O Hip Hop fez 50 anos a 11 de agosto. Meio século de música, dança e graffiti. Cinco décadas a servir de veículo de difusão da cultura afroamericana e de forma de expressão daqueles que se identificam com o movimento em todos os cantos do mundo. Surgiu no Bronx com uma linguagem que se tornou universal, mas não podemos esquecer as suas origens e percursores.
Nos últimos 15 anos, tem sido o género musical número um global, ultrapassando o Rock. No entanto, no ano do seu cinquentenário, ainda não houve uma música de Hip Hop/Rap no número um da Billboard e começou-se a questionar se o peak do género já tenha passado — estaremos numa fase descendente? Pessoalmente, não acredito que a vivacidade de um movimento que veio de baixo, do underground, possa ser medido por critérios comerciais. Talvez perca essa corrida nas tabelas, mas não quer dizer que não se continue a fazer música de qualidade. E quem tem o privilégio de perceber línguas para além do inglês, não ficará refém do que se passa nos Estados Unidos ou Reino Unido. Dito isto, deixo aqui uma lista, que não é um top, de álbuns que me influenciaram, representam as minhas vivências ou simplesmente ocupam um lugar especial por pura nostalgia. São estes cinco hoje, mas poderiam ser outros noutro dia qualquer.
Illmatic – NAS
Lançado dois anos antes do meu nascimento, este foi um dos primeiros álbuns que eu “descobri” no mundo digital, quando tive o meu primeiro computador em 2007. Obrigado, Sócrates e Youtube. Na altura, percebia pouco de inglês, ainda menos cheio de calão de Nova Iorque dos anos 90. Portanto, as palavras não me diziam absolutamente nada, mas, de alguma forma, percebia a música. Ouvi-a como se toda ela fosse uma composição e a voz fosse apenas mais um instrumento. Mais tarde, descobri toda uma nova camada de arte na escrita do Nas — rimas multissilábicas, wordplays e referências que conhecia. Escreveu com mestria sobre os dramas do dia a dia de um jovem negro num ecossistema sensível, o abandono da inocência e a afirmação enquanto homem. Se fosse um livro, Illmatic seria um coming of age.
Nada como um dia após o outro – Racionais MC’s
Este foi o primeiro álbum de rap brasileiro que ouvi e o primeiro que me fez interessar por rap feito em português. Ouvia-o em casa dos meus primos mais velhos aos fins de semana. Como tinham um DVD de uma atuação ao vivo, podia vê-los também. A energia que entregavam foi o que mais impressionou, para além de cenografia em palco que representava as periferias de São Paulo de onde vinham. A sequência de Vida Loka pt1 a A Vítima é das minhas favoritas em álbuns de qualquer género. A cada verso oiço dicas que são tão relevantes para mim que tenho vontade de as tatuar no meu corpo. Negro Drama, por exemplo, é um reflexo perfeito do drama de ser negro numa sociedade pós esclavagista como a do Brasil. A importância deste álbum vai para além da história do Hip-Hop — é um marco na música popular brasileira (MPB).
The Massacre – 50 Cent
O meu álbum preferido do 50 é o Get Rich Or Die Trying, mas é este que ocupa o lugar nesta lista, que relembro que ser um top. Em 2007, fui a Angola pela primeira vez conhecer o meu pai. Num passeio com o meu tio num mercado de Luanda, deixou que escolhesse alguma coisa para mim como recordação. Na secção da música encontrei um CD com o 50 Cent na capa, que já conhecia da MTV. Levei comigo o que afinal era um DVD com os videoclipes de todas as músicas desse álbum e uns bónus que saíram mais tarde, como Window Shopper e Best Friend. Não percebia a letra, mas cantava os refrões melódicos e mimicava as poses que transmitiam confiança. Vi tantas vezes os videoclipes que os conhecia de cor e mostrava a toda a gente que visitasse a minha casa, como se fosse o meu filme preferido.
Resistentes – Nigga Poison
Os Nigga Poison foram outro grupo que me foi dado a conhecer nos fins de semana em casa dos meus primos. Foi impossível ficar indiferente às rimas do Karlon e do Praga em crioulo e português, tendo mesma qualidade e complexidade, com colunas no volume máximo. Ouvir rap na minha língua materna sempre me tocou de uma forma especial. Compreendia na totalidade o significado das palavras e todas as suas formas de utilização. Também sentia que exprimiam melhor os meus sentimentos quando o português não era suficiente. Este álbum é para mim um dos melhores do Hip Hop tuga, mas ultrapassa o género — exploraram outras sonoridades como reggae e ragga com um conforto inexplicável. Não falta nesta obra consciência política, crítica social e, também, música de festa.
QVVJFA? – Baco Exu Do BluesO álbum mais recente nesta lista, mas que se tornou instantaneamente num dos favoritos. Quando foi lançado, em janeiro de 2022, ficou em rotação durante uns três meses sem causar enjoo algum. Um álbum perfeito de 12 músicas em que nenhuma leva skip. Baco não é o tipo de rapper que vai cuspir barras incríveis em esquemas rimáticos impressionantes, mas é a forma com que me relaciono com os seus versos que o coloca nesta lista. De relações amorosas não convencionais à saúde mental, este álbum poderia ser uma compilação de capítulos da minha vida adulta pela forma precisa como acerta nas narrativas. A produção, os features e o próprio nome (Quantas Vezes Você Já Foi Amado?) são memoráveis. A nomeação ao Grammy Latino não foi à toa.
-Sobre Airton Cesar Monteiro-
Airton Cesar Monteiro é imigrante cabo-verdiano, licenciado em Relações Internacionais (não praticante) e convicto agitador social. Dedicado a escrever sobre mudanças sociais, cultura e o que mais lhe apetecer.