Por norma, quando pensamos no período que conhecemos como Revolução Industrial, tendemos a pensar no antes e no depois. Lemos e aprendemos sobre a organização social, económica e política no período pré-Revolução Industrial, as inovações tecnológicas e técnicas que permitiram avançar nesta transição e, depois, olhamos para o resultado dessas mudanças e a forma como elas se traduziram numa nova sociedade pós-Revolução Industrial. Raramente nos detemos sobre as consequências e os impactos sentidos por quem viveu o período de transição, os efeitos nefastos da adaptação a novos processos e realidades ou as pessoas que ficaram para trás por não conseguirem acompanhar a própria transição.
Se olharmos para os dias que correm, para o momento em que nós próprios nos encontramos, ouvimos recorrentemente falar de um período de transição. Um período de transição que engloba, na verdade, duas transições, ou como mais comummente se refere a transição dupla ou gémea (twin transition). Por um lado, temos a transição digital que, entre outros aspetos, se prende com a introdução generalizada e transversal do uso da tecnologia em diferentes áreas da economia, com uma potencial substituição do trabalho anteriormente feito por pessoas por novos meios tecnológicos, dando origem a um processo de perda de postos de trabalho – mesmo que outros possam emergir em seu lugar. E, por outro, a transição energética ou ambiental, que engloba um conjunto de transformações nos métodos de produção energética – embora não exclusivamente na área da energia – que visam reduzir o nível de emissões modificando as fontes de produção de energia, seja na área dos transportes, do aquecimento ou da produção industrial. As duas transições estão intrinsecamente interligadas e estão a ocorrer a um passo muito acelerado em todos os domínios da nossa sociedade, em muitos aspetos uma puxando pela outra e com uma profunda interdependência.
Ora, com este contexto em mente, como podemos corrigir os erros do passado e enfrentarmos esta dupla transição de uma forma sustentável, socialmente responsável e centrada nas pessoas? Se estas transições terão um impacto permanente ao longo da vida de várias gerações, então importa criar os mecanismos que assegurem uma resposta também ela permanente. As competências, habilidades e técnicas de que cada um de nós dispõe ou disporá são a principal resposta que podemos dar ao nível individual e que melhor permitirá enfrentar os desafios colocados pelo período em que vivemos. Assim, o Ano Europeu das Competências, lançado pela Comissão Europeia a 9 de maio deste ano, vem num momento não só oportuno como, também, determinante no processo de enfrentamento desta dupla transição. Quais são, então, os principais aspetos do Ano Europeu das Competências e em que eixos deve assentar o muito necessário investimento nesta área?
Há dois conjuntos de respostas que importa dar, as duas assentes em três pontos principais. O primeiro aspeto a definir é quais as competências em que necessitamos de apostar. 1. Em primeiro lugar, é preciso investir em competências específicas, no conhecimento diretamente relacionado com as necessidades do mercado de trabalho, seguindo a evolução das necessidades da sociedade geradas pela dupla transição. É fundamental identificar que tipos de trabalho deixarão de ser necessários – ou pelo menos com a mesma intensidade de recursos humanos – e que trabalhos surgirão e dotar as pessoas dos conhecimentos e competências necessárias para os realizar. 2. É minha profunda convicção que, enquanto sociedade, não nos devemos centrar exclusivamente em formar trabalhadores, sejam os de hoje, ou os de amanhã. Temos de formar também, ou acima de tudo, cidadãos. Nesse sentido, é fundamental investir em competências digitais, que permitam enfrentar as cada vez mais rápidas evoluções tecnológicas, garantindo que estamos preparados para lidar com uma participação social que é cada vez mais centrada no digital. Estas competências devem incluir, entre outras coisas, literacia digital, quer no acesso à informação, quer na sua criação, com um forte enfoque na capacidade de distinção entre o que é real e não – sendo que isto é particularmente relevante no acesso à informação. 3. As competências sociais completam este ramalhete. Por competências sociais, deve-se entender um conjunto muito alargado de competências transversais que incluem a participação cívica, democrática, e que promovam uma sã convivência social. A educação para a cidadania ativa, em que a inclusão assume uma componente chave, numa sociedade em que se multiplicam as dimensões identitárias e em que se procura garantir um total respeito individual por cada uma dessas identidades, sem discriminações e com igualdade de direitos, é fundamental para garantir que preparamos as pessoas para os desafios com que nos vemos confrontados.
O segundo conjunto de respostas prende-se com o facto destas competências terem de fazer parte da nossa vida. Não haverá um momento em que possamos colocar um ponto final na aprendizagem e na formação, uma vez que se pretende que ela nos acompanhe ao longo da vida, nos seus diferentes momentos. Posto isto, quem deve providenciar o acesso a estas aprendizagens? 1. O setor empresarial tem um papel determinante nesta matéria, uma vez que é um ator privilegiado na identificação das suas próprias necessidades e na adequação das competências dos seus trabalhadores a essas mesmas necessidades. 2. A sociedade civil e os parceiros sociais – onde se incluem sindicatos ou organizações de trabalhadores, mas também associações de formação e ensino – são fundamentais na preparação dos trabalhadores na aquisição de competências transversais e transferíveis, que lhes permitam navegar de forma mais livre e preparada o mercado de trabalho, sem as amarras específicas do conhecimento providenciado pelas empresas. 3. Por último, o papel do Estado e da Administração Pública. De modo a que não se agravem as desigualdades, é fundamental garantir que há um forte financiamento coletivo – que pode englobar uma parceria entre as componentes públicas e privadas – de modo a que não se onere os trabalhadores com o necessário investimento no acesso à formação e métodos de aprendizagem. É fundamental garantir que há mecanismos de solidariedade e de compensação das pessoas que se veem afetadas pelos processos de transição e que estas não são deixadas à sua sorte.
Assim, e para fazer face a este enorme desafio que temos pela frente, a aposta num modelo de proteção social justo, inclusivo e permanente, que facilite o acesso às ferramentas indispensáveis para enfrentar a transição dupla, e que considero serem as competências, é fundamental para garantir que ninguém fica mesmo para trás. Para que, um dia, possamos olhar para este período e vermos o antes e o depois, ao mesmo tempo que temos orgulho no durante.
- Sobre o João Duarte Albuquerque -
Barreirense de crescimento, 35 anos, teve um daqueles episódios que mudam uma vida há pouco mais de um ano, de seu nome Manuel. Formado na área da Ciência Política, História e das Relações Internacionais, ao longo dos últimos quinze anos, teve o privilégio de viver, estudar e trabalhar por Florença, Helsínquia e Bruxelas. Foi presidente dos Jovens Socialistas Europeus e é, atualmente, deputado ao Parlamento Europeu.