Se há preconceito sobre o cinema português, há também quem o defenda com unhas e dentes. Mesmo ali no centro, em Coimbra, há 30 anos que vários amantes do cinema se juntam para mostrar os vários Caminhos do Cinema Português.
“Não é o Caminhos, são os Caminhos do Cinema Português”, assim começou a minha conversa com o Vítor Ferreira, presidente do Caminhos do Cinema Português. “Este é um espaço para mostrar os diversos percursos do cinema português. Não acredito que haja uma pessoa que saia do festival sem ver um filme de que goste”, diz com um sorriso de orelha a orelha.
De 24 de Novembro a 1 de Dezembro, cinéfilos voluntários, amadores ou profissionais, põem de pé os Caminhos do Cinema Português, em Coimbra. Começou em 1988, com uma primeira mostra no âmbito de um curso de cinema de verão da Associação Académica de Coimbra, e foi evoluindo até ao contexto de festival, a partir de 1996.
Os meus caminhos começaram com o Espectador Espantado, de Edgar Pêra, um filme sobre o acto de ver o cinema. Olhar o cinema pelo lado do espectador, com entrevistas a especialistas do cinema, mas também a espectadores sobre os privilégios de se espantar, de nos deixarmos levar pelo sonho do cinema. Perguntas como “o que faz do cinema o cinema?”, “quando é que uma obra nos espanta?”, ou “qual diferença entre sonhar e ver um filme?” são respondidas por várias pessoas num documentário que se nota ser também uma experiência. Deixa-nos ideias maravilhosas como o privilégio de se acreditar no inacreditável.
Foi uma entrada boa e a pés juntos para espectadores que gostam de se questionar sobre o impacto que estas histórias têm, depois de sairmos da sala de cinema. Neste festival, as temáticas são escolhidas automaticamente, pelas próprias inscrições.
“Há medida que vou vendo os filmes, começam a surgir naturalmente os blocos temáticos que vão compor a programação do festival”, conta João Pais, programador dos Caminhos do Cinema Português. Este ano, a crise financeira, que era uma temática presente nos filmes candidatos dos últimos anos, deu lugar ao tema da crise de cultura e dos afectos. “A crise está a ser [o tema] mais transversal, não só aos bolsos das pessoas, mas também ao coração delas”, explicou João, que destaca a força da temática mãe, este ano, em filmes como “Até que o porno nos separe”, de Jorge Pelicano, que ganhou o prémio de Melhor Documentário.
A longa-metragem sobre a mãe de um jovem actor de pornografia gay e o seu longo percurso de negação, aceitação e, por fim, activismo deu lugar a várias ovações e salvas de palmas de uma plateia completamente emocionada e rendida à história de coragem e amor de Eulália pelo seu filho Fostter Riviera.
Mas houve mais filmes a tocar neste tema, como são o caso de “3 anos depois”, de Marco Amaral, “Leviano”, de Justin Amorim, ou “Entre o verão e o outono”, de Maria Francisca Pinto.
O grupo de filmes da última noite do festival foi programado com a temática LGBT. A anteceder a longa documental de Jorge Pelicano estiveram “Anjo” de Miguel Nunes, uma história de amor jovem e intensa passada na selva urbana de Lisboa, e “Self Destructive Boys” de André Santos e Marco Leão, sobre os limites da sexualidade de três rapazes que vão fazer um filme pornográfico. “A sessão LGBT, por exemplo, acontece também porque existiu uma percentagem muito grande de filmes candidatos sobre esta temática”, conta-nos João Pais.
Já o medo foi uma outra temática discutida durante os Caminhos. Foi tema do filme “Praça Paris”, de Lucia Murat. A discussão final, com Gonçalo Galvão Teles, um dos produtores do filme, revela que “é uma actualidade especialmente dos que vivem da liberdade de criar.”
Curtas, longas, ficção, experimental, documentário ou animação: há filmes para todos os gostos. São mais de 75 horas de cinema português numa semana, numa tentativa de equilibrar géneros para que o festival não seja dirigido a um público em específico.
Desde 2017 que o festival está também numa sala comercial – os cinemas NOS - para levar outro tipo de cinema a salas comerciais. Esta é uma constatação do programador do festival: “o público procura cinema não tão comercial, os gostos dos espectadores estão a mudar”.
“O que não queremos é que os Caminhos se tornem num só caminho”, diz-nos Vítor. Para mim, foram só dois dias de festival, mas foi uma boa amostra de que os Caminhos têm mesmo cinema para todos.
Saí de Coimbra com vontade de mais e, por isso, deixo-vos um desafio: na hora da dúvida sobre que filme português ver, é olhar para os programas dos últimos anos do festival. São um baú de preciosidades sem fim e é caso para dizer que só não vê cinema português quem não quer.