Os dias 16 e 17 de julho assinalarasobrem a primeira edição do festival Cidades Resilientes. Tendo como pano de fundo o Convento de São Francisco, a cidade de Coimbra foi o palco que juntou mais de 30 personalidades, para debater o verdadeiro significado das cidades. Em formato híbrido, o online também se fez acompanhar de transmissões em direto nas quais se faziam ver e ouvir conversas, entrevistas e workshops no comércio local da cidade. As sessões de poesia pela cidade e o encontro de instagrammers foram também acontecimentos imprescindíveis que completaram o festival e o tornaram ainda “mais inesquecível”. Palavras que se ouviram a partir de outras cidades, mas que, em poucos segundos, chegaram até ao recinto principal.


O relógio marcava as 11h15 quando a voz do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, chegava a todos os cantos da sala principal do convento. “Quais os desafios das Cidades do Século XXI? Quais as consequências da pandemia para as cidades? E se alguém puder dar contributos, qual o desafio, para a nossa cidade? Qual o conceito de cidade para as nossas gerações? E, no fundo, que respostas desencadear e com que priorização para termos capacidade de reação àquilo que nos chegou de surpresa e inesperadamente?” Estas foram algumas das questões que o presidente referiu no seu discurso de abertura, levantando o véu do mote que viria a originar o festival: pensar o futuro das cidades.
Seguiu-se a primeira conversa do festival, “O Desafio das Cidades do Século XXI”, que contou com o sociólogo e investigador Carlos Fortuna e Miguel Poiares Maduro, professor universitário e político, como convidados.


Pensar o conceito de cidade foi o ponto de partida da conversa. Seguiu-se a adaptação das cidades enquanto dependentes do caráter digital, um dos desafios colocados em cima da mesa. “A cidade é o núcleo originário enquanto espaço coletivo, enquanto comunidade e enquanto forma de deliberação coletiva. E, na medida, em que nós perdemos as formas de socialização próprias que tiveram origem e se desenvolveram na cidade e mudamos para o espaço público virtual, essas formas de socialização mudam. Ou seja, o espaço coletivo muda”, afirma Miguel Poiares Maduro.
Já Carlos Fortuna reforça a importância das cidades e da sua ação futura, “as cidades resilientes são um estado de espírito. Gosto muito desta ideia porque é a maneira como se idealiza e atua em conformidade com as possíveis soluções e alternativas que temos de ação política, política pública, ação, planeamento ou o que seja.”
Questionados sobre a importância da cidade como “estado de espírito desmaterializado” e de que forma poderá ser uma das soluções para resolvermos os problemas demográficos em Portugal, Carlos Fortuna afirmou que esta solução não colmata qualquer problema na demografia, transporte nem cultura. “Resolve apenas o problema das cidades. Não gosto de pensar em compartimentos. A vida urbana não acontece em compartimentos.”
Miguel Poiares Maduro acrescenta ainda que a questão demográfica é “muito difícil de ser resolvida”, no entanto, em termos de coesão territorial “o nosso grande objetivo não deve ser aquele de ter massas de pessoas a voltar para o interior. Isso é irrealista. Devemos crer ter comunidades vivas em todas as áreas do país. Isso tem menos que ver com o número de pessoas. Ao invés disso devemos pensar em ter uma comunidade socialmente dinâmica e com sustentabilidade na sua formação demográfica. Isso exige políticas que não podem ser compartimentadas”.
Debatendo ainda a importância da comunicação e da informação como mediação do espaço público, a qualidade de cidadania e as relações sociais, os convidados consideram que a arquitetura da tecnologia e importância do seu desenvolvimento poderá ainda permitir um contributo relevante para as políticas públicas e para a formação das mesmas, desde a preocupação ambiental às comunidades.
Em simultâneo, no Hotel Oslo, o Gerador conversou com Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal. A aposta no turismo literário, além de outras medidas aplicadas recentemente, são uma das mais-valias que Luís considera relevante na aposta do futuro das cidades. É o caso da mudança do slogan, que passou de “Visit Portugal” para “Read Portugal”. Luís acredita ainda que “as cidades apenas serão boas para os turistas, se forem boas para os residentes”.


Completando a manhã, a masterclass de Design Thinking com a produtora Luana Bistane aconteceu no No Pet & Tea.
Já na parte da tarde seguiram-se as conversas dedicadas às “Consequências da Pandemia para a Cidade”, com o professor universitário André Barata, o arquiteto Nuno Lacerda Lopes e o psicólogo e vice-reitor da Universidade do Algarve, Saúl Neves de Jesus, pelas 15h00; uma conversa dedicada à “Economia das Cidades do Futuro”, com o professor universitário e diretor da Nova Cidade, Miguel de Castro Neto, e a investigadora Rita Lopes, pelas 16h30. Para concluir o ciclo de conversas “As cidades das novas gerações” ocorreu pelas 18horas, com a professora universitária Clara Almeida Santos, a artista e curadora Francisca Aires Mateus e o médico psiquiátrico e professor Tiago Marques.
A reflexão em torno das consequências da pandemia para as cidades foi muito frutífera, nomeadamente, referiu-se a importância de pensar as habitações para tempos como os que vivemos atualmente, pois “raramente se pensa a casa num sentido de prisão. Normalmente, pensamos na nossa habitação como um sentido de reunião, alegria e conforto, mas o significado de casa foi-se mutando ao longo dos tempos. […] Diria que este sentido de saúde que vivemos hoje, não só como uma ameaça como esta, a covid-19, mas também como uma questão voltada para a saúde mental foi algo que nos fez perceber e valorizar quer a casa quer o próprio trabalho do arquiteto, que já é chamado para criar espaços exteriores, de conservação”, explica Nuno Lacerda.


A importância da mobilidade e as consequências que a ausência da mesma originou na saúde mental, assim como a questão da economia circular, foram também temas debatidos: “a pandemia trouxe-nos a necessidade de termos mais espaço e as pessoas procuram, dessa forma, ter mais espaços exteriores e melhor qualidade de vida. Tivemos mudanças grandes. O ritmo, por exemplo, que é um dos principais fatores de stress e que acontecia com a deslocação para o trabalho, por exemplo, a necessidade de responder às suas obrigações constantes deixaram de existir mas passamos a ter outras obrigações”, explicou Saúl Neves de Jesus.
No caso da conversa voltada para a economia das cidades, abarcou-se a importância de ambientes urbanos que possam estar alinhados com as necessidades ambientais, ao mesmo tempo que possam dar resposta às questões impostas por uma vivência digital. Sobre a possibilidade de responder economicamente a estas necessidades, a investigadora Rita Lopes respondeu que sim: “Eu diria que são completamente compatíveis. Nós quando falamos do que são as cidades do futuro e sustentáveis, e que passam muito por um contexto de economia circular, a questão digital e tudo o que vai trazer de novo, é ele potenciador de benefícios ambientais e de desenvolvimento que queremos nestas cidades. Exemplo disso são as plataformas de partilha e da gestão de mobilidade que envolvem este novo conceito.”
Abordar realidades assentes na regionalização e na participação e desenvolvimento das autarquias e dos autarcas nas novas cidades foram também perspetivas que passaram pela conversa. Dada a sua importância, os convidados acreditam que poderá ter aspetos positivos e negativos.
A última conversa do primeiro dia do Festival Cidades Resilientes, “As cidades das novas gerações”, partilhada com Clara Almeida Santos, a artista e curadora Francisca Aires Mateus e o médico psiquiátrico e professor Tiago Marques, trouxe a palco a importância da diversidade, do diálogo intercultural e do entendimento do conceito “geração”.


Tiago acredita que as cidades têm autoestima, muitas das vezes, criada por quem chega às cidades, através de locais e realidades diferentes. Clara completa ainda que “a diversidade também constrói a cidade. Creio que é possível dizer que as cidades do futuro, das novas gerações, serão cidades que terão de acolher a diferença de forma hospitaleira”.
É nesta ótica que Francisca também recorda a importância do conhecimento e do desenvolvimento entre as cidades menos urbanas na criação de espaços culturais como um fator que pode também trabalhar a inclusão não só social como também artística.
Durante as conversas no Convento de São Francisco, decorreu, em simultâneo, no comércio local o workshop de personalização de Eco Bag com a artista Pitanga, no café da Sofia, a entrevista à Maria Assunção Ataíde, na pastelaria Briosa e ainda uma sessão de poesia com Mia Tomé.
Já no dia 17 de julho, o segundo e último dia do festival, as conversas no convento de São Francisco começaram por abordar o “Planeamento e Sociologia Urbana”, pelas 10h30, com a presença da investigadora Alda Botelho Azevedo, o arquiteto Gonçalo Byrne, o sociólogo e diretor do CICS. NOVA, Luís Baptista, e o professor e investigador Paulo Peixoto.


Pensar a sociologia e o planeamento das cidades é também abordar a estrutura, o reinventar das cidades e que perspetivas e vivências poderão ser transformadoras para uma cidade.
Gonçalo Byrne acredita que “é fundamental perceber como várias e distintas formas de conhecimento são fundamentais para se tentar aproximar da enorme complexidade que é uma cidade” e, assim como xs outrxs, concorda que “nunca se ouviu falar tanto em paradoxos como agora e, esta mesma questão paradoxal, é uma sintoma de uma sociedade no mundo, numa cidade, que está a transformar-se a velocidades distintas mas extremamente aceleradas”.
Tendo por base esta considerações, Alda Botelho Azevedo reforça ainda a importância da redefinição dos veículos de mobilidade e das medidas de sustentabilidade nas cidades dado os contextos transformadores vividos, atualmente.
De seguida, o tema eleito foi a “Regeneração e Sustentabilidade”, pelas 12 horas, com Filipe Duarte Santos, professor e investigador, Helena Freitas, professora universitária e política, e Maria de Lurdes Cravo, representante da associação Zero. A conversa voltou-se para a importância do conceito de regeneração e de que forma as cidades poderão dar respostas às exigências da saúde ambiental, nomeadamente, por parte não só da comunidade como das políticas públicas.


Os convidados partilharam algumas realidades e dados pertinentes sobre a evolução da sustentabilidade em Portugal. Maria de Lurdes Cravo partilha ainda que “é importante modificarmos alguns vocábulos que, perante a opinião pública, já estão um bocadinho gastos. Também estamos nesta fase de desafio. Creio que a resiliência se aplica também em consideração ao risco mas, nada, vive de risco zero. Temos de nos reorientar quer em termos individuais quer em termos de comunidade no sentido de encontrar novas formas de viver na cidade e exigir também que a cidade passe a ter um tipo de infraestrutura, projeto e ordenamento completamente diferente.
Fizeram-se acompanhar, pela manhã, a entrevista de Luís de Matos, no restaurante Maria Rio e a masterclass de “Aproveitamento Energético”, com Carlos Raposo.


Retomando as sessões de conversas, para falar sobre “Cultura e Educação”, pelas 15 horas, estiveram presentes a coreógrafa Aldara Bizarro, o consultor jurídico e gestor cultural Carlos Moura Carvalho e ainda o historiador de arte e curador David Santos.
(Re)pensar a Educação foi o mote para perceber as realidades artísticas em contexto educacional e ainda a importância do resgaste de experiências e partilhas em comunidade. Partir da arte parra diferentes locais, desmistificar o conceito de espaço cultural, nomeadamente museu, e perceber a importância da curadoria como uma dádiva de pedagogia social foram algumas das questões exploradas pelos convidados.


Seguiu-se a entrevista com a deputada Catarina Marcelino, que se debruçou sobre a “Antropologia e Cidadania do Futuro”.
Já numa reta final, o festival Cidades Resilientes explorou a “Importância do Digital” junto de Ricardo Vitorino e Susana Albuquerque.
As Smart Cities foram novos conceitos que se fizeram ouvir, assim como “cidade dos 15 minutos”, nos quais os convidados exploraram a importância da procura de energia para conceitos mais eficientes, assim como a adaptação das empresas no pensamento perante os espaços que ocuparam outrora e que poderão ser voláteis num futuro próximo.
O 5G foi outro dos temas que não ficou de fora, sendo também referido num contexto de caráter relevante como a área criativa e de publicidade.


Nesta que foi a última tarde do festival, decorreu ainda um último workshop com Carolina Bianchi, uma entrevista com Cláudia Lucas Chéu, na cervejaria Almedina e uma sessão de poesia com José Anjos.
O festival concluiu com as declarações de Carina Gomes, tendo recordado não só algumas das considerações e ferramentas desenvolvidas no festival como trouxe a boa nova de que a segunda edição do festival irá acontecer, em 2022, contando novamente com a participação do Gerador. Pensar o futuro das cidades “foi também perceber a importância do seu desenvolvimento”, da participação de todxs aquelxs que compõem as comunidades e que nelas participam, resilientes.
Podes consultar as conversas e entrevistas na íntegra na videoteca do festival.