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Opinião de Manuel Luar

Dois amigos à volta da bicha (salvo seja)

Continuando com a Lampreia recordo uma grande discussão sobre o melhor acompanhamento líquido para tão…

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Continuando com a Lampreia recordo uma grande discussão sobre o melhor acompanhamento líquido para tão nobre animal (nobre para uns, repugnante para outros. O mundo é feito assim).

Para dar um pouco de enquadramento, a conversa começou amena e sobre o mesmo tema do casamento entre os sólidos e os líquidos à mesa, mas dedicada ao senhor bacalhau. Como passou depois para a lampreia e como descambou em discussão?

Passo a tentar explicar.

Porquê o bacalhau e a lampreia? Porque sendo aparentemente “peixes”, ou melhor, movendo-se em meio líquido, têm características organoléticas, sabores e aromas, muito intensos, que os distinguem da vulgar utilização dos peixes nobres na nossa gastronomia. A lampreia é um ciclóstomo, mas isso não interessa nada para esta conversa.

O bacalhau faz-se de mil maneiras, mas em quase todas elas – desde os pastéis de bacalhau com arroz de grelos até ao bacalhau espiritual das nossas tias velhinhas – os cânones recomendam vinhos tintos.

Afirmava eu de forma algo assertiva para o meu amigo, que atualmente tudo muda e será o gosto do freguês comensal que dará a ordem para esta harmonia. 

Aqui começou a piorar a conversa.

Eu referia que tenho provado, e aprovado, em semelhantes namoros com o fiel amigo, vinhos brancos do Alentejo ou do Douro, estagiados, da herdade do Esporão e da casa Niepoort . Os grandes brancos de encruzado e as colheitas de várias castas em vinhas velhas do Dão também se batem galhardamente com a “múmia pisciforme” (Quitério dixit).

Todavia mantinha então a opinião que ainda hoje perfilho: a melhor escolha é e será um belo tinto. Novo e vibrante. Com a força da juventude e alguma acidez para combater a gordura do inevitável (e estimável) azeite. As alternativas são imensas, desde os Bairradas de baga, aos Ribatejanos de casta trincadeira, até aos vinhos da Península de Setúbal com a típica periquita (castelão francês).

O meu amigo teimoso nem admitia “brancos” nesta refrega. Era tinto e pronto. Mas como na prática ganharam os tintos, o assunto não descambou logo ali.

Quanto à lampreia, o caso fiou mais fino…

Diziam os antigos que era esta a decisão mais fácil do mundo: Para acompanhar a lampreia deviam ser servidos os vinhos com que foi confecionada: o Verde Tinto ou o Maduro Tinto, consoante os casos e as receitas que vão geograficamente do Rio Minho aos afluentes do Tejo, passando pelo Mondego.

Mundo mais simples, decisões mais fáceis e (digo eu...) talvez mais sensatas.

Mas hoje já não é bem assim. Partimos do princípio que os atuais homens e mulheres que fazem da gastronomia um palco de vaidades não entendem resolver o assunto com tanta facilidade e dele fazem contenda e demanda.

O meu amigo e eu, que éramos amadores confessos da senhora Lampreia, tínhamos experimentado beber de tudo (praticamente) com as várias declinações da dita. Desde o arroz de lampreia, à escabechada, passando pela bordalesa, pela lampreia fumada e recheada e até pela lampreia assada no forno.  E nalgumas coisas estávamos de acordo, mas nem sempre.

Por exemplo, concordávamos em não apreciar os vinhos brancos com estes pratos. E achávamos que os tintos verdes eram bem-vindos, são os que menos conflituam com o sabor avinagrado do arroz ou do escabeche de lampreia. Sobretudo os da casta “vinhão”.

Foi quando chegámos aos tintos maduros que se acabou a unidade. Eu sempre achei que tintos maduros também são uma escolha (sobretudo para a lampreia assada no forno) e por vezes até os meus preferidos para as outras preparações. Existem grandes vinhos com suficiente adstringência que dá bem para aguentar o vinagre.

Enquanto que o meu amigo funcionava ao contrário: verde tinto, verde tinto, tinto verde, em não havendo, lá teria de ser o tinto maduro, depois água-pé e no fim da linha o branco.

Tanto barafustámos que, da próxima vez que se fez o petisco em casa dele, eu trouxe várias garrafas de espumante bruto tinto, para ver se alguma harmonia seria possível.

Resposta do meu Amigo:

 - “Então onde está o leitão para acompanhar com isto?”

Estalou logo o verniz.  Parecia a faixa de Gaza.

Mal comparado…

-Sobre Manuel Luar-

Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses.  Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.

Texto de Manuel Luar
Ilustração de André Carrilho 

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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