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Casaco Sobresselente

Um conto da autoria de Joana Lopes Lourenço, aluna do curso da Academia Gerador “Desarrumar a escrita: oficina prática”. Este conto foi selecionado para publicação nos canais digitais do Gerador pelo formador do curso, Samuel F. Pimenta.

Texto de Gerador

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Outro dia, rebentei um pneu do carro. Ia ao cabeleireiro, por caminho perfeitamente conhecido, e, sem saber porquê ou como, lá me pus demasiado à direita, pneu na borda, e tumba. Não querendo acreditar, andei em frente o mais que pude, até perder o controlo do carro e ver-me obrigada a parar. Ainda assim, consegui estacioná-lo em local próprio, na companhia de outros, em espinha, à frente da croissanteria nova, como se tivesse saído de casa para ir comer um croissant daqueles, leia-se com requeijão, doce de abóbora e nozes. 

Entrei num táxi e fui ao cabeleireiro.

Um corte de cabelo e um brushing depois, sentia-me finalmente confiante para lidar com o problema. Fiz por não ouvir o que o taxista que me levou de volta à croissanteria me disse, depois de eu lhe contar porque é que estava a recorrer ao táxi:

– Mas quer ajuda? Sabe como é: Leandro resolve.

E liguei ao meu pai, que, tendo dez irmãos e, consequentemente, uma data de sobrinhos, logo me arranjou um deles para ajudar: o meu primo Tiago, empregado nos Pneus Gama.

— Joaninha, o primo agora vai pôr o pneu sobresselente, e, amanhã, por volta da hora de almoço, vais lá ao trabalho do primo, que o primo já terá um pneu novo, igual aos outros, para pôr aqui, pode ser?

Ignorando que o meu primo ainda dizia o primo, em vez de eu, como se eu permanecesse a criança que ele tinha conhecido há anos, que, na croissanteria que ainda não existia, pediria um croissant com Nutella em vez de aquele, leia-se com requeijão, doce de abóbora e nozes, acenei que sim, que podia ser, e muito obrigada.

No caminho de volta a casa, o cheiro do meu novo cabelo foi, repentinamente, substituído por outro.

Há muito que o meu carro não tinha aquele cheiro. 

Que não tinha o banco do lado empurrado para trás quase na totalidade, permitindo caber ali um metro e oitenta e sete de gente. Que o tablier não tinha maços vazios de Chesterfield cor-de-laranja em cima. Que a porta da direita não tinha etiquetas de peças de roupa e ténis que ele comprava, muito mais baratos do que na loja, no armazém da Billabong, e que não conseguia esperar por chegar a casa para estrear.

Ao chegar a casa, percebi que, ao retirar o pneu sobresselente da mala do carro, o meu primo atirou tudo o que lá se encontrava para os bancos de trás: o triângulo, o colete refletor, um saco de compras do Pingo Doce e um casaco verde da Billabong.

O casaco verde da Billabong: era esse o cheiro.

Contente por não ter apagado o número de telemóvel dele, enviei-lhe uma mensagem: Ainda tenho aqui o teu casaco verde, quando é que vens buscá-lo? 

Ele respondeu-me: Fica com ele, emoji a piscar o olho.

Como solicitado pelo meu primo, no dia seguinte, fui aos Pneus Gama.

– O Tiago está? – perguntei, meio a medo, a um velho de bigode que me olhava de forma pervertida, enquanto limpava os dedos a um pano mascarrado.

Ouvindo-me, lá ao fundo, o meu primo gritou:

– Joaninha!

Não tinham ainda passado duas músicas da Renascença, rádio residente na oficina, já o pneu estava substituído.

– Aí, muito obrigada, Tiago. Quanto é que eu te devo?

– Oh! Era melhor agora pagares alguma coisa.

Eu insistia.

– Não é nada, a sério, Joaninha, mas eu depois falo com o pai. – descansou-me.

Abri a porta de trás do carro, tirei o casaco e propus-lhe:

— Então, fica ao menos com isto. Está como novo e deve ficar-te bem!

Texto da autoria de Joana Lopes Lourenço. Ilustração de Marina Mota.

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