fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de João Duarte Albuquerque

Fabricado no Barreiro, 37 anos, pai de duas doses de noites mal dormidas. Formado na área da Ciência Política, História e Relações Internacionais, ao longo dos últimos quinze anos, teve o privilégio de viver, estudar e trabalhar por Florença, Helsínquia e Bruxelas, para além de Lisboa. Foi presidente dos Jovens Socialistas Europeus e é, atualmente, deputado ao Parlamento Europeu.

De onde vem e para onde vai tanto ódio?

Nas gargantas soltas de hoje, João Albuquerque escreve-nos sobre o impacto que têm as nossas palavras e a forma como o discurso de ódio destrói o nosso tecido social, criando divisões artificiais e afetando individual e coletivamente as pessoas que dele são alvo.

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Há uma aura especial que envolve os Jogos Olímpicos. Na maior parte dos casos, os melhores atletas de cada modalidade demonstram um enorme respeito e admiração pelos seus maiores competidores, as rivalidades nacionais são exaltadas, mas colocadas ao serviço do desporto e da competição salutar, e de modo geral reina uma atmosfera de cordialidade e cumplicidade na aldeia olímpica. O comportamento das e dos atletas consegue, em alguns momentos, permitir superar as tensões políticas e diplomáticas que regem, por vezes, as relações entre as suas próprias nações. Mas nem este oásis de aparente cordialidade escapa ao clima de polarização e de propagação do ódio em que atualmente vivemos.

Depois da encenação de indignação provocada pela cerimónia de abertura, a maior polémica surgiu após o combate de boxe entre a atleta argelina, Imane Khelif, e a italiana, Angela Carini. Após 40 segundos de combate, a boxeur italiana abandonou o combate, tendo motivado uma discussão acesa sobre o sexo e o género da argelina. A polémica não tem origem apenas nestes Jogos Olímpicos e deriva de uma suposta análise realizada pela International Boxing Association (IBA) que teria detetado cromossomas XY em Khelif, suscitando dúvidas sobre se esta seria, de facto, uma mulher. Ora, uma análise apurada aos factos permite não só despistar a credibilidade e quaisquer fundamentos das alegações lançadas pela IBA, como as dúvidas lançadas sobre se Khelif seria uma mulher trans. Imane Khelif é uma mulher. E é-o quer no sexo, quer no género. Mas, para mim, mais importante que o fundamento da discussão, é analisar as consequências das reações de ódio que toda esta controvérsia estéril provocou.

A cena política americana é, talvez, o expoente máximo do clima de polarização que vivemos, em particular se olharmos para a forma triunfal com que se verificou a ascensão do populismo de extrema-direita, que Trump personifica e cujo movimento lidera globalmente. Não por acaso, na sequência deste incidente nos Jogos Olímpicos, Donald Trump, que pouco ou nada deve saber sobre os JO, muito menos sobre a Argélia ou sobre Itália – a não ser na estrita medida em que isso envolva eventuais investimentos que possa ter em algum destes países – apressou-se a propagar a desinformação e a ampliar o alcance da teoria de que Khelif seria um homem.

A forma como os algoritmos das redes sociais potenciam a polarização – dela se alimentando – permite a propagação online extremamente rápida do ódio, tornando praticamente impossível que a verdade se afirme nos debates e fazendo com que cada utilizador procure, apenas, a informação que confirma as visões pré-concebidas que já tem. E esta propagação fácil e rápida desmaterializa, de certo modo, o ato em si. Como se, por ser online, por não ser cara a cara, diminuísse o facto de que do outro lado da rede estão pessoas.

Este tema tem sido alvo de inúmeros debates e sempre surge quem defenda que grande parte destes atos – muitos deles cometidos por políticos, jornalistas ou comentadores, todos eles com amplas plataformas mediáticas e cujas palavras atingem um largo alcance – estão protegidos pelo direito à liberdade de expressão. Estas formas vis de ódio – tantas vezes assumindo a forma clara de assédio sistemático – são particularmente direcionadas a grupos específicos de pessoas. Grupos que são minoritários não pelo seu número, mas apenas na forma como podem viver a plenitude dos seus direitos. É o caso do ódio que é permanentemente dirigido às mulheres e que assume uma dimensão que torna quase impossível a plenitude da sua essência. São horas de debates sobre a condição feminina, são leis que se passam sobre os seus corpos, são comportamentos e indumentárias que lhes são exclusivamente impostos, são as desigualdades perpetradas século após século. De tal modo que aos homens tudo lhes é permitido, exceto serem femininos.

Este ódio dirigido às minorias de direitos – por questões de género, sexo, etnia, religião, orientação sexual, etc. – começa sempre nas palavras. Começa sempre com a diminuição da condição humana de um ou mais grupos específicos e conduz, quase invariavelmente, às ações que condicionam a sua existência pacífica ou no acesso ao gozo pleno dos seus direitos humanos inalienáveis. Nos últimos dias, no Reino Unido, vários milhares de pessoas saíram à rua proferindo palavras de ódio, atacando imigrantes, destruindo os seus negócios. Foi a demonstração cabal do que acontece perante a ausência de consequências para as muitas palavras de ódio que são difundidas diariamente nos jornais, nas revistas e nas redes sociais, alimentando os ânimos de uma turba capaz de revelar o pior do que somos enquanto humanos.

Temo que seja cada vez mais tarde para deter este movimento. É um movimento popular que tem apoio e financiamento de pessoas muito poderosas e com muitos recursos, como é o caso de Elon Musk ou Peter Thiel, ambos financiadores da campanha de Donald Trump e JD Vance. Para o comprovar, temos as declarações recentes de Peter Thiel, que afirmou que “o liberalismo [político] está esgotado, a democracia, seja lá o que isso for, está esgotada; por isso, nós temos que começar a discutir bem para lá da Janela de Overton” (um termo utilizado para descrever o espectro de políticas aceitáveis pela generalidade do público num determinado momento).

Não creio que nos possamos dar ao luxo de continuar a ignorar o ambiente que está criado e o quão propício é à propagação do ódio. Como o próprio Thiel afirmava, a realidade política dos Estados Unidos nesta década tem fortes paralelismos com a Alemanha de há um século. E a da Europa também, acrescento eu. Que nos sirvam de inspiração as palavras de Imane Khelif, após toda a polémica que a envolveu e que possam orientar a nossa resposta ao(s) discurso(s) de ódio: “Envio uma mensagem a todas as pessoas do mundo (…) para que se abstenham de intimidar os atletas, porque isto tem efeitos, efeitos graves. Pode destruir as pessoas, pode matar os pensamentos, o espírito e a mente e pode dividir as pessoas. Por isso, peço que se abstenham de praticar bullying.”

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

27 Outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

24 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

22 Outubro 2025

O que tem a imigração de tão extraordinário?

17 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

16 Outubro 2025

Documentário ambiental “Até à última gota” conquista reconhecimento internacional

15 Outubro 2025

Proximidade e política

13 Outubro 2025

Jornalista afegã pede ajuda a Portugal para escapar ao terror talibã

10 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

9 Outubro 2025

Estará o centro histórico de Sintra condenado a ser um parque temático?

7 Outubro 2025

Fronteira

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

27 outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

Perante as falhas do serviço público e os preços altos do privado, procuram-se alternativas. Com kits comprados pela Internet, a inseminação caseira é feita de forma improvisada e longe de qualquer vigilância médica. Redes sociais facilitam o encontro de dadores e tentantes, gerando um ambiente complexo, onde o risco convive com a boa vontade. Entidades de saúde alertam para o perigo de transmissão de doenças, lesões e até problemas legais de uma prática sem regulação.

29 SETEMBRO 2025

A Idade da incerteza: ser jovem é cada vez mais lidar com instabilidade futura

Ser jovem hoje é substancialmente diferente do que era há algumas décadas. O conceito de juventude não é estanque e está ligado à própria dinâmica social e cultural envolvente. Aspetos como a demografia, a geografia, a educação e o contexto familiar influenciam a vida atual e futura. Esta última tem vindo a ser cada vez mais condicionada pela crise da habitação e precariedade laboral, agravando as desigualdades, o que preocupa os especialistas.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0