pânico, tendo sempre como fundamental: não abandonar, estar sempre presente. “Isso mostra, ou pelo menos cria, uma certa normalidade para a pessoa que está doente e sente esse apoio. A partir de agora isto é uma das nossas prioridades”. Acrescentando ainda que “o carinho é uma das palavras-chave para quem está de fora e pretende dar o máximo de bem estar a quem está doente”.

Sofia, tentou encontrar respostas para tantas perguntas que lhe surgiam sobre como a melhor forma de lidar, não se contentando com as palavras do médico e procurando as respostas nas experiências dos outros. Olhou a doença com amor e paciência - “Por muito que amemos os nossos, temos de os deixar ir para não sofrerem. Estas doenças são muito difíceis de lidar, é difícil também entender o Alzheimer, mas é preciso ter paciência, amar muito a pessoa, e por muito que nos custe terem de ir para um lar, estamos a fazer o melhor para que não sofram tanto”.

O que está a ser feito e a educação como possível (futura) resposta

Em Portugal, existe um subsídio de apoio ao cuidador informal principal, determinado pelos rendimentos, qual o grau familiar, entre outros fatores. Existem ainda complementos destinados ao doente, como o Complemento solidário para idosos, Complemento de dependência, ou apoios para aquisição ou aluguer de material. No entanto, António, filho de Maria Amélia, e Renata, neta de Maria, enquanto familiares que acompanharam ou acompanham alguém com Alzheimer, acreditam que deviam ser dados mais apoios monetários.

Os netos, Pedro e Sofia, ambos entre os 20 e 30 anos, quando questionados sobre o que poderia estar a ser feito para uma maior sensibilização para a doença no futuro, de forma a evitar um choque para as famílias, os dois veem na educação e formação a resposta.  

“Não para encher calendário”, como diz Sofia, mas para ensinar, prevenir, saber como lidar, não só com Alzheimer, mas com outras doenças do foro psicológico. Pedro, justifica o papel importante da educação e formação pelo facto devido à sua experiência uma vez que, ter sido informado de uma forma pedagógica enquanto ainda era criança e adolescente, acrescentou muito à forma como lidou mais tarde com a doença, sugerindo por isso, que o tema comece a ser introduzido nas escolas. “Pelo que leio nas entrelinhas, o Alzheimer será uma das doenças com maior crescimento nos próximos anos, qualquer dia existirá um caso em todas as famílias, por isso, porque não incluir nas escolas? Por exemplo, tive aulas de educação sexual, prevenção de doenças venéreas, poderia existir uma aula quase dedicada à “doença dos avós”. Se na escola se explicasse que os avós podem ter uma doença que os pode fazer esquecer das pessoas, e elucidar sobre isso, talvez lidássemos de outra forma”, conclui Pedro.

Informações e contactos importantes:


Estatuto do Cuidador

Alzheimer Portugal

Linha de Apoio na Demência: 963 604 626


*Esta reportagem foi inicialmente publicada a 5 de abril de 2023.

Texto de Patrícia Nogueira

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