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Descarga: Jams que rompem com as fronteiras das artes

Uma sala, 25 artistas e infinitas possibilidades. Assim decorrem os encontros do projeto Descarga, voltado para as técnicas de improvisação nas mais diversas áreas criativas. À beira d’A Piscina, espaço cultural no Porto, acompanhámos uma das edições que, mensalmente, decorrem sob o comando da fundadora Rina Marques.

Texto de Analú Bailosa

Fotografia de Sara Ferreira

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“Tentem sempre encontrar prazer no que estão a fazer”, orienta a bailarina e coreógrafa Rina Marques nos primeiros trinta minutos da sessão, reservados ao aquecimento. Segundo a fundadora do projeto, a Descarga foi pensada para ser um momento de criação e partilha genuína entre artistas, sem a perspetiva de apresentar algo acabado.

Ao resgatar o formato das jams – termo originário do jazz e sigla para jazz after midnight –, que, desde cedo, inspiram o seu trabalho na dança, Rina faz um convite mensal a criadores de todas as áreas para a libertação das tensões que possam impedir o processo criativo. É também à descarga cubana, encontros de improviso desenvolvidos na década de 1950 e compostos por variações de temas da música regional, que o nome da iniciativa pretende fazer alusão.

Para a bailarina, a aproximação de várias práticas artísticas é o que diferencia o projeto de sessões similares. Circo, teatro, música, fotografia, spoken word, escrita criativa e sketching são apenas algumas das modalidades possíveis de se desenvolver na Descarga, que defende o lema “Pratice with whoever gathers” (“Pratique com quem se reúne”, em tradução livre).

Rina conta, ao Gerador, que as atividades propostas nas sessões variam conforme o ramo de atuação dos participantes do mês. No entanto, procura garantir a possibilidade de exploração: “Caso queiras experimentar falar, cantar, declamar ou outra coisa, podes fazê-lo. Acho que isso é diferente de ir para uma jam de música ou de dança, que, à partida, não é esperado que estejas a desenhar na parede. Criar o espaço físico em que isso pode acontecer também te deixa mais inspirado a fazê-lo.”

Fotografia de Sara Ferreira

Um ano a conectar artistas

Fundada em maio de 2022, a iniciativa teve origem no descontentamento de Rina com o stress num período em que se dedicou a muitas audições. “Estava a ser muito frustrante, para mim, sentir que não me estava a encaixar em nenhum sítio. Ao mesmo tempo, não estava a desfrutar do que estava a fazer, porque estava constantemente a tentar corresponder às expetativas de outras pessoas”, explica. Sentindo-se distante da sua própria forma de expressão e de outras “pessoas criativas”, idealizou um ambiente de relaxamento para trabalhar essas conexões, concretizado com a ajuda da fotógrafa Sara Ferreira e de Rui Paixão, ator e palhaço.

A oportunidade de networking foi um dos fatores que atraiu Carlos Pimentel, bailarino amador desde os 15 anos, para a sua primeira Descarga jam. Enquanto decide se vai dedicar-se à dança profissionalmente, investe na fotografia, atividade que nos assegura ter igualmente aperfeiçoado na experiência. “[Participar do projeto gerou] mais motivação para aqueles dias menos enérgicos. Mandei para fora alguns problemas e algumas coisas que queria esquecer”, diz, em entrevista ao Gerador. Dedicado à dança contemporânea e com anseio de criar as suas próprias coreografias, Carlos afirma ainda ter aprendido novas lições com os “puxados” exercícios. “Tentei abstrair e explorar o corpo”, conclui.

Fotografia de Sara Ferreira

Com exceção do momento de aquecimento, os encontros são fechados para os inscritos, na intenção de proporcionar a sensação de que ninguém os está a observar, libertando-os de qualquer obrigação. “Só temos de fazer o que queremos fazer naquele momento. Se tudo o que queremos é estar deitados no chão a olhar para o teto e a ouvir a música, ninguém nos vai dizer que isso não pode ser”, justifica Rina, que costuma ser a responsável pela condução dos rituais iniciais das sessões. Numa lógica que evolui do trabalho individual para pequenos grupos, sempre com a liberdade para adaptar as instruções recebidas, os primeiros trinta minutos são voltados à descoberta de novas potências da expressão corporal, antes de, por fim, formar uma “roda de energia” para oficializar a primeira descarga coletiva.

Nas duas horas e meia que se seguem, a dinâmica é ditada pelo ambiente, sem uma liderança definida. A fundadora explica, no entanto, que se mantém atenta às ações dos participantes – à volta de 25, por edição – para “moldar as energias” e reorganizar o grupo, caso necessário. “Se virmos que o mood está a precisar de alguma mudança ou que já estamos no mesmo lugar há muito tempo, podemos simplesmente pegar no microfone e dizer qualquer coisa, tirar a música, baixar as luzes, trocar a cor ou a disposição delas ou entregar alguma coisa a alguém sem estar propriamente a dizer o que fazer”, relata.

Alívio ao poder arriscar

Além do microfone e dos elementos do espaço em que decorre o encontro, é disponibilizado um rolo de papel para a prática da escrita, do desenho ou da pintura. Bailarina de hip-hop e dança contemporânea, Ivana Duarte garante, ao Gerador, ter aproveitado a sua estreia na Descarga para também explorar a sua criatividade com os lápis de cor.

Fotografia de Sara Ferreira

A jovem de Santa Maria da Feira, a passar, na altura, por uma “crise existencial de artista”, procurava um lugar sem regras onde não precisasse “corresponder a nada nem a ninguém”. [Na jam,] posso fazer o que eu quiser ou posso fazer nada, o que também é incrível. Fiquei muito só a olhar, o que foi muito fixe”, conta-nos Ivana, que destaca como benéfico o facto de não haver um momento de apresentação anterior entre os presentes. “Como não há premissa, alguém se começa a mover sem dizer ‘venham comigo’. Eu estou a fazer algo, outra pessoa está a ver, interpreta alguma coisa e vai se juntar, ou então entra e faz o que quiser – as coisas interligam-se sem necessidade de uma justificação, é intuitivo. É mesmo fixe ver a individualidade das pessoas”, acrescenta, já livre de bloqueios criativos.

Sair da zona de conforto é a primeira vantagem de mesclar as áreas artísticas, considera Rina. “A relação com um artista que vem de outra área já me deixa mais disposta a observar [o processo criativo] de outra forma, utilizar outros recursos e realmente absorver tudo isso”, afirma. Quanto ao feedback que tem recebido ao longo deste ano, fala de um sentimento generalizado de “alívio de poder arriscar” fazer algo novo. Para si, a beleza está na “criação instantânea de uma coisa que não vai ser apresentada noutro lado, que não está a ser observada por ninguém e que, na realidade, não importa nada para além daquele momento”.

Fotografia de Sara Ferreira

O espaço cultural A Piscina, no Porto, é o que chamam casa, mas o projeto não deixa de lado a opção de viajar pelo país e ocupar estúdios que, assim como a sua proposta, fujam dos formatos habituais. Depois de um encontro em Viana do Castelo, no âmbito do festival An-Tre Program, que decorreu em fevereiro, a Descarga comemora o seu primeiro aniversário com uma estreia em Lisboa, no espaço Prodança, a 13 de maio, das 16h às 19h, anunciada pela página oficial da iniciativa. As inscrições, a serem realizadas por e-mail, como de costume, já estão abertas, assim como para a edição mensal na piscina pública mais antiga do Porto, no dia 20 de maio, das 17h às 20h.

Os planos para os próximos anos incluem a contratação de condutores diferentes para cada aquecimento, diversificando ainda mais as áreas contempladas. Por agora, Rina se agarra à certeza de que a comunidade e o seu trabalho estarão sempre em evolução. “Eu queria ter esse espaço para mim e, entretanto, tornou-se numa família gigante, que tem sempre novas pessoas”, conclui, esperançosa.

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